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Guia para sair do armário

Redação Lado A 05 de Maio, 2006 10h08m

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Este guia foi escrito para homossexuais e bissexuais de todas as idades que estão a pensar em se assumir. Sabemos que tomar a decisão de se assumir pode ser assustadora e desgastante. Por isso fizemos este guia. Acreditamos que informação útil e as experiências de outras pessoas em se assumirem podem lhe preparar para algumas das conseqüências que resultarão de se assumir perante a família e amigos.

Assumir é uma experiência diferente para cada pessoa. Portanto este guia vai provavelmente levantar mais perguntas do que aquelas que responde.

Para começar com uma definição bem simples, uma pessoa é homossexual quando se sente sexualmente atraída por pessoas do mesmo sexo. A sexualidade é uma expressão usada para descrever toda uma gama de sentimentos, desejos e atividades relacionadas com o sexo.

A quem deverei contar?

Ninguém sabe exatamente porque é que alguns de nós são homossexuais e outros não. Foram levantadas muitas hipóteses desde diferenças genéticas a pais dominadores. As evidências disponíveis sugerem que há fatores genéticos aleatórios que têm um papel na determinação da nossa sexualidade da mesma forma que determinam, por exemplo, ser canhoto.

Uma coisa que nós sabemos é que ninguém escolhe a sua sexualidade. Alguns homossexuais sabiam que eram diferentes aos cinco ou seis anos de idade. Diz-se que, para a maioria de nós, a nossa sexualidade está determinada aos 12 ou 13 anos de idade e provavelmente aos 16 anos o mais tardar. A quase totalidade da sociedade tem tendência a assumir que todos são, ou querem ser, heterossexuais. Isto é conhecido como heterossexismo. Algumas pessoas continuam a acreditar que a homossexualidade é uma escolha e que podemos ser persuadidos a ser heterossexuais. Ao assumir a heterossexualidade a sociedade cria um dilema, para aqueles que sabem que são homossexuais, de ou escondermos a nossa sexualidade ou de nos assumirmos – com tudo o que isto acarreta.

Têm havido alterações pequenas mas observáveis na forma como a sociedade encara a homossexualidade mas ainda há um longo caminho a percorrer antes que nos aceite da mesma forma que o faz com que pessoas que sejam, por exemplo, canhotas.

Esta situação tem mais a ver com os complexos que a sociedade tem com o sexo e a sexualidade do que com os homossexuais individualmente. Freqüentemente assim que as pessoas conhecem alguém homossexual os seus preconceitos e receios sobre a homossexualidade quase sempre desaparecem.

Ser adolescente homossexual

Para muitos jovens homo e bissexuais, a adolescência pode ser uma época de especial ansiedade e medo. Muitos homossexuais recordam esta parte das suas vidas com tristeza e desgosto. Há muito poucos modelos homossexuais exemplares e muita hostilidade contra pessoas abertamente homossexuais. Os adolescentes homossexuais tomam freqüentemente consciência de que não são como os outros de uma forma dolorosa e podem tornar-se retraídos e solitários, convencidos que são os únicos a experimentarem esses sentimentos. Aprendem a esconder os seu verdadeiros sentimentos ou a se comportarem como os outros querem, com medo de serem excluídos, ridicularizados ou rejeitados por aqueles que amam e pelos amigos.

Acima de tudo podemos por vezes sentir que somos de alguma forma diferentes, que somos anormais ou que vamos desapontar as pessoas.

Alguns acreditam que se se casarem os seus sentimentos homossexuais desaparecerão. Raramente isto acontece. A maior parte vai acumulando grande stress e ansiedades para os anos vindouros. Assumir-se como pai ou mãe homossexual implica desafios especiais. Fugir a um papel claramente definido ou mesmo tentar modificar a sua definição envolve uma tremenda coragem e força. O conflito entre o relacionamento com o cônjuge e a necessidade de se ser quem é pode ser enorme.

Assumir

Há vários passos no processo de uma pessoa se assumir. A sua vida está em questão por isso demore o tempo que for necessário – faça as coisas pensando em você e apenas quando estiver pronto.

Assumir para si próprio: O processo de se aceitar como homossexual pode levar anos. Alguns de nós provavelmente tiveram a esperança de que estes sentimentos fossem “só uma fase”. Com o tempo percebemos que estes sentimentos não são só uma fase e que temos de encontrar uma forma de os aceitar e lidar com o fato de que nos sentimos sexualmente atraídos por membros do nosso próprio sexo.

Esta conclusão é a primeira etapa para uma pessoa se assumir. Não há nenhuma regra rígida e simples em relação a quando é que se atinge este ponto. Com alguns acontece na adolescência, para outros pode acontecer muito mais tarde na vida.

Algumas pessoas descrevem esta altura de aceitar a sua sexualidade como se estivessem numa montanha russa. Um dia se sentem felizes e confiantes e prontos para contar a todos; no dia seguinte se sentem confusos, apavorados e aliviados por não terem contado a ninguém.


Então, ainda quer assumir?

O medo da rejeição provavelmente é imenso. Leve em consideração que há muitas maneiras de dizer a alguém que você é homossexual.

Pode ser útil perguntar a você mesmo algumas das perguntas que surgem mais à frente neste guia, já que é mais do que provável que outros as façam a você em algum momento. Não ensaie as respostas mas pense nos seus motivos – isso tornará você e suas discussões mais fortes e seguras. A etapa seguinte envolve se assumir em público. Você pode decidir dizer ao seu melhor amigo ou a um membro da sua família.

Lembre-se que uma vez que conte a alguém sobre a sua sexualidade isso pode se tornar conhecido por outras pessoas num curto espaço de tempo. Isto faz parte da natureza humana e há muito pouco que se possa fazer para impedir. Se estiver decidido a lidar com qualquer reação negativa que esta revelação possa trazer estará suficientemente preparado para ela.

Porquê assumir?

Esta é a pergunta mais importante a fazer para você mesmo. Se responder qualquer coisa como: “Porque me orgulho de ser quem sou” ou “É impossível ser um ser humano plenamente feliz se a minha sexualidade permanecer escondida” ou “Quero conhecer outros homossexuais” então estas são boas razões. Pense com muito cuidado se a sua razão for magoar ou chocar pessoas. Freqüentemente quem acabará magoado será você.

A quem deverei contar?

Muitos homossexuais descrevem como é importante contar primeiro a alguém exterior à família. Certifique-se que seja alguém que tenha uma mentalidade aberta e que seja encorajadora. Tenha cuidado se decidir confidenciar a professor na escola – eles podem ser obrigados a contar a outra pessoa o que lhes contou.

Se decidiu contar à sua família poderá ser mais fácil contar a um dos pais antes do outro. Poderá então pedir-lhe ajuda para abordar o outro. Por vezes os irmão e irmãs são um bom ponto de partida já que é provável que eles compreendam melhor a homossexualidade ou bissexualidade. Uma das razões para se assumir perante a família é tornar-se mais próximo deles.

Há um certo número de respostas típicas que se sabe que os pais, em particular, dão: “Como é que pode ter a certeza?”, “Eu passei por uma fase dessas na tua idade”, “Isso vai passar com a idade” e “Você não se esforçou a sério com o sexo oposto”.

Tentamos listá-las aqui porque elas podem lhe ajudar a pensar nas respostas que lhes dará. Poderá ser útil discutir estas questões primeiro com um amigo de confiança.

Apoie a sua família

Este momento pode ser traumático para alguns membros da sua família. Poderá se sentir incapaz de responder a todas as suas questões ou lidar com todos os assuntos que lhes surgem. Eles, em contrapartida, podem não se sentir à vontade em falar sobre homossexualidade ou bissexualidade com você. Neste momento ainda não existem no Brasil organizações que dão apoio específico a pais que estão se ajustando à sexualidade dos seus filhos.

Esta pode ser uma época difícil se a sua felicidade está dependente num determinado grau da reação da sua família. Se este é o seu caso você deve discutir a questão primeiro com alguém que já tenha passado por essa situação.

Como deverei contar?

Não há nenhuma regra que diga como você deve falar com os outros sobre isto, há outras formas.

Você pode querer escrever primeiro (ou enviar um e-mail) e dar tempo para reagirem da sua própria forma. Esta é, talvez, a melhor aproximação se, por exemplo, você vive longe da família ou amigos. Lembre-se que você mesmo levou bastante tempo para se habituar à idéia e que os outros poderão precisar de tanto tempo como você. Escrever uma carta permite compor os seus pensamentos de uma forma cuidada e clara. Uma carta pode também dar à pessoa a quem escreve o espaço para reagir e pensar nas notícias antes de discuti-las. Esta pode ser uma aproximação útil se está à espera de uma reação hostil ou negativa.

Se você decidir por falar cara a cara, lembre-se de não o apressar ou fazê-lo quando um de vocês está com pressa ou distraído.

Provavelmente também não será de grande utilidade decorar um discurso – é quase garantido que algumas pessoas não reagem de uma forma previsível. Se está preocupado com a reação deles fale sobre seus receios e diga que não os quer magoar mas precisa de ser honesto com eles. Não esqueça de ouvir o que eles tiverem para dizer – isto deverá ser mais ou menos uma conversa, não um discurso!

Quando deverei contar?

Quando chega o momento de se assumir, a escolha do momento certo é uma consideração importante. Escolha o momento cuidadosamente: faça-o quando você e eles tiverem muito tempo – não mesmo ao fim do dia quando é provável que estejam mais cansados e emocionais.

Pense sobre o que está sentindo e não se preocupe muito. O nervosismo é perfeitamente normal nestas circunstâncias. Não o faça se estiver se sentindo zangado ou emocionalmente sensível – isso afetará o que vai dizer e como o diz. Por razões óbvias não o diga quando estiver bêbado (mesmo que pense que precisa de uma bebida para acalmar os nervos).

E lembre-se – só quando estiver bem e pronto. Um amigo disse uma vez que sabia que estava pronto para contar à família quando se deu conta que, se precisasse, poderia viver sem o seu apoio. Felizmente para ele (e para a sua família) isso não foi necessário.

Conseqüências e reações

Finalmente contou a alguém. Ou está à beira de um abismo ou dando pulos de alegria (ou ambos !). Algumas pessoas descrevem a sensação como se lhes tivesse sido tirado um enorme peso dos ombros ou se sentir eufórico e contente e como se fossem crianças outra vez.

Não se sinta culpado com isso – aprecie o momento, você merece. A excitação de revelar algo que se mantinha em segredo há muito tempo pode ser um tremendo alívio.

Use sabiamente esta energia recém-descoberta e lembre-se que os amigos chegados e a família podem se preocupar que você esteja “irreconhecível”. Assegure-lhes que mudou – e para melhor e que está apenas explorando um novo ser mais completo.

A maioria das pessoas terá muitas reações positivas. Por exemplo, “Estamos muito contentes que nos tenha contado” ou “Nós já tínhamos adivinhado e estávamos só à espera que nos dissesse alguma coisa”. Alguns homossexuais depararam também com a resposta “Eu também sou”.”Os meus pais se recusaram a falar do assunto. Eles puseram a questão de lado e disseram que não queriam que se levantasse o assunto outra vez. Eu decidi que iria continuar a levar a minha vida como homossexual. Deixei de ir a casa tão freqüentemente como costumava e de ir às reuniões de família. Só agora, três anos mais tarde, é que eles começaram a aproximar o assunto comigo.”

Se nem tudo correu bem não perca a esperança. O tempo cura muitas feridas e as coisas vão melhorar. Se foi rejeitado por um amigo chegado pense se ele era realmente tão chegado que não pôde dar apoio nesta situação.

Se a sua família está reagindo mal isto é normal. Eles podem estar sentindo toda uma gama de emoções incluindo choque, mágoa, culpa, responsabilidade, desapontamento e dor. “A minha família diz que aceitam que eu seja homossexual mas que não querem me ver com outro homem. Dizem que não serão capazes de agüentar isso.”

Muitos pais sentem uma certa perda – talvez de futuros netos ou casamentos ou outras reuniões de família. Isto pode manchar a felicidade deles.

“Recentemente estive num casamento e estavam lá todos com os seus parceiros. Eu estava aborrecido por não poder ter trazido o meu. Todos faziam as perguntas de costume sobre namoradas e eu tinha que ir sorrindo e dando desculpas. Eu não queria armar discussão com a minha família acerca disto, mas não é justo.” No fim do dia os seus pais continuam a ser os seus pais e, com tempo, poucos rejeitam os filhos por serem homossexuais.

“O meu pai disse ´Ainda és o meu filho e tenho orgulho de ti.´ Ele tinha sido muito homofóbico até então.”

Se eles ficarem muito calados dê tempo para eles reagirem e oportunidade para pensarem sobre o que lhes contou. Se eles fizerem muitas perguntas é bom sinal. Pode ajudar considerar como sendo do seu interesse responder-lhes – é provável que sejam as mesmas perguntas que fez a si próprio ao longo do caminho.

Se as coisas estiverem a correndo tão mal a ponto de pensar em desistir do processo de se assumir, é importante que fale a alguém acerca dos seus receios e preocupações.

Existem grupos que podem lhe ajudar.

Provavelmente é melhor agüentar e continuar já que chegou até este ponto e, em muitos aspectos, seria difícil ou impossível voltar atrás. Fique tranqüilo: a próxima pessoa a quem contar te dará um grande abraço e dirá que está aliviada por ter tido coragem pare lhe dizer e que há muito que suspeitava que você andava com alguma coisa na cabeça.

Assumir no emprego

Há algumas circunstâncias em que assumir no trabalho pode afetar gravemente a segurança profissional e possíveis promoções. Em algumas circunstâncias ser abertamente homossexual pode entrar em conflito com as regras do empregador, por exemplo nas forças armadas, ou pode levar a uma rejeição por parte de clientes de um dado serviço, esta segunda situação pode ser mais delicada no caso de empregos de orientação e educação relacionados com jovens e crianças.

Contar ao médico

Vale a pena referir também que se revelar a sua sexualidade ao seu médico, ele pode tomar nota destes detalhes na sua ficha médica e que existem várias pessoas ou entidades que podem ter acesso a estes registros para diferentes fins, no entanto o fato dele estar a par pode facilitar a sua comunicação com ele em questões relacionadas com sexo (doenças sexualmente transmissíveis).

Chega uma altura de parar de falar e de continuar a viver a sua (nova) vida. É altura de conhecer outros homossexuais e bissexuais e explorar a sexualidade com segurança e confiança.

Uma reação comum a esta afirmação, especialmente fora das grandes cidades é “Ótimo – mas por onde é que começo?”.

Pense que ser homossexual tem a ver com se expressar da forma quiser. Apesar dos esterótipos, não há uma forma exclusiva de se ser homossexual. Somos todos tão diferentes como em qualquer outro grupo de pessoas.

Sair com os amigos e encontrar novos amigos em boates, bares ou festas pode ser muito bom, mas este tipo de vida não é para todos e ser homossexual não é só isto.

Como em qualquer grupo de pessoas, haverá algumas com quem se dará bem e outras que não. Se sentir que tem pouco em comum com os homossexuais que conheceu até agora pode tentar formas diferentes de contatar com mais homossexuais, por exemplo, por e-mail, ou ainda recorrer aos chats.

Último toque

Não há duvida que manter uma atitude positiva com relação a si próprio é um passo importante na direção de se manter saudável física e mentalmente. É também importante que em tudo o que fizer que reflita nas conseqüências das ações nos outros.

Este conselho é particularmente útil no que diz respeito ao sexo. Quer se trate de um relacionamento ou de um caso só por uma noite, ter sexo com outro homem pode ser muito bom e deve nos fazer sentir muito bem acerca de sermos quem somos. Como em tudo na vida as pessoas gostam de algumas coisas e não gostam de outras e é importante que sejam discutidas com o parceiro sexual.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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