Independência…

Redação Lado A 10 de Setembro, 2006 16h42m

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O amarelo do ouro roubado e o verde das matas violentadas reapareceram este ano, após a copa do mundo de futebol. Agora, no sete de setembro – nome de rua, marco de nossa autonomia como estado e passagem da coroa da mão do Rei pai ao filho – tudo é evidência um patriotismo todo nosso. Apático e temporal.

É repugnante ter um dia no ano para assistir aos desfiles dos militares que por mais de uma vez formaram a corte “real” deste país. O povo, sempre como bobo da corte, ainda pára e assiste a banda passar. Estava à toa na vida e meu amor me chamou para ver a banda, com seus oficiais e afilhados que ainda hoje dominam alguns setores do nosso país, passar. Mas eles nunca passaram. Instalaram-se na política e no poder. Formando um lastro de violência, corrupção e impunidade que ainda hoje permeia em nossa sociedade. Como invisíveis castas sociais de um país onde o filho de alguém é mais importante que muitos pobres coitados nascidos de lugar nenhum. Pobre no Brasil nasceu do barro, da lama. Em algum momento, o que o padre me ensinou sobre a criação do homem faz sentido. Deus criou os pobres.

Em 1822, às margens do rio Ipiranga – que sempre foi um córrego, sob o cavalo que na verdade era um jumento, o nosso altivo Dom Pedro I (que em Portugal se chama Dom Pedro IV) e não tão altivo já que acabara de ter uma crise de disenteria… gritou o épico “Independência ou morte”. Todo mundo sabe a merda que deu depois. Aos negros, que já eram milhões por aqui, mais 60 anos antes que conhecessem a tal Lei Áurea e mesmo assim  até hoje amarguram a escravidão. Os negros e os tais seres do barro.

Independência? Do que? Hoje, devemos para Deus e o mundo. Somos a puta velha das nações latino-americanas que foram exploradas e deixadas ao relento. O Brasil nunca foi independente. Apenas presenciou o dia em que Portugal lavou suas mãos. Deixamos de ser o quintal português para sermos a casa da luz vermelha do mundo. E, por incrível que pareça, ainda hoje somos conhecidos pelas mulheres, pelas matas e pelo futebol. Triste ironia de um país que se diz o país do futuro.

E esse papo utópico de que Deus é brasileiro, de que somos o país do futuro, nada mais é do que um tapa-olhos para puxarmos a nossa carroça rumo ao precipício. Somos uma potência, realmente. Mas a cada dia somos menos potentes. Nossos recursos naturais são usurpados e nossos jovens vivem o sonho americano ao invés do nosso sonho. Ninguém mais acredita no país, na mudança, no futuro. Talvez o país do futuro não tenha um Deus brasileiro. Talvez o brasileiro tenha o país do Deus do futuro. E esta seja a grande saída ao brasileiro. Apegar-se a religião, como têm feito milhões de evangélicos. O mais irracional parece o lógico, a única saída antes da insanidade.

Foram 184 anos de erros, de submissão, de pretensão, de exploração. Depois vieram os imigrantes, os fugitivos das guerras, os militares, os americanos e todos mais. Aqueles que se orgulham de terem origens nas nações européias, conservaram a mentalidade e o dialeto do pré-guerra, hoje, de nada possuem de europeus além da carga genética, pararam no tempo. O mundo todo evoluiu enquanto o Brasil procurava a sua identidade nacional. Jamais achou. Aos poucos índios nativos que sobraram restou a não cidadania, sua condição de homem-bicho, além de algumas doenças e vícios do homem branco.

Parabenizo, finalmente, aos 184 anos do Brasil. Nosso país amado que ajudamos a empurrar ao abismo e ao qual não defendemos dos irmãos incestuosos e canibais. De seu bolo, que há tempo foi repartido, busco uma lasca. Não reclamo do fato de terem deixado apenas migalhas para mim. Eu, pelo menos, fui um dos poucos que ainda as encontrou. Engulo seco e mesmo achando toda esta festa inapropriada e desmerecida, solto um sorriso. Pois eu vivo no país do futuro e sei que, realmente, Deus é brasileiro. Se não por invenção ou realidade, por merecimento, pela fé dos deuses e homens de barro.

PS: O bolo foi comido com tanta selvageria que esqueceram de soprar as velas e fazer um pedido.

PS 2: A vela acabou de desaparecer, misteriosamente.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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