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Travestis profissionais do sexo de Curitiba mudam de endereço

Redação Lado A 29 de Janeiro, 2007 04h29m

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Dignidade Removida
Travestis profissionais do sexo de Curitiba mudam de endereço


Na manhã do dia 29 de janeiro, segunda-feira, as travestis e transexuais* da cidade se encontrarão na Boca Maldita para comemorar o Dia da Visibilidade Trans. No local onde um dia morou a ‘travesti’ barbada Gilda, na década de 70 e 80, que se denominava o primeiro gay da cidade. Morreu depois de ser esfaqueada e as feridas apodrecerem. Foi morta, como muitas outras. Elas vão mostrar a cara e o corpo que a sociedade curitibana discrimina, enoja, evita e condena. Seus corpos são as suas bandeiras. Elas pedem paz, pedem respeito, pedem dignidade.


Esta semana, foi para a mídia o acordo feito entre um grupo de representantes das travestis e o CONSEG, Conselho de Segurança, que desde o ano retrasado mediava o pedido a remoção das ‘meninas’ da região da Rua Piquiri, no Bairro Rebouças, feito pela associação de moradores do local. A reivindicação da vizinhança ganhou força com a nomeação do Ten. Sergio Augusto Silva para a 5ª. Cia. da Polícia Militar, responsável pela região.


Verdades sejam ditas: existe o preconceito e metade dos motivos de se querer a remoção delas é pura discriminação! E claro, existem aquelas que agem fora da lei, elas fazem eventuais barulhos e sujeiras – já que Curitiba não tem banheiros públicos – e existem bons e maus elementos em qualquer grupo. Muitas ficam peladas para se vender, é verdade! Mas a sociedade não dá emprego para estes seres humanos andróginos e a própria família, geralmente, as renega. Ou seja: a prostituição é a saída única para muitas.


E a maior verdade de todas: as representantes do Trans Grupo Marcela Prado não fizeram um acordo, apenas se comprometeram que repassariam para as outras travestis a proposta apresentada e que estas seriam livres pela escolha. Nada foi assinado e muito menos nenhuma solução verdadeira foi apresentada ao problema social existente. Como o bairro vai impedir que elas circulem pelo local? A solução foi para o pedido dos moradores, que parecem felizes.


Incomodam, claro que incomodam… mas o radar na minha janela também incomoda, assim como o movimento de carros na avenida durante a noite e as freadas que os motoristas dão para evitar serem multados. As sirenes, os trotes telefônicos, os cachorros, a corrupção, a hipocrisia, e tudo mais…


Há mais de 10 anos, travestis e transexuais foram expulsas a pauladas da região da hoje reformada e cheia de prédios Avenida Presidente Getúlio Vargas. Elas são jogadas de um lado para o outro da cidade, sempre para regiões de menor valor imobiliário. E agora devem ocupar a continuação da Rua Engenheiro Rebouças, as Ruas Dario Lopes e Maurício Fruet, próximo a rodoferroviária. Mas até quando?


Se, quando há vazamento de óleo no litoral, os pescadores são indenizados. Por que as travestis não são quando são removidas de seu local de trabalho? Ambos agem na informalidade e dependem de um ambiente favorável para prover o sustento. O ponto novo quase não tem residências (logo, pode ser considerado ermo e perigoso), a via tem uma mão apenas e não apresenta retorno próximo (importante para que os clientes circulem). Eu acho que elas deveriam ser indenizadas mas talvez o meu pensamento seja muito avante da maioria das pessoas. Banheiros públicos, abrigo para chuva e sol, entre outros, é o mínimo que a sociedade pode prover para esta minoria tão sofrida e carente de investimentos públicos.


O acordo foi conseqüência da mobilização das próprias trabalhadoras do lugar. Há pouco menos de um mês, os policiais passaram avisando que haveria uma “limpa” no local. Elas se uniram se postaram em uma das esquinas esperando a tal limpeza que historicamente era feita com violência, por policiais que as xingam e as tratam como sub-raça diariamente. Mas não houve violência. Ao contrário. Vendo a organização das profissionais do sexo da região, os policiais fecharam o cerco aos clientes. Que, humilhados com as batidas constantes e xingamentos, não voltam ao local – o que tem impacto direto na fonte de renda das prostitutas. Foi uma decisão tomada por pressão. Uma solução pacífica mas com um pano de fundo opressor. Se muitos condenam a sexualidade destas pessoas, bem, eu condeno muito mais o descaso, a falta de compaixão e a opressão silenciosa.


Chico Buarque, se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morto, por acidente, assalto ou outro qualquer meio, terá sido obra dos mesmos espíritos de porco que se julgam os donos da cidade… (Homenagem à Zuzu Angel, heroína e mãe brasileira – vejam o filme!)


PS: O prefeito não respondeu o pedido das travestis para uma audiência (acho que deveriam aparecer lá de surpresa)
 
PS2: Um leitor da concorrência sugeriu que elas se mudassem para o Centro Cívico. Apoiado! As ruas são largas, vários retornos, tem água, iluminação, abrigo e tem banheiros enormes. Porém, muitos dos comentários no fórum de discussão da concorrente deixaram de ser exemplos liberdade de expressão e viraram apologia à violência. MP neles!


* Grosseiramente travestis são pessoas de um sexo que sentem a necessidade de assumir a identidade sexual – aparência e modos – do outro sexo e transexuais são pessoas que querem mudar de sexo por não aceitarem o sexo que nasceram – identidade de gênero.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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