Homossexualidade: pela sua aceitação

Redação Lado A 06 de Março, 2007 05h11m

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É mesquinho ocupar-se da sexualidade alheia: se alguém é homo, bi, hetero, é algo que respeita à privacidade de cada um; assim como a condição hetero de alguém corresponde à sua privacidade, assim, também, a condição homo ou bi de uma pessoa interessa a ela apenas: o papel dos outros deve ser o de respeitar; antes, o de não se ocupar da condição sexual da pessoa, para apontá-la perante terceiros nem para comentá-la.

O mexerico em torno da homossexualidade representa uma expressão do preconceito, uma forma, implícita, de tratá-lo como anormalidade: ninguém aponta a heterossexualidade de alguém como seu traço marcante, porém aponta-se a sua homossexualidade, como caráter que distingue o indivíduo dos demais, o que significa reputá-lo, nisto ao menos, diferente e, portanto, ver-se na homos. um comportamento fora do normal ou do correto.  Quem anda a comentar “Será que ele é?”, devia ocupar-se mais da sua própria vida e da sua escala de valores e menos, muito menos, do que os outros fazem dos respectivos corpos: meta-se cada um com a sua própria vida  e não com a alheia.

É certíssimo o argumento de André Gide: há um condicionamento cultural pelo qual as pessoas são acostumadas com a heteros. e a considerarem como aceitável e como a forma por excelência da sexualidade: trata-se de um verdadeiro preconceito a favor da heterossexualidade, que marginaliza-a  e o bissexualismo. Ora, se este condicionamento inexistisse, os indivíduos ficariam entregues à sua espontaneidade e revelar-se-iam na sua natureza individual, em matéria de sexualidade: certamente haveria mais homossexuais que levassem vida homossexual e que se declarassem como tal, sem constrangimentos.

Evidência disto acha-se na geração dos moços, que hoje contam à volta de 20 anos: entre eles, a homossexualidade assume-se com naturalidade; muitos rapazes têm namorados, em relacionamentos que assumem publicamente, nas suas conotações afetiva e sexual; os demais indivíduos daquela geração aceitam-lhes a opção e não discriminam; ao menos, a aceitação é muito mais extensa do que nas gerações dos pais e dos avós deles.

É uma geração em que pode-se viver como se é, à vontade, a natureza de cada um pode exprimir-se dentro da aceitação dos demais, e não, como nas gerações antecedentes, sob clandestinidade, sob o receio da descoberta, com vergonha perante si próprio ou perante os demais. É uma geração psicologicamente mais sadia e mais feliz. O que é melhor: que os indivíduos possam ser felizes, fora de preconceitos, ou que sejam infelizes, por causa deles?

Há, pois evolução, no sentido positivo: há uma mudança de mentalidade em curso, em que ao declínio do preconceito anti-homossexual corresponde a maior aceitação da homossexualidade, na geração mais moça, em comparação com as mais velhas, cuja mentalidade vai, assim, se tornando obsoleta. Já é, e se-lo-á cada vez mais, uma atitude retrógrada e ultrapassada, a de censurar-se a homossexualidade.

Os indivíduos que preferem homens, como forma de realização afetiva, encontram neles a sua felicidade e o seu bem-estar psicológico, assim como outros preferem mulheres. Nada indica que a inclinação por mulheres seja preferível à por homens, ou seja, nenhum motivo relevante existe em favor de uma opção e contra a outra.
Ao contrário, o preconceito anti-homossexual é socialmente inútil e pessoalmente nocivo.

É socialmente inútil porque ele não traz nenhum benefício à sociedade. Traz benefício à sociedade o preconceito contrário, por exemplo, ao homicídio: é desejável que se conserve a vida dos indivíduos; é indesejável que o assassinato corresponda a uma prática corrente pois ela sofrimento naqueles para quem o morto era querido e porque a destruição do indivíduo útil representa prejuízo social. Ora, estas condições de utilidade coletiva não se apresentam no anti-homossexualismo: reprimi-lo e discriminá-lo em nada favorece nem os heteros. nem os próprios homos.; em nada a sociedade se prejudica com a aceitação do homos.

O preconceito anti-homos. é pessoalmente nocivo na medida em que inibe, impede, dificulta, constrange que certas pessoas realizem-se na sua natureza sexual e afetiva. Ele infelicita, em alguma proporção, quantos, sem ele, poderiam viver a sua própria natureza, fora de constrangimentos, do temor dos mexericos, do medo da discriminação.

O único argumento de utilidade social contrário à homossexualidade reside em que ele, de certa forma, tende a impedir a perpetuação da espécie, supondo-se que o homos. seja indiferente às relações sexuais com mulheres ou mesmo as aborreça, o que, a representar uma atitude generalizada, poderia resultar no decréscimo da população humana: ora, tal decréscimo, em si próprio, não é negativo; ainda que o fosse, o argumento não convenceria: se os homossexuais são responsáveis pela redução populacional, é igualmente verdadeiro que esse decréscimo compensa-se, e largamente, pela atividade reprodutora dos heteros. E quantos heteros há, prolíficos, sobretudo nas classes mais pobres!
A homossexualidade é natural porque acha-se na natureza, como já Pascal e Montaigne o perceberam; quem o demonizou, foi o cristianismo, com a sua obsessão anti-sexual: para o cristianismo, a forma ideal de sexualidade, corresponde á virgindade; o casamento corresponde a um mal menor que atenua o mal maior da necessidade sexual; a única sexualidade aceitável é a que, no casamento, destina-se, exclusivamente, á geração de filhos. Fora disto, só há pecado.
Dentro desta mentalidade altamente repressora e anti-natural, condenou-se a atividade sexual prévia ao matrimônio e, ainda mais, o homossexualismo, embora, na igreja católica, a homossexualidade fosse uma prática freqüente (nas Confissões de Rousseau há uma passagem em que um padre diz-lhe, ele rapazote de 17 anos: “Isto, meu filho, no seminário, é normal, e conforme fizer, nem dói…”) e embora ela própria, até o século XVII, desposasse homens com… homens.

A moral deve desprender-se de justificações sobrenaturais e portanto teológicas, ligadas à vontade divina e ao texto das escrituras, para fundar-se em motivos humanos, relativos à natureza humana e ao bem-estar das pessoas: se a homossexualidade corresponde a um dado da natureza, como de fato corresponde, a moral deve reconhecer este fato e amoldar-se a ele: fora com o preconceito.

E digo mais: o casamento monossexual (vulgarmente designado como casamento “gay”) corresponde a uma evolução nos costumes: se dois homens sentem-se bem um com o outro, se se acham unidos de amizade íntima e carinhosa, se querem partilhar os respectivos destinos, por que é que não podem desposar-se um ao outro ? A função do Estado é a de propiciar que quem deseje este tipo de união, possa desfrutar dela, assim como ele propicia que outras pessoas desfrutam dos casamentos bissexuais (homem x mulher). Quem não aceita esse tipo de união, não é obrigado a ele, como, de resto, ninguém é obrigado a casar-se; mas há quem o queira e a obrigação das pessoas, de todos, consiste em respeitar a liberdade e a opção do seu semelhante.

Quantos casamentos bissexuais (homem x mulher) há, infelizes, que duram tanto quanto o prazo de validade de um iogurte ? Outros, mantém-se como aparência, por conveniência, porque os cônjuges querem preservar o seu conforto material ou evitar os transtornos de uma separação, embora, de fato, ele haja fracassado, o que prova a falibilidade do casamento heterossexual. Dentro desta sua falibilidade, por que não se admitir o casamento mono, se ele pode corresponder à uma forma de realização afetiva e pessoal dos envolvidos?

Neste particular, acham-se na dianteira da civilização a Espanha, a Bélgica, a Inglaterra, que oficializaram o casamento monossexual, que tende a multiplicar-se enquanto instituição na legislação dos países e do ponto de vista numérico, nos que o adotarem. E ainda bem: o mundo, que é uma bola e anda sempre a girar, vai evoluindo no sentido de mais naturalidade, mais liberdade, mais sinceridade, mais afetividade, mais felicidade.

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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