Matou por quê? Por que matou?

Redação Lado A 05 de Junho, 2007 03h15m

COMPARTILHAR


Quando eu era pequeno e ainda não sabia o que queria da vida, ou tinha certeza de nenhum dos mil sentimentos que ainda amadureciam, eu cantava a música de Gonzaguinha a plenos pulmões: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz”, dizia. Esta parte é seguida pela afirmação de que seríamos eternos aprendizes nessa vida. A música também começa de maneira genial “Eu fico com a pureza da resposta das crianças: é bonita, é bonita e é bonita…”


“Viver e não ter a vergonha de ser feliz” – foi assim que eu decidi, em minha vida, não me esconder. Desde que assumi a minha homossexualidade para meus pais, um dia depois de ter confirmado para mim mesmo, há quase uma década, tenho como prerrogativa que não devemos nos esconder quando o que fazemos não é um crime e não prejudica ninguém. Não devemos deixar que outras pessoas decidam sobre a nossa felicidade. Ponto.


“A beleza de ser um eterno aprendiz” – Cada novo dia é uma oportunidade de começar de novo. Para muitos animais, cada dia é um desafio de sobrevivência. O homem transformou dias em semanas, meses e anos. Hoje, nós mantemos nossos olhos no futuro e esquecemos que todo dia é um novo dia e podemos aprender coisas novas, mudar nosso ponto de vista, começar de novo. Por isso, é tempo de tentar vencer os medos, barreiras, preconceitos. Todos os dias. Não se trata de uma guerra e sim da vida.


E a inocência das crianças? Quais crianças? Cada vez mais cedo eles amadurecem, cada vez mais novas precisam lidar com o nosso mundo adulto egoísta. Criança de classe média alta tem depressão se não ganhar o celular da moda. Meninas usam salto agulha e meninos andam com camisinha na carteira sem dinheiro. Tem um caso desta semana que mostra muito bem onde chegamos e ainda de quebra ajuda a mostrar o que o preconceito é capaz de fazer.


Matou porque foi chamado de ‘bichinha’
 
Na noite de terça-feira, 29/05, dois meninos de 12 anos de idade foram assassinados após se desentenderem com um rapaz a quem chamaram de “bichinha” e “frutinha”. Um dos assassinos seria um garoto de 13 anos de idade. O crime aconteceu em Cariacica, Espírito Santo, e a polícia já deteve três suspeitos do crime. O motivo irrelevante e as idades dos envolvidos chamaram a atenção da polícia. Os meninos que foram mortos com pauladas e pedradas em uma mata próximo a residência deles. A população chegou a invadir a casa de um dos suspeito e a atear fogo em objetos retirados do local e obstruir a rua em frente, clamando por justiça. A polícia acredita que um outro menor, de 16 anos de idade esteja envolvido com o crime, que consideram ser impossível de ser cometido por uma só pessoa.


O rapaz de 16 é homossexual e a amizade com o principal suspeito foi a razão dos xingamentos proferidos pelas vítimas contra o rapaz que teria se ofendido e praticado o crime. O curioso no caso é que o jovem de 13 anos teria passagem pela polícia por aliciar menores para prática de sexo com outros homens. Os suspeitos foram transferidos para Vitória a fim de evitar o linchamento pela população. Eles foram detidos na casa do rapaz de 16 anos de idade.  Provas com material genético foram encontradas no meio da mata e uma testemunha afirma que viu um dos suspeitos usar as mesmas roupas no dia do crime.


Não é preciso dizer muita coisa. Crianças estão matando em nome de um preconceito. Aos 12 anos de idade as crianças já perderam a sua inocência. No caso destes, a vida. E a sexualidade, que deveria estar despertando, é o motivo do crime. Verdade ou mentira, o fato é que matou porque foi chamado de homossexual. Que xingamento é esse capaz de fazer com que jovens homens se matem ou que um suposto homossexual mate para negar aquilo que é? Claro, estamos falando de crianças. Mas isso é reflexo do macro mundo adulto que é covarde, como um garotinho de 6 anos que queima uma formiga com uma lupa para se divertir e os pais acham “normal”.


Precisamos ter mais responsabilidade, modelos e, sobretudo, coragem de enfrentar a realidade. A sociedade não pode combater sua própria carne, pois essa nova cruzada moral quer combater algo que está a mais tempo no mundo do que a própria civilização. Drogas, homossexualidade, prostituição, adultério… são tabus apenas no discurso, porque na prática, fazem parte da história da humanidade. É preciso encarar isso. E viva a diferença.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

COMPARTILHAR


COMENTÁRIOS