Viva a sua realidade

O tema para este texto veio de uma conversa com meu melhor amigo, quando discutíamos um documentário de auto-ajuda que assistimos. O filme, chamado “O Segredo”, conta como é possível atingir a realização pessoal por meio do pensamento positivo, além de outras técnicas para atrair o que se deseja. Segundo o filme, a maioria das pessoas faz o contrário, por isso, jamais estão satisfeitas com suas vidas.

Um exemplo dado no filme, seria mentalizar a chegada de cheques ao invés de contas pelos correios. Segundo um dos personagens, ele fez isso e começou a vir mais cheques, enquanto as pessoas sempre mentalizam a chegada de contas, que realmente vêm.

Argumentei que tal teoria era furada, pois não se aplicaria a todas as pessoas. Falei que um mendigo não sairia de seu espaço abaixo da linha de pobreza com a força do pensamento ou atitudes positivas apenas. Que o sertanejo não teria chuva se ficasse mentalizando a chuva … Cheguei a usar o seguinte argumento: essa idealização é mais uma ferramenta de fé, de manipulação, pois se você não alcançar o que quer, é sinônimo de que não mentalizou forte o suficiente. Assim como nos jogos de azar, ninguém comenta as derrotas, e apenas as vitórias. O segredo era o velho golpe das religiões: um dito milagre que apaga as milhares de mortes “não milagrosas”.

O mais surpreendente veio quando esse meu amigo disse: “Claro que este ensinamento não serve para qualquer um. Ele foi feito para a “Minha Realidade”. E eu falei: “A sua realidade?” e ele repetiu que sim, a realidade dele, e me falou que a realidade dele era diferente da do sertanejo, da realidade do mendigo do parágrafo anterior, pobre coitados, condenados ao esquecimento da história.

A reviravolta veio quando, no dia seguinte, esse meu amigo foi assaltado. O ladrão mostrou a arma quando ele estava entrando no carro, no Centro da cidade. Afirmou que se ele fosse à polícia, iria atrás dele. Meu amigo afirmou que achou que levaria um tiro, pois estava com pouco dinheiro na carteira. Ficou alguns minutos em choque…

Pois eu o questionei que a realidade dele não era assim tão distante, que a realidade dele não era à parte da realidade dos outros. São momentos assim que nos colocam no mesmo nível dos outros seres com quem dividimos a contemporaneidade, que nos trazem os medos primários e nos botam a pensar se vale a pena se achar superior em algum momento. No fim, somos todos iguais e de nada adianta tentar se esconder. A Sua Realidade não existe. Por mais que tenhamos a vontade de fugir da realidade e criamos mundos paralelos, a realidade é uma só, por mais dolorosa que ela seja. É preciso viver e pensar a realidade para não se tornar um mito, aqueles seres imaginários que povoam a realidade, embora não façam parte dela. É preciso ser real e abolir as ditas verdades ou mesmos os segredos.

Sendo assim, deixe o seu carro na garagem e dê uma volta de ônibus (Você sabia que os nossos ônibus bi-articulados agora têm música clássica?). Observe a sua vizinhança, ande pela Rua XV, adapte-se ao mundo ao seu redor. Fuja da sua bolha de vidro, que você chama de sua realidade, mas que na verdade não passa de um aquário. Procure conhecer pessoas de fora do seu círculo social, procure ser espontâneo, ser você mesmo. Descubra as suas próprias conclusões sobre todos os assuntos. Aprenda a defender suas idéias e a compartilhar suas conquistas. Procure viver, de verdade.