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Transexualismo (Parte 2 de 4) – O preconceito, a recusa, o medo, a vitória

Redação Lado A 10 de Agosto, 2007 14h45m

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Nesta segunda parte, quero discutir o preconceito sofrido pelas transexuais. Preconceito este que é gerado pela ignorância de não se saber o que é uma transexual. A recusa que surge por confusão, pois muitas são confundidas com mulheres, o medo de assumir um relacionamento com uma transexual, o que acontece com uma grande maioria de homens e a vitória de conseguir se destacar em uma sociedade preconceituosa e muitas vezes violenta.


Novamente: tudo o que uma transexual quer é ser vista como “normal”. Quero dizer, da forma de normalidade imposta pela sociedade. Não quer ser vista como alguém especial, alguém diferente, como fonte de curiosidade, como forma de fantasia. Ela quer ser uma mulher. Quer ser respeitada e amada como tal. Querem viver as fantasias femininas, os sonhos, as paixões. Quer participar da vida e da sociedade da forma que lhe é prazerosa e não como lhe é imposto.


Mas aí entra o preconceito, como enfrentar desta forma uma sociedade cheia de pré-conceitos, que se desenvolve por anos? Como por experiência própria, posso afirmar que o pior preconceito é aquele que vem de casa, o da família. È difícil para algumas famílias conceber a idéia de que um membro é “diferente”. Esta visão preconceituosa se dá, muitas vezes, pelo medo de se ter alguém querido exposto à violência que a sociedade apresenta. Mas é valido citar que há, também, a aversão vinda dos pais em relação ao diferente, de sentirem que erraram em alguma parte da criação.


Quando se trata de preconceito de outrem, não de familiares, talvez seja mais fácil de lidar. O problema é se o preconceito vem de alguém pelo qual nos interessamos, isto é, pessoas por quem nos apaixonamos. Aí vem a questão da recusa. Há três simples possibilidades. Normalmente se deixa claro, de princípio, que é o que é, para a pessoa saber onde está entrando, isto é, explica-se que é transexual desde o princípio, se não for muito perceptível. Esta forma é a mais aconselhada. Assim, desde o começo já se evita frustrações futuras. Outra forma é mostrar como você é, como é a pessoa, independente do sexo, e depois de tudo isso, mostrar que, mesmo sendo “diferente”, esta diferença está só no sexo. Opção meio perigosa, pois a sensação de confusão e decepção por parte do interessado pode ser grande e, algumas vezes, violenta. A terceira, talvez não tão nobre, é fugir. Simplesmente engolir a seco o sentimento e fugir. Poupam-se os dois lados. Mas pode-se perder uma grande oportunidade. Na verdade, se me perguntarem qual a mais certa, não saberia responder.


Mas, por ver a cena, que muitas vezes ocorre comigo mesma, já dá para imaginar. Ter alguém que se atrai pela sua beleza, pelos seus encantos, pelo seu intelecto. Esta pessoa realmente se interessa, vai atrás de você onde estiver, te admira. Isto tudo porque conhece o que você faz, a sua imagem, se envolve realmente. Mas pela proteção de não sair contando aos quatro ventos o que você é realmente (lembrem que não queremos ser diferentes, queremos apenas ser ‘normal’), esta pessoa não tem idéia do que realmente você é. Um dia você, depois de também se interessar, conta, e recebe uma recusa como resposta. Respostas como: “puxa, você é legal, inteligente, bonita, mas não acho que conseguiria”. A isto eu chamo de medo. Medo de assumir algo que sente.


Há muitos homens que sentem prazer por transexuais. Casados, solteiros, enrolados, mais novos, mais velhos, enfim, qualquer um sentiria. Se levarmos em consideração que o corpo é neutro ao prazer, isto é, a visão de prazer apenas de sexos diferentes é algo social, imposto pelo que ouvimos desde pequenos, isto é fácil de se explicar. Mas o fato é este medo de assumir o que sentem, seria bem mais fácil realmente mostrar a eles mesmos que não estão cometendo nenhum crime ao se envolverem com alguém que admiram e gostam. Uma transexual não quer se resumir aos momentos de prazer em um quarto e depois fazer de conta que nada aconteceu. Ela quer ser a namorada também. Quer ser a esposa. Assumir mais este espaço, além de muitos outros na sociedade. Não quero dizer que não haja esta possibilidade. Há sim. Então, um casamento de uma transexual é realmente uma vitória.


Mas a vitória não está só em casar, mas devemos concordar de que o fato de encontrar alguém que a ajude a passar por estas dificuldades é de grande valor na vida, pois as coisas ficam mais fáceis quando você ama e é amado. A vitória não se resume só ao casamento, obviamente, mas em assumir um papel de respeito perante os outros, de mostrar que somos boas em nossas áreas e que nossa diferença não nos coloca em um lugar inferior.


Há vários exemplos de transexuais extraordinárias que mostram seu lugar de destaque na sociedade, como a prefeita de Cambridge, Jenny Bailey, a belíssima Roberta Close, nossa querida e simpática Maite Schneider. São, sem sombra de dúvida, vitoriosas, mostrando seus valores e que são tão boas ou, se não, melhores que muitos em suas áreas.


Enfim, todo este preconceito, este medo, esta recusa, são elementos sem nenhum sentido, sem explicação. Tudo isto deixa espaço apenas para o destaque da vitória, pois o fato de estarmos no meio de todos, de muitas vezes não sermos notadas como diferentes, de sermos amadas e queridas por muitos amigos que temos, prova que já somos grandes vitoriosas, campeãs sem medalhas, recebendo apenas o troféu do respeito que, já era sem tempo, é nosso por direito.              

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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