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Platão nasceu na Grécia, em 427 antes de Cristo, viveu oitenta anos e escreveu inúmeras obras, sob forma dialogada, em que Sócrates corresponde, geralmente, ao principal interlocutor. No diálogo “O banquete”, Platão trata do amor, mediante os diálogos dos partícipes de uma ceia, que intervém sucessivamente, cada qual expondo a sua teoria a respeito. Assim, manifestam-se (pela ordem) Faidros, Pausânias, Erixímacos, Aristófanes, Agatão (o anfitrião), Sócrates e Alcebíades.
Resenho aqui os argumentos dos intervenientes relativos à homossexualidade, desiderato para o qual servi-me da tradução publicada em 1952, pela Companhia Espasa-Calpe, de Buenos Aires, na Coleção Austral. Há inúmeras traduções em português, publicadas no Brasil, pelo que, o leitor interessado facilmente acederá ao texto original.
A antigüidade grega, a que pertenceu Platão, caracterizava-se pelo politeísmo, crença em inúmeros deuses, a cada um atribuindo-se a responsabilidade por certos fenômenos, como o deus Amor, responsável pelo sentimento de afeição entre as pessoas; assinalava-se, ainda, pela bissexualidade masculina, em que aceitavam-se as relações sexuais de homens com mulheres e com homens, e pela pederastia, relacionamento entre o erastes e o erômenos: aquele, mais velho de 25 anos, procurava um moço de entre 12 e 15 anos (o erômenos), a quem, sob a aprovação dos respectivos pais, servia de amigo e educador até os seus 18 anos, quando a relação passava a ser de amizade, exclusivamente, sem conteúdo sexual que, de resto, não compreendia penetração anal e sim o coito interfemural (fricção do pênis entre as coxas, junto da genitália).
A assim chamada homossexualidade grega encarnava um costume altamente moral de finalidade educadora; a intimidade física entre o erastes e o erômenos verificava-se no âmbito de uma relação, antes de tudo, formadora do caráter do mais moço, em que o mais velho desempenhava um papel significativo na transmissão de valores. Nada disto se reproduziu nas demais sociedades, ao longo da história, e não se reproduz nas sociedades homofóbicas: longe de encarnar uma simples forma de satisfação genital, a pederastia grega encarnou uma elevada espécie de relacionamento humano que muitos autores verberaram por ignorarem o seu aspecto educador ou, mais provavelmente, por entenderem-no como licença institucionalizada à penetração anal (o que, na verdade, não o caracterizava).
Na Grécia antiga, a homossexualidade não equivalia ao que modernamente designa-se por este vocábulo: na atualidade, ele indica a atração de homens por homens e a sua conseqüência propriamente sexual, a penetração do pênis no reto, ao passo que na Grécia antiga a cópula homossexual considerava-se desprezível e somente se admitia entre um grego e um escravo, respectivamente nos papéis de ativo e passivo.
O advento do cristianismo provocou a censura da homossexulidade, o fim da pederastia grega, e a instauração da homofobia que por séculos vem caracterizando as sociedades ocidentais.
Autor da primeira fala do texto de Platão, Faidros, reputa o Amor como o mais antigo dos deuses e o que mais benefícios propicia aos homens, o mais apto para felicitar o ser humano e torná-lo virtuoso, durante a sua vida e após a sua morte, “pois, diz ele, não conheço vantagem maior para um jovem do que ter um amante virtuoso”. O Amor inspira o que é necessário para levar-se uma vida honrosa, a saber, a vergonha do mal e o desejo do bem: se um Estado ou um exército se compusessem apenas de amantes e de amados, não haveria povo que professasse tanto horror ao vício e apreciasse tanto a busca da virtude.
“Homens unidos assim, ainda que poucos, poderiam vencer aos demais”: nenhum deles desejaria ser observado pelo seu amante, em rendição ou em debandada; ao contrário, “preferiria morrer mil vezes a abandonar em perigo o seu bem-amado e deixá-lo sem auxílio”. Por isto, “unicamente os amantes são os que sabem morrer um pelo outro”, trate-se de homens ou de mulheres, como foi o caso de Aquiles, que defendeu Pátroclo, vingou-o à custa da própria vida e morreu-lhe sobre o corpo, abnegação pela qual os deuses tributaram-lhe mais honras do que a qualquer outro homem.
A seguir, Pausânias distingue dois tipos de amor, o popular e o celestial, dos quais o primeiro inspira baixezas, “reina entre os maus, que amam sem seleção tanto às mulheres quanto aos jovens, o corpo mais que a alma”, que aspiram unicamente “ao gozo sensual”, para cuja obtenção lhes são indiferentes os meios, contanto que obtenham os seus propósitos.
Por sua vez, o amor celestial inspira exclusivamente o amor aos homens, especificamente aos jovens, cuja inteligência principia a desenvolver-se, ou seja, os adolescentes. “O seu objeto não é o de aproveitar-se da imprudência de um jovem amigo e seduzi-lo para deixá-lo depois, e, rindo-se da sua vitória, correr em busca de outro qualquer; unem-se com o pensamento de não separarem-se mais e de passarem toda a vida com o que amam”.
Acerca das relações sexuais entre os amantes (masculinos), pondera que na Élida e na Beócia, “é bom conceder os seus favores a quem nos ama; a ninguém, jovem nem velho, isto parece mal”, enquanto na Jônia e nas regiões submetidas ao domínio dos bárbaros [os persas], tal costume reputa-se vergonhoso e proscrito, juntamente com a filosofia e a ginástica: “É porque os tiranos, indubitavelmente, não querem que entre os seus súditos surjam indivíduos de grande valor, nem amizades nem uniões vigorosas, que são as que forma o Amor”. Assim, “nos Estados em que se considera vergonhoso conceder os seus favores a quem nos ama, procede esta severidade da iniqüidade dos que a estabeleceram, da tirania dos governantes e da covardia dos governados”.
Já em Atenas, preferia-se amar às claras a fazê-lo à socapa, e aos homens virtuosos e generosos, ainda que menos bonitos; reputava-se belo conquistar-se o afeto do amante e humilhante não o obter, propósito para o qual admitiam-se todos os meios: súplicas, lágrimas, juras, baixezas, que em outras circunstâncias, seriam vexatórias, e que, no caso do amante, “quadram-lhe maravilhosamente”.
Todos, naquela cidade, achavam-se persuadidos de ser louvável “amar e ser amigo do amante”.
Não é honroso, prossegue Pausânias, concederem-se favores sexuais a um homem vicioso e por maus motivos, sendo-o, em contrapartida, fazê-lo por boas causas, a um homem praticante da virtude. É homem vicioso o amante que ama o corpo, de preferência à alma: “seu amor não poderá ser duradouro, pois ama algo que não dura”, “porém o amante de uma bela alma permanece fiel por toda a vida porque ama o que é duradouro”; por isto, os costumes induzem a que se examine a pessoa (nos seus caráter e comportamento), antes de comprometer-se com ela.
Também considerava-se decoroso um indivíduo servir sexualmente a quem o amava, retribuindo o primeiro, se desejasse adquirir conhecimento e instrução, ao segundo, se capaz, este, de infundir-lhe ciência e virtude. É honroso, destarte, amar, na busca do melhoramento pessoal, por meio da amizade, o que é “benéfico para os particulares e para os Estados e digno de ser o objeto dos seus principais estudos, pois obriga o amante e o amado a zelar por si próprios a fim de esforçarem-se por ser mutuamente virtuosos”.
Toma a palavra Aristófanes, que explica a origem da homossexualidade (masculina e feminina) e da heterossexualidade: havia, antanho, três tipos de seres humanos, dos quais, um correspondia aos homens; outro, às mulheres, e um terceiro, a uma criatura mista, masculina e feminina, denominada de andrógino.
Todos os humanos apresentavam-se como duplos, dotados de quatro braços, outro tanto de pernas e duas faces em uma só cabeça, até Júpiter desmembrá-los, transformando-os em criaturas singulares: a partir de então, cada metade procura a outra, que lhe corresponde; ao se encontrarem, copulam entre si, uma metade masculina com a feminina, ou duas masculinas ou duas femininas, o que originou, respectivamente, os heterossexuais, as tríbades e os gueis.
“Os homens procedentes da separação dos homens primitivos, buscam, de igual maneira, o sexo masculino. Enquanto são jovens amam aos homens, desfrutam dormindo com eles, com estar em seus braços e são os mais destacados dentre os adolescentes e os adultos, como se possuíssem uma natureza muito mais viril. Sem razão alguma, acusa-se-os de não terem pudor, e não é por falta de pudor que procedem assim; é porque possuem uma alma corajosa e valor e caráter viris, que buscam aos seus semelhantes, e a prova disto é que, com a idade, mostram-se mais aptos para o serviço do Estado do que os outros. Quando chegam à idade viril, amam, por sua vez, aos adolescentes e jovens, e se se casam e têm filhos, não é por seguir os impulsos da sua natureza, senão porque a lei constrange-os a tal. O que eles querem, é passar a vida em celibato, juntos uns dos outros”.
Quando um destes homens encontra outro, ou a sua metade, “a simpatia, a amizade e o amor” despontam em ambos, “de maravilhosa maneira”, sem que os prazeres voluptosos pareçam corresponder à causa disto.
Graças ao amor, prossegue Aristófanes, os homens e as mulheres serão felizes se encontrarem a sua metade e tornarem ao seu primitivo estado de união que, se correspondia ao melhor, o que mais se aproximar dele deve equivaler, necessariamente, também ao melhor.
Concluída a fala de Aristófanes, reúne-se Alcebíades ao grupo de comensais, para alarme de Sócrates, que bradou ao anfitrião: “Socorro, Agatão! O amor deste homem é-me um verdadeiro apuro. Desde que passei a amá-lo, não posso observar nem falar a nenhum outro jovem, sem que, por despeito ou zelos, entregue-se a excessos incríveis”.
Após enaltecer as qualidades de Sócrates, observa Alcebíades: “Vede o ardente interesse que Sócrates demonstra pelos belos mancebos e adolescentes e com que paixão busca por eles, e até que ponto eles o cativam”.
Supondo Alcebíades que Sócrates interessava-se pela sua beleza, acreditou que, cedendo-se-lhe sexualmente, ele comunicar-lhe-ia o seu conhecimento: tentou seduzi-lo em diversas circunstâncias, fracassadamente, até resolver expor-lhe os seus intuitos: “Penso que tu és o único amante digno de mim e parece-me que não te atreves a revelar-me os teus sentimentos. Da minha parte, posso assegurar-te que seria bem pouco razoável se não buscasse comprazê-lo nesta ocasião, como em qualquer outra em que pudesse ficar-lhe agradecido, por mim próprio, como por meus amigos. Não tenho maior empenho do que aperfeiçoar-me o quanto seja-me possível e não vejo ninguém cujo auxílio para isto possa ser-me mais proveitoso do que o teu.”
Respostou-lhe Sócrates, ponderando-lhe que trocariam valores desiguais, o da beleza física pela aquisição da sabedoria, após o que, Alcebíades apressou-se a abraçá-lo e passaram juntos a noite. A seguir, Sócrates desdenhou-lhe da beleza e insultou-a, o que originou queixas de Alcebíades, das quais, e dos abundantes elogios que formulou a Sócrates, resultou, da parte dos comensais, a impressão de que prosseguia enamorado dele.
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