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Proibido amar, permitido roubar

Redação Lado A 14 de Setembro, 2007 17h09m

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Para ler, repassar e pensar: Proibido amar, permitido roubar


Na tarde de 12 de setembro de 2007, o Senado Federal promoveu mais uma vez a consagração de um estado conivente com as falcatruas e com a corrupção em nosso país. Por 40 votos contra 35, em votação secreta realizada pelos senadores da República, foi arquivada a denúncia de quebra decoro parlamentar contra o presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros (foto), por usar dinheiro da empreiteira Mendes Júnior para o pagamento de pensão à jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha.
 
Não se tratou de um caso isolado, não se tratou de uma acusação sem provas. Um funcionário da tal empresa, uma das maiores construtoras do país, fazia pessoalmente o pagamento à mãe da criança, que confirmou o caso para uma Comissão Parlamentar de Inquérito, instaurada pelos parlamentares. Não foi por falta de provas, mas de vergonha na cara.


Foram mais de cinco meses de apurações e o país praticamente parou para presenciar mais uma pizza. Renan continua como presidente de uma casa que deveria representar o povo, dar exemplo de idoneidade, de carregar com orgulho as cores do país. A empreiteira continua a disputar e a ganhar licitações por todo o país e até mesmo fora dele. No mesmo prédio onde foi presenciada toda esta falácia, tramita desde 2001 um projeto que visa criminalizar atos preconceituosos contra homossexuais. Em suma, os mesmos deputados que absolveram Calheiros devem decidir se os homossexuais brasileiros devem ser protegidos pelo Estado, que não possui nenhum lei específica para os cidadãos homossexuais.


A votação foi secreta e o povo jamais saberá quem são os traidores, quem concedeu o indulto a mais um crime que, muito mais do que significar a existência do tráfico de influências no poder público, mostrou a todo o país que a corrupção está generalizada e é passível de perdão. O arquivamento das acusações comprovadas significa mais do que isso, significa a morte da esperança daqueles que ainda acreditavam na Justiça, na ética e nos senadores. Foi um tiro dado na própria cabeça, na consciência coletiva, no orgulho nacional, no pouco de idealismo que ainda agonizava. O Brasil inocente morreu.


O que esperar de um Senado que tapou os olhos para um mensalão particular, em um congresso que bóia sobre denúncias, CPIs, e incidentes que não pouparam nem os últimos presidentes do Senado e da Câmara de deputados? Não se pode esperar nada. Nos últimos 6 anos, as duas casas permaneceram paradas no tempo, decidindo denúncias internas, realizando CPIs que terminaram como começaram: em nada. Se formos ver, desde o Impeachment do Presidente Collor, o Congresso Nacional não entrou nas manchetes da mídia para nada, a não ser para cortar a própria carne e participar de disputas partidárias, se é que o próprio Impeachment não representou isso.


Não podemos esperar que os Senadores, que trocam sopapos com os seguranças da casa antes da votação que inocentou Calheiros, tenham sensibilidade para aprovar a lei que irá dar mais dignidade aos homossexuais brasileiros. Não podemos esperar que homens que digladiam e usam os termos ‘viado’ e ‘boneca’ para ofenderem os adversários sejam aptos a decidir o futuro de mais uma geração de jovens homossexuais que esperam por mais segurança e respeito. Não podemos esperar desta casa, que tem cruzes e imagens de santos em seu interior, que combata o preconceito propagado por igrejas que compram meios de comunicação e ganham concessões públicas para difundir o ódio e a intolerância.


Não podemos esperar nada. Mas já dizia a música do tempo em que a democracia era um ideal, que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Chegou a hora dos gays fazerem o que sabem de melhor: marchar. Hora de realizarmos paradas grandiosas como as que têm sido feitas no mês de orgulho gay para reunir a população que ainda acredita em um estado laico, honesto e responsável. Tão importante quanto termos a nossa dignidade reconhecida, é mostrarmos dignidade em um momento como este.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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