Opiniões de uma pessoa temporariamente estressada

Redação Lado A 26 de Outubro, 2007 19h04m

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Cidade estranha


Na manhã da véspera do feriado, eu estava saindo de casa, feliz e contente, levar o meu Vaporetto para o conserto, próximo a minha casa, no Champagnat. Quando me ponho à beira da rua, pronto para atravessar, da janela de um Gol bege ouço: “Viado”! Tudo bem que um cara de quase dois metros, com uma máquina vermelha debaixo do braço, de óculos escuros e boné deve chamar bastante atenção. Mas o que eu fiz pro animal que anda de carona com outro macho vir me chamar de viado?


 


Na hora tentei olhar a placa, não consegui. Pensei em pegar o meu carro e ir tirar satisfação. Me arrependi de não ter jogado o Vaporetto na traseira do carro ou retrucado. Mas depois eu pensei: Viado, sou mesmo, e daí? Mas mesmo assim fiquei indignado com a “agressão” me deixou para baixo nas próximas 2 horas. Queria ter xingado a mãe dele… então vai o recado por aqui! ¨%¨@#¨&*%#¨#%!


 


Percebi que eu reagi mal por nada, afinal, sou homossexual mesmo. Mas isso não dá o direito de ninguém vir fazer sanção de falso moralismo para cima de mim. Se tivéssemos a tal lei contra discriminação, que deve ir em breve a votação na Câmara dos Deputados Federais, eu processaria sem pestanejar, mesmo sendo a mais pura verdade.


 


Não se pode dizer que o negro é negro, que a gorda é gorda, ainda mais na frente da pessoa. Mas por que isso? Se não há problema algum em ser diferente, por que as pessoas se ofendem? Acredito que a tal educação nos ensinou a não nos aceitarmos, como forma de auto-negação, de barrar o crescimento de culturas diferentes do homem branco católico heterossexual e rico. Assim como a sociedade ensinou àquele maldito playboy a se achar superior, enquanto ele é o verdadeiro fracasso. Isso o faz sentir melhor, pois seu “inferno são os outros”. Mesmo assim, ainda acho que tenho o direito de exigir respeito, de que me chamem de gay e não de viado, já que o termo tem carga negativa.


 


Suzane von Richthofen


A Rede Globo já julgou, condenou e tirou todas as chances de ela ter um julgamento justo. Todo mundo sabe que a menina estava sendo instruída por advogados. Todo mundo sabe que políticos, empresários e pessoas importantes se preparam com profissionais de comunicação antes de encarar jornalistas. Qual a novidade nisso? Nenhuma. Se eu fosse do corpo de defesa desta menina também a prepararia. O advogado está lá para defender, mesmo que a pessoa seja culpada. O que me assusta é a OAB entrar na parada e dizer que isso não é prática comum…


 


O que a reportagem da Globo fez foi deduzir que houve má fé na instrução dos advogados. Alegar que ela não chorou, mesmo sendo instruída, era prova de sua frieza (e de desobediência então). A Rede Globo passou dos limites ao fazer análises sobre o caso, ao dar sua opinião irresponsável, que acabou por condenar a menina para o inferno popular eterno. Quantos pais matam filhos por ano? O caso é assombroso, concordo, mas tem tanta coisa pior no Brasil…


 


 


Verdade seja insinuada


Na abertura da reportagem foi dito que foram 9 meses para conseguir a tal entrevista. Que era uma matéria exclusiva, que só a Rede Globo tinha. B-A-L-E-L-A. A Veja soltou no mesmo dia uma capa com a Suzane, com as mesmas roupas, opiniões e estratégias mostradas na Globo, inclusive teve acesso antes à menina. A diferença foi que a Veja não afirmou nada, apenas indicou que tudo não passaria de estratégias de advogados e nem tratou o fato como um crime. Se eu fosse irresponsável como a Globo, de fazer análises frias, alegaria que ela se sentiu traída, pois prometeram exclusividade. A final, foram chamadas para a matéria o dia inteiro, em todo o final de semana, dizendo que era uma matéria exclusiva, que só a Globo chegou até Suzane.


 


O que sobra de tudo isso?


Nossa educação está errada. Nossa maior Rede de Televisão é irresponsável, vingativa, a mais tradicional entidade de classe não defendem os seus. Ainda estou irritado com o babaca que me chamou de viado “gratuitamente” na rua e ainda não sei como reagir da próxima vez… talvez eu ande com uma placa: “Sou viado sim, e daí… pior você que é corno!”… Boa Páscoa.


PS: Na mesma tarde, eu saí de carro para levar a minha empregada ao terminal e fui cortado 3 vezes. Na quarta eu comecei a berrar com a senhora que me cortou – tadinha – e ela ainda teve a pachorra de dizer que ela era idosa, que eu devia educação… óbvio que ela me cortou no trânsito e nem era idosa, depois de uma risadinha cínica, ela deu uma acelerada e saiu cortando pela direita outros carros… Meu inferno astral começou, e disseram que nos 3 dias de Páscoa, com a morte de cristo, não tem proteção… será? Seja o que Deus quiser…

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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