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Um convite à Intolerância

Redação Lado A 13 de Novembro, 2007 05h02m

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Desde o meu primeiro dia de aula, na Universidade Tuiuti do Paraná, abri minha sexualidade a todos os meus amigos de classe, na primeira oportunidade, que foi aquele famoso “o que você faz da vida”… Saí dizendo que eu coordenava um projeto de prevenção de dsts e aids, em um grupo gay. Não precisou muito e as pessoas entenderam que eu era uma pessoa que me posicionava a respeito da questão da minha sexualidade, que não tolerava brincadeiras ou preconceitos avulsos contra homossexuais. O meu posicionamento sempre foi xiita, chegando a repreender comentários errados ou fora de contexto até de professores. Com certeza ensinei bastante sobre o tema e claro, aprendi muito também.


Em alguns momentos, os meus comentários foram temas de risadas, outros de preocupações, pois eu bati muito na mesma tecla como forma de me reafirmar. Todos os meus trabalhos, sempre que possível, foram sobre o tema. Foram quatro anos maravilhosos, com alguns pontos que eu acredito em que eu poderia ter sido mais incisivo, e outros em que eu poderia ter abrandado. Foram anos universitários, típicos no quesito turma e amizades, atípico no quesito sexo, já que me mantive monogâmico por todos estes anos.


Se algum momento eu me aborreci quanto a ser um universitário homossexual foi com a própria instituição, quando um importante prêmio que ganhei, o único primeiro lugar em 2007 no Prêmio Sangue Novo conquistado pela Universidade, não foi divulgado como sempre acontecia. Fiquei algumas semanas pensando se a razão era o fato de eu ou o trabalho vencedor ser fora dos padrões. Também me estressei muito ao saber que dentro da Universidade há muito preconceito por se tratar de uma estrutura administrada e regida por militares. Mas nada me tirou mais o sono que a minha última surpresa, o convite de formatura elaborado pelas duas turmas que se formarão no final deste ano em publicidade e propaganda e jornalismo.


As figuras a serem utilizadas no convite vieram por e-mail há cerca de dois meses. Bonequinhos, em traços simples de quadrinhos ilustram todo o convite. Um deles, me chamou a atenção: dois bonequinhos, um de cada sexo, sonham com um abraço. Cada um identificado com as iniciais dos cursos dos formandos. Um coração arrebata o desenho que repudiei na hora. Expliquei que tal desenho era uma declaração de heteronormatividade, que eu não havia gostado dos traços, assim como outras pessoas.


O pessoal se reuniu, acreditando que levariam em consideração as opiniões expressadas pela internet, deixei de ir nas tais reuniões. A minha surpresa foi quando o material, já pré-aprovado, reapareceu idêntico ao que eu contestara. Sim, eles continuavam lá, se amando, na capa do convite. Ora, mandei um e-mail ameaçando sair e processar a comissão, já que, por ser homossexual, não queria na capa de meu convite um casal de bonequinhos sonhando um com o outro.


Depois de vários e-mails, um deles inclusive provocativo, chego à conclusão que não é possível conviver com pessoas que não entendem que um convite de formatura pode ser sim propaganda que reforça preconceitos. Note que nenhum dos tais bonecos é de cor ou foge ao padrão. Todos iguais… como dita a sociedade. E ainda tem aquela tradicional homenagem a Deus. Se ele é importante, deveria ser o paraninfo, e gostaria muito de apertar a sua mão, inclusive. Eu creio em Deus, mas acho que os ateus deveriam ser respeitados. Infelizmente, não poderei abandonar a formatura por ela representar muito para os meus pais, bem como o meu diploma universitário, razão de eu ter insistido em chegar até aqui.


Foram quatro anos de faculdade para perceber que o diploma universitário não traz nenhuma consciência coletiva às pessoas. Inclusive cheguei a ler no meio das discussões que democracia era o que “a maioria decide”. Sinto pena dos milhares de profissionais que se formam todos os anos nas Universidades brasileiras e mais ainda de quem depende deles. Esses poucos e-mails trocados, mais por pirraça do que por esperança de que algo fosse feito (apareceu a velha desculpa da falta de tempo e a existência de outras prioridades), mostram que opinar e expressar seus pontos de vistas pode encontrar dificuldades catalépticas, mesmo no meio dito acadêmico.

No fim, depois de eu haver decidido engolir tudo o que falei e aceitar ficar com tal convite e gastar em dobro para fazer outro que me agradasse mais, sou hostilizado por outro estudante da turma de Propaganda com frases do tipo: “Infeliz é você por ter nascido” (sendo que em momento algum o chamei de infeliz) e “Você é um ser que merece desprezo, eu tenho pena de você”. Depois, alguns amigos de turma me defenderam e outros pediram para encerrarmos a discussão em lista coletiva. Antes, meus colegas de turma incitam que eu deveria processar tal estudante homofóbico. Daí, ele me chama de ignorante, diz que não há lei que diga que o que ele fez é crime e ainda diz que se eu for registrar um B.O., o delegado irá rir da minha cara. “A não ser que você conheça algum deputado, que faça tal lei, mas o meu neto responde um dia por mim”… zombou sobre a falta de uma lei que criminalize a homofobia.

Acho que alguém falou para ele que eu realmente tinha amigos deputados, entre outras coisas, e que ele iria se ferrar, pois depois a discussão encerrou no mesmo dia. Resumindo:vou processar tal rapaz (minha amiga advogada fez questão de pegar o caso) e ainda devo questionar a omissão do prêmio por parte da Universidade.

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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