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Alameda

Redação Lado A 17 de Dezembro, 2007 18h30m

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Quando ele desceu as escadas, avistou faróis clareando a noite na
contramão da alameda, era o inicio de uma noite de excessos. Naquela
sexta já tão obscura nada parecia mudar.


Após terminar o expediente ele havia saído à rua quase ao mesmo tempo em que um jovem descia os degraus do Colégio Estadual. O primeiro chegou a um hotelzinho underground, no cruzamento da Alameda Cabral com uma viela qualquer. Alguns mendigos bêbados repousavam pelo caminho. O garoto chegou ao hotel e procurou pelo outro na recepção, onde se encontrariam.


As duas figuras masculinas se entreolharam na entrada do quarto: estavam amarrotados, roupa solta e calçados empoeirados pela caminhada. O homem de terno, ao desfazer a gravata, livrou o pescoço do sufocante nó. O menino, de cabelos bem claros, possuía um ar de satisfação intensa no rosto límpido e claro, tão branco quanto um floco de neve. Era simplesmente impossível calcular a diferença de idades entre eles naquele momento. Só não sabiam que a vida iniciaria uma nova fase para ambos.


Algumas sirenes soaram na rua como se anunciassem à tarde que se acabava: somente um novo fim de semana sem grandes novidades começando, no correr de uma vida entediada. Os dois se entrelaçavam pelo cômodo, esqueciam-se de lugares, perdiam-se na imaginação. Amantes. Mas algo os jogava de volta a realidade estranha.


Despediram-se descendo as escadas. O mais velho foi na frente e quando já avistava a praça, percebeu passos a segui-lo, o garoto se aproximou e ambos andaram em silêncio, enquanto as luzes se intensificavam na alameda e os edifícios se acendiam.


– Aonde vamos? O menino estava sem fôlego por ter acompanhado os rápidos passos do homem de terno.


– Você, eu não sei.


O pequeno parou e com um olhar vago tentou voltar pelo caminho. Como se uma força maior o impelisse, ele voltou a se aproximar do homem de passos rápidos e firmes. Não havia mais olhares cruzados, nem mais brilho em suas almas. Um carregava a maleta, o outro a mochila, pesarosa sobre o ombro esquerdo, os dois tinham a mão direita solta. O executivo diminuiu o passo.


– Vai me seguir?


Não houve resposta. O estudante apenas fitava a calçada e permanecia ao seu lado. Parecia tentar se abaixar para não ser notado, mas mantinha-se em pé, olhando as faixas da rua e caminhando lentamente, fazendo crer que toda aquela caminhada tivesse um objetivo solene.

Levantando os olhos para o engravatado que agora acompanhava o ritmo lento de seu andar, pensou ver um futuro e não conteve as palavras.

– Você bem que podia ficar só comigo. Larga ela.


Mais uma vez duas figuras masculinas paravam na calçada. Um de frente para o outro. Desse modo ficaram por um tempo, parados como duas estatuas de metal, eles inundavam as redondezas de seriedade. Quem os visse nesse momento poderia pensar em possibilidades horrendas. Quando os lábios do homem mais velho se abriram, sua voz saiu trêmula e incompleta.


– Você está louco?


– Eu só pensei que…


– Ah, então agora você pensa!


Os olhos do menino se iluminaram pelas lágrimas que teimavam em tentar escapar por seu rosto. Suas mãos tremiam. O som dos passos do outro seguindo caminho pela calçada invadia seus ouvidos como marteladas. Sua voz alcançou apenas um último grito, uma última súplica.

– Ao menos diga que me ama!


Seu grito, seus olhos, os passos, tudo se perdeu no som das vozes
noturnas da alameda. A vida seguiu seu rumo sem atropelos.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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