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Nosso Castelo

Redação Lado A 17 de Dezembro, 2007 18h31m

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Eu tinha acabado de chegar a casa, passei pela sala onde alguns copos vazios descansavam sobre a pequena mesa de centro e fui de encontro ao quarto vazio. Era o primeiro dia de nossa tentativa desesperada. Havíamos entrado em acordo de abrir a relação. Já nos primeiros minutos dessa nova realidade, cambaleei nas bases.


Restava-me esperar resignadamente o seu retorno. O combinado era que poderíamos os dois nos divertir a vontade nas noites das quartas, mas eu não consegui fazer a minha estréia. Dei alguns telefonemas a amigos próximos tentando localizá-lo. Ninguém sabia do seu paradeiro. Provavelmente deveria ter ido a algum bar, ainda era cedo para balada. Paciência sempre fora meu ponto forte, então decidi tomar um banho e me entreter assistindo alguma bobagem televisiva. Mas para minha própria surpresa, a ansiedade me dominava. Era estranho imaginá-lo com outro.


Cansado de esperar, resolvi dar uma busca na redondeza. Procurei pelos bares próximos, mas não o encontrei. Era minha última esperança. Sabia que se o encontrasse por ali, teria certeza de sua desistência do nosso acordo. Ele não teria coragem de se encontrar com outro homem naqueles pontos héteros que o agradavam tanto. Sempre buscava discrição quando estava pelas vizinhanças do nosso prédio. Meu coração disparou quando voltei ao apartamento e o encontrei na cozinha procurando alguma besteira na geladeira. Recuperando-me do espanto tentei agir de forma natural.


– Está esperando há muito tempo?


– Não, acabei de chegar.


– Que bom – respondi, sem deixar transparecer minha insegurança.


– Então vamos fazer logo alguma coisa para comer.


Eu imaginei naquele momento que a pressa dele, em se ver livre da fome, fosse para poder sair e curtir a noite que ainda começava a ferver. Foi um pensamento em falso que transpareceu no meu rosto. Ele percebeu minha fragilidade e reagiu de forma sutil. Nosso pequeno jantar transcorreu entre sorrisos e olhares. Foi perfeito. Perguntei se gostaria de sair ou ficar comigo naquela noite.


– Só nós dois – ele disse, rindo.


Estava suavemente bêbado na noite quente. Havíamos aberto nosso melhor vinho.


– Achei que fosse fazer um pouquinho de frio essa noite.


Aumentei a potência do ar-condicionado. Fomos para o quarto. Já não conseguia mais entender o que se passava. Eu estava radiante por dentro, mas tudo me dava impressão de uma felicidade artificial. Como um sonho inacabado. Ele se estirou em cima dos lençóis e, com a cabeça levemente inclinada, cochilou.


Com medo da curta duração daquele momento de felicidade infinita, eu cruzei o corredor e me refugiei na sala. Com o olhar perdido e a minha mente divagando entre idéias absurdas me afundei no sofá. Meus olhos não mais resistiram, derramaram todos os meus medos através de límpidas lágrimas que cruzaram o meu rosto e alcançaram minha camisa. Nem eu mesmo pude entender aquela situação. O erro era único e exclusivamente meu. Não tinha o direito de quebrar nosso pacto de eterna lealdade. Era como se eu o estivesse castigando, submetendo-o aos meus caprichos pueris.


Quando guiei meu olhar à porta do corredor, vi seus olhos. Ele estava de pé me encarando com um brilho de alma perdida nas pupilas. Aproximou-se de mim e com seus lábios quase tocando minhas orelhas sussurrou:


– Eu te perdôo

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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