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Os enrustidos

Redação Lado A 12 de Fevereiro, 2008 12h41m

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Eles são gays, não tocam muito no assunto e inventam mil mentiras. Sentem um certo medo ou vergonha de serem homossexuais. Alguns são bissexuais mas gostam é de homem, outros, dizem ser uma fase. No meio gay, comenta-se que eles estão “se descobrindo”. Muitos acabam se casando com mulheres e continuam com vida dupla. Bem-vindo ao confuso mundo dos enrustidos.


Eles não namoram com homens, apenas fazem sexo. Outros evitam beijos ou posições mais “passivas”. Alguns se soltam mais na cama. Chamam o parceiro de “brother” ou outro apelido macho. Chegam a ter crises de existência, ficam meses sem ficar com outros caras, ou se tornam agressivos no sexo e nas relações com homossexuais. A maioria prefere parceiros na mesma situação, ou mesmo casados: eles imploram por discrição.


O motivo pode ser a pressão que a sociedade exerce e esses indivíduos não querem virar o que aprenderam a condenar. Mas gostam do fruto. Outros têm a necessidade de manterem-se longe do rótulo gay por questões familiares ou mesmo por causa do trabalho. Mas fazem sexo com pessoas do mesmo sexo, abdicam ao direito de terem uma relação homoafetiva ou pensar em um dia ficar com uma pessoa que gostam. Eles raramente dizem eu te amo. Mas gozam pra valer.


Para tanto, alguns chegam a evitar beijar, fazer sexo oral, usar nomes e apelidos carinhosos, ter contato contínuo ou mesmo fazer posições passivas. Tudo para tentar preservar o macho idealizado como heterossexual. Alguns chamam o parceiro por nomes femininos, evitam tocar na genitália igual a sua, têm nojo do sêmen alheio. Nem Freud explica, mas o tempo revela.


Muitos enrustidos passam a vida inteira fugindo deste desejo que identificam como maldito mas que aprendem a lidar com ele da melhor forma, individualmente falando, possível. Muitos apelam para casamentos de fachada, outros para sexo pago ou casual. Para outros, a grande maioria, representa uma fase de auto-conhecimento, que termina em auto-aceitação, quando se descobrem realmente hétero ou homo.


Infelizmente, muitos dos enrustidos, em razão da hipocrisia da nossa sociedade, passam a mentir, enganando seus cônjuges e proles, ou, quando solteiros, inventando transas com mulheres inexistentes, se auto-afirmando heterossexuais ou bissexuais, como forma de fugir da alcunha que ser gay significa.


No senso comum, a imagem do homossexual é ser afeminado e acaba no travestismo. Como essas pessoas não imaginam ser possível ser homossexual e feliz, ainda mais para aqueles que convivem com o preconceito em suas casas e ambientes que freqüentam, é compreensível este medo de ser e se sentir gay.


Essas pessoas acabam gastando força vital e produtividade inventando histórias e desculpas para o círculo social heterossexual que freqüentam e deixam de viver uma experiência maravilhosa que é a liberdade de ser você mesmo. Alguns levam numa boa mas a maioria vive em estresse, com medo de ser descoberto. Acostumados a vestir máscaras que a sociedade obriga todos a usarem, esta acaba sendo apenas mais uma.
Felizmente, o ser humano tem a chance de reavaliar, todos os dias, as decisões que tomou em sua vida. E todos os gays assumidos que estão por aí foram enrustidos, lutaram contra os fantasmas prós e contra da saída do armário. Como se pode ver, não é tão difícil assim, é um processo que é importante e crucial. É preciso paciência e, mais do que tudo, coragem. É preciso ser muito macho.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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