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Barigui sitiado

Redação Lado A 25 de Março, 2008 10h03m

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Apartheid social
Não precisa ir muito longe para se ver que temos sérios problemas morais quando falamos nas diferenças entre classes sociais no Brasil. Em um passeio dominical pelo Parque Barigui, é possível observar o que acontece quando as pessoas saem de seus lugares ditos apropriados e invadem o espaço que não lhes pertence, segundo os muros invisíveis que existem em todas as cidades e dividem os bairros nobres e os subúrbios.


Há alguns anos, denunciei que o Shopping Park Barigui havia fechado uma das entradas para pedestres, aquela que fica próxima ao parque, pois uma multidão saía dali após um show gratuito promovido pela prefeitura com a dupla Sandy & Junior em comemoração ao aniversário da cidade. A cena se repete. Pobre não tem direito de ir e vir.


Com a passagem de ônibus por um real aos domingos em Curitiba, digamos que, principalmente, os jovens de classes menos favorecidas podem passear pela cidade e têm oportunidade de se divertirem mais. Transformaram o decadente Parque Barigui, que fica no bairro onde moro, em ponto de encontro dominical, reunindo mais de 3 mil pessoas, todos os fins de semana. Pessoas essas que carinhosamente os mais abastados chamam de ‘vileiros’.


Só que a mobilidade eleitoreira da passagem a um real transformou a calmaria e a paisagem do parque. Antes, o Barigui abrigava playboys arruaceiros e agora é zona dos ‘vileiros’. As ruas no lado habitado do parque, antes local dos mauricinhos com seus carros turbinados e sons potentes, foram fechadas. No fim de semana ganham cancelas, impedindo a aproximação de autos no local. Isso minou a freqüência dos veículos com som alto e de festas ao redor deles.


Agora, os ‘vileiros’ ocupam a outra área do parque, a mesma que possui bares e pistas mais largas. Freqüento aos domingos o parque pois adoro observar o modismo suburbano, que é um prato cheio para quem gosta de moda e comportamento. Cabelos arrepiados com sabonetes ou tingidos em casa, tranças e acessórios incomuns desfilam no parque que durante a semana é local de exercício dos obesos, marmanjos e peruas da região. Os moradores do bairro não vão ao parque durante o fim de semana e alguns já largaram o Barigui por causa do mau-cheiro ou descuidos que vêm sofrendo, devido às reformas e drenagens que há mais de um ano são feitas no local.


Mas o que me chamou a atenção mesmo não foram os visuais diferenciados mas a quantidade de policiais no parque: guarda municipal, polícia montada e muitas viaturas.  Contei mais de 10 carros, junto com os do Diretran. O parque continua seguro, embora vários amigos confessem que não se sentem a salvo onde há ‘vileiros’, por puro preconceito, claro. É seguro talvez graças à ação policial, mas ela é intimidadora. A pior foi uma cena que presenciei quando estava de saída. Os ‘vileiros’ não podem entrar no parque portando bebidas alcoólicas. O guarda (municipal, diga-se de passagem) simplesmente mandava que eles abrissem as mochilas e proibia a entrada de garrafas, dizendo que se eles quisessem poderiam consumir fora do perímetro do parque. Vários guardas se posicionam nas entradas do parque, de forma estratégica e agindo de forma suspeita contra os direitos do cidadão. Ora, pelo que sei, lá dentro é possível comprar bebidas e os carros não são revistados. Pois mais uma vez a lei (nesse caso inexistente pois não há lei que proíba o consumo de álcool em locais públicos, salvo a quem está trabalhando) está sofrendo dois pesos e duas medidas.


Como no caso do shopping, as pessoas que comentei sobre o acontecido foram elitistas e afirmaram que as medidas de coerção aos ‘vileiros’ são justas e garantem a paz e a ordem. Eu chamo de censura e preconceito. O papel da polícia é garantir a segurança e não de privar as pessoas de seus direitos com base em pré-julgamentos. Em todo caso, o Parque Barigui teve mais um dia de forte ação policial, grande público e tensão total. Um barril de pólvora, já que a situação pode sair do controle a qualquer momento e termos um incidente de confronto entre aqueles que vivem na margem e outros a serviço de um poder estatal mas com princípios burgueses. Sim, isso foi um alerta.

PS: Ao colocar esta coluna no ar, lembrei-me que solicitei certa vez reforço policial no mesmo parque para realizar um churrasco para gays e tive meu pedido negado, por ser no domingo, um dia que há baixa de contigente. O mundo gira mesmo.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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