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Sobre a dor de ser perfeito

Redação Lado A 10 de Junho, 2008 13h17m

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Eu desisti da idéia de ter um “sugar daddy” ou “tio” ou qualquer relação possível entre alguém de 20 anos (eu) e alguém com mais de 30 (eles).


Ano passado, lá por junho ou julho, eu tava de rolo com um cara, acho que ele tinha 43, se não me engano. Uns três centímetros menor do que eu, “corpulento” (porque, na minha opinião, gordinho é ofensa), meio calvo… uma pérola, pra quem curte. Pois bem que ele jurava estar apaixonado.
E até que foi bom, a gente ia beber cerveja no boteco, o que era muito divertido. Ele tinha grana, mas grana nunca contou muita coisa pra mim, claro, é sempre bom ter alguém pra pagar a cerveja, mas nesse caso, eu tava mais interessado nos beijos dele, que eram muito bons, por sinal.


Então, daí, teve esse dia, que já era de noite, eu estava voltando da faculdade, meio dormindo, e na hora de trocar de ônibus eu corri pro ônibus errado. Tá, eu não tava voltando da faculdade, tava voltando do bar, meio bêbado, pegando o último ônibus e peguei o ônibus errado.


Bom, não lembro qual foi o biarticulado que eu peguei, mas terminei no fim do mundo, acho que era pra lá do Parque Barigui (eu morava no Jardim das Américas), um lugar muito do maloqueiro, eu morrendo de medo, sem ônibus, sem grana pro táxi… acho que eu tinha uns 10 reais no bolso, apenas com meu celular, então liguei pra ele. Ele tava dormindo, eu expliquei o que havia acontecido, ele disse que não podia me buscar pois tinha que viajar no outro dia, então eu disse “Eu tô no meio do nada, não tenho a mínima noção de como voltar pra casa, sinceramente, eu preciso de você agora” e ele não foi me buscar… Eu tive que pegar um ônibus até um terminal, daí chegando nesse terminal peguei outro, que me levou até o terminal do Carmo… e o motorista disse “você tem que descer porque vamos guardar o ônibus”. Ótimo. Tive que andar do terminal do Carmo até minha casa, que era a duas quadras da BR 277, de madrugada, morrendo de medo e a bateria do meu celular/MP3 player tava acabando. Comprei duas cervejas no único posto de gasolina que achei no meu caminho e andei, andei, andei.


Depois daquela noite, nunca mais ouvi nem falar dele. Ou seja, porque eles se engajam nessa idéia de relação de homem mais velho protetor, cuidando de um garoto, que na maioria das vezes não precisa de cuidado e é apenas carente, se eles não pretendem realmente cuidar do garoto carente que fica bêbado e se perde?


Aqui no Canadá, tem esse cara, que eu suspeito que ele esteja beirando os 50, muito gente boa, o Randy. Vive dizendo que queria que eu largasse tudo pra viver com ele, que gosta da idéia de tomar conta de mim e blá blá blá. Sinceramente, já passei dessa fase, mas… Tá, deixa ele pensar que eu preciso dele.


E, na verdade, um dia eu precisei dele. Eu fui pra Pitt Meadows, um lugar no meio do nada, aliás, depois do meio do nada, porque eu moro no meio do nada. Bom, cheguei lá, pra uma conferência de artes, e era tudo uma furada, ainda bem que enxerguei de cara. Pois bem, consegui uma carona, mas até Langley, uma cidade vizinha a minha, e, por acaso, a cidade onde ele mora. Então pensei “tudo bem, vou pedir pra ele me buscar lá né…” e, ele não foi. Ele me respondeu um dia depois, com uma desculpa qualquer.


Olha, sinceramente, desisto dessa idéia de me relacionar com esses caras que precisam de alguém pra se apoiar. Ou eu que preciso de alguém pra me apoiar? Sei lá.


Eu consigo entender porque eu possa querer alguém mais velho. Normalmente eles transam melhor e te tratam melhor. Não ficam querendo encher a cara na boate final de semana ou se drogar porque é divertido. Tem toda a coisa de eu me sentir mais seguro também, sempre procurei alguém pra me sentir seguro, psicólogos diriam que deve ser ausência de figura paterna. Acho que não, já que eu costumava dormir no peito do meu pai até meus 12 ou 13 anos. Acho que é só, sei lá, os caras da minha idade com quem me relacionei não tinham sobre o que conversar, não sabiam conversar ou só conversavam sobre idiotices. Mas porque alguém mais velho se relaciona com alguém mais novo? Pra exibir como troféu? Pra se sentir mais novo? Pra se sentir mais bonito? Por quê? Não sei, sinceramente. Sempre me senti um troféu na mão desses caras, ou seja, quando eu chegava em casa, precisava tomar um banho de 1 hora pois me sentia sujo e nojento.


Por que eles nos tratam como troféu? Porque, enquanto eles te exibem como “olha, to comendo o piazinho brasileiro novo que apareceu no Canadá”, todo mundo está olhando pra ele e pensando “olha, o piazinho brasileiro novo achou um idiota pra lhe bancar”, ou seja, socialmente, ninguém ganha.
Se bem que nunca acreditei que uma relação possa durar a dois finais de semana numa boate.
As pessoas vão na boate pra caçar, só hipócritas dizem que vão pra dançar. Tem os que vão pra se drogar, mas esses não contam pois dificilmente eles se lembram do que fizeram na noite passada. E eu sou suspeito pra falar de junkies pois, se hay, soy contra!


Tá, então, cara mais novo não dá pois não tem conversa e o sexo, na maioria das vezes, é ruim. Cara mais velho não dá, pois eles não sabem o que querem, te tratam como troféu, não agüentam mais de uma e roncam (fora que a maioria tem um cheiro estranho… principalmente na barba). O que sobra? Mulher? Ui, não, isso é nojento…


Eu cheguei à conclusão que o problema não são os caras mais novos, mais velhos, da minha idade, recém nascidos, zumbis ou no leito de morte, o problema sou eu. O problema é comigo. Eu sou o centro dos problemas. Mas, sinceramente, não vou mudar. E não sou teimoso por isso. Apenas acredito que mudar não é a solução.


Você é um namorado perfeito pra alguém, o problema é achar esse alguém (eu acho que encontrei).
Como diria Frejat “… e eu vou tratá-lo bem pra que ele não tenha medo quando começar a conhecer os meus segredos”, pois, o problema é aceitar os defeitos alheios, e acredite, apertar o tubo da pasta de dente do meio é um problema insuportável quando se divide a mesma cama. Como resolver o problema? Não faço a mínima noção, eu ainda sou solteiro.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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