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Entrevista: Victor Sálvaro

Redação Lado A 01 de Julho, 2008 14h10m

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Victor Sálvaro, 32, encara mais uma fase de sua vida. Já atuou como produtor de moda, caça-talentos, ator, drag queen, colunista e agora inaugurou um espaço de moda e se prepara para saltos mais altos.


Em 2006, escapou de morrer após levar 11 facadas em um incidente violento. Não tem medo da morte, de enfrentar críticas, de mostrar o seu lado mais humano.


Longe de ser unanimidade, admite o seu gênio forte, e volta a fazer o que sabe de melhor: produzir, campo que o consagrou. Sálvaro também é conhecido por sua coleção de Bárbies (são mais de 300) e por ter descoberto as top models Juliana Imai, Marcelle Bittar, Michele Alves e Isabeli Fontana.


Esta semana, ele inaugurou a exposição ‘Divas do Glamour’ e entrou de cabeça na filantropia.  Confira abaixo a íntegra de nossa entrevista de capa da nossa décima edição.


Todo mundo reconhece o seu talento mas algumas pessoas dizem que você desperdiça este teu dom. Que o Víctor se auto-destrói fora da vida profissional, o que você acha destas críticas?
Eu acredito que assim, a vida pessoal cabe a cada um, a vida profissional é outra coisa. Então é assim, em todos os trabalhos que eu me propus a fazer, eu fiz e muito bem feito. E eu acabo fazendo muito mais pela cidade, muito mais pelos clientes locais, do que o mercado exige. E tenho um gênio super horrível. Então, as pessoas podem dizer que eu desperdiço isso porque eu gosto de qualidade. E qualidade vem aliada a um bom profissional e eu sou um artista. E um artista que gosta de viver a vida intensamente. Hoje eu não tenho mais este lema, mas eu vivo, eu sou boêmio, eu adoro sair, adoro a minha cidade, eu adoro sentar no largo da ordem, eu adoro beber, eu adoro tomar chopp, e assim, isso faz de mim uma pessoa extremamente enraizada com Curitiba. Tive grandes oportunidades de sair daqui. Eu já saí daqui mas a cidade sempre me puxa. Mas acho que falta um pouco de respeito por parte da cidade de esquecer o que é a minha vida pessoal e vangloriar a minha vida profissional, que já levou a cidade ao topo de uma mídia nacional, mundial.

Qual foi o dia mais feliz da sua vida?
Este dia foi um dia muito feliz pra mim. Porque foi um ano em que eu nasci de novo. Eu acho que o dia mais feliz da minha vida foi quando eu acordei na UTI, com a minha mãe chorando, dizendo para eu não ir. Esse foi um dos dias mais felizes da minha vida, por poder voltar a viver.

Qual foi o pior dia da sua vida?
Sabe que nem o dia que eu sofri esse atentado foi um dia ruim, porque eu acreditei que estava indo encontrar com Deus. Quando eu estava no chão, eu só pedia ‘não me deixa morrer nessa calçada porque eu quero ficar deitado em uma maca, me leva decentemente ai pro céu’… eu acho que o pior dia da minha vida são os dias que eu vejo gente na rua, maltrapilhas, drogadas. Esses são os piores dias da minha vida, porque são coisas que eu já passei. Aquilo me remói muito, porque eu sinto que eu poderia estar daquele jeito. Mas eu tive outra chance.


E assim, tudo na vida a gente quer a gente vai atrás e a gente consegue. Então, eu não tenho um pior dia na minha. Eu tenho vários ‘piores’ dias. Quando chove e dá um temporal, eu me sinto mal porque eu tenho uma casa, fico extremamente bem abrigado e imagino as pessoas simples, que fazem de tudo para montar a sua casa e dá aquele temporal e você tem a certeza de que elas vão ficar na rua e perder tudo. Então, eu tenho esse lado muito humano, algumas pessoas me consideram arrogante, eu sempre olho muito pelo próximo.

Você se considera arrogante?

Não, pelo contrário, minha família me deu uma educação fantástica. Acho que as pessoas têm dias de bom e mau humor. E tem dias que eu acordo muito mau. E eu sou uma pessoa fraca. Eu pego muito as coisas negativas dos outros, então aquilo acaba me deixando enfraquecido.

Como é o Víctor em casa?
Sou muito respeitado por ser um gay assumido desde os 15 anos de idade, meu pai me pegou de vestido de noiva na porta de uma boate. A partir dali, fui obrigado a assumir uma posição que eu verdadeiramente nem sabia se eu era, mas eu estava gostando naquele mundo, naquele glamour que aquele mundo gay proporcionava, que hoje em dia nem existe mais. Eu achava fantástico me vestir de mulher. A partir daí, assumi e continuei a estudar, a trabalhar, a ser alguém, então a minha família sempre me respeitou muito. Eu nunca soube o que era o preconceito das pessoas.

Do que você tem medo?
Pelo que eu passei, eu acho que eu não tenho medo de nada. Eu já vivi de tudo. Eu já fui do luxo ao lixo, do lixo ao luxo. Já vivi o glamour total em um castelo, até à favela com escopetas, armas. Eu não tenho medo de nada. Acho que o futuro está guardado e as pessoas têm um porquê de estarem aqui. Eu acredito nisso que as pessoas aqui têm uma missão.

Porque a noite gay perdeu um pouco de glamour?
A noite gay era muito menos promíscua. E a noite gay ficou promíscua de uma forma absurda. Hoje, a gente tem paradas gays. Eu sou um que não vai em paradas gays, porque me dá vergonha. Porque as famílias vão assistir, os filhos, mães, estão lá para apoiar, pra dizer que vestimos a causa de vocês. E existe uma promiscuidade, coisa de mostrar órgãos genitais, expor o corpo. O nosso universo está se marginalizando. Os gays sempre foram os melhores em tudo. Melhores médicos, arquitetos, decoradores, chefes de cozinha, tudo… respeito é bom e se dá a quem tem e não há quem quer. E sempre fomos respeitados por uma classe. Sempre tiveram aqueles que não respeitam, quem têm um pezinho atrás, daquele que tem vontade, saí abomina, e acaba criticando.


Acho que o mundo gay precisa ter isso de volta. Eu, por mais enlouquecido, solto, por mais boêmio, eu sempre prezei muito o relacionamento. Relacionamento para mim é uma coisa séria, de duas pessoas. Hoje em dia não é nem no mundo gay. Virou uma libertinagem. Eu não gosto muito. Vou em festas e vejo gente se sujeitando a tudo, por conta de nada. Eu acho que as pessoas precisam se cuidar, podem sair com quem quiserem mas precisam se proteger.

Com que idade você teve a sua iniciação sexual?
17 anos… iniciação sexual homossexual ou não?

Não necessariamente…
13 anos. Na verdade eu descobri que eu queria ser um personagem que eu não era uma pessoa qualquer. Eu queria ser uma pessoa diferente. Eu era um menino sensível, me apaixonava por várias meninas. Até depois de assumir eu tive duas “recaídas”. Em uma delas, a família da menina não queria saber. Eu tinha deixado de ser drag queen pra poder ficar com ela. Mas eu falei para ela que não ia dar certo, que a família dela não queria saber. Ela foi atrás de mim em uma boate. Eu, de Drad Queen, falei para ela ‘eu não quero saber de você’.

Você não tem nenhum filho por aí?
Olha, já me disseram que sim. Mas eu não acredito muito. Tenho uma grande amiga que tem uma filha muito parecida comigo, que foi caso de adolescência. Mas ela disse que não. E eu também não quero que seja. É uma responsabilidade muito grande. Eu penso em adotar uma criança. Dar a educação correta, ensinar tudo. Eu tive uma educação assim. Eu caí no mundo alternativo sabendo que aquilo podia me fazer mal. Minha mãe sempre foi muito aberta, cantora, e ela me ensinou exatamente a vida como era.

Qual o seu maior sonho?
Eu tenho um grande sonho de ter um espaço, uma casa, um lugar onde eu vou estar acolhendo pessoas, ensinando coisas. Eu faço trabalhos voluntários e ainda sonho em ter um espaço para receber as pessoas. Eu fui voluntário no Hospital Pequeno Príncipe por um ano e nesse um ano eu vi muitas mães angustiadas e se eu tivesse um espaço que eu pudesse tira-las de lá, distraí-las um pouco, seria o meu grande sonho. Tudo que eu queria eu já tenho, todos os lugares que eu queria conhecer eu já conheci. Muitos investimentos da minha vida foram errados. Podem me dizer, nossa, você poderia ter comprado vários imóveis, mas eu prefiro ter a minha coleção de Barbies.

Algum grande arrependimento?
Ter conhecido o crack  e ter feito o uso dele. Ele estragou a minha vida durante 5 meses. E foram 5 meses para mim que foram uma eternidade. Uma história muito deprimente. Vi muita coisa errada, perdi muita coisa. Essa me derrubou. Hoje, eu posso passar uma lição. Cheguei a conviver com pessoas que tiravam o fio de cobre de casa para poder fumar. É o fim do mundo. Eu não quero mais isso.

Quantos quilos você perdeu com a operação de redução de estômago?
Foi há 2 anos, eu estava com 130 kg, foi no término de um namoro, fui pra 160 kg, e este ex-namorado jogou um praga, que eu não ia mais ficar com ninguém. E a praga pegou, porque realmente eu não consegui ficar mais com ninguém. Eu fiz de tudo, fiz a redução de estômago, perdi 80kg, nunca mais eu tive ninguém.  Porque, na verdade, é assim… você conhece as pessoas na noite e elas querem é ir pra cama, e eu não gosto disso. Eu gosto de ficar íntimo, quando eu estou com alguém, eu gosto de ir no cinema, ir jantar. É difícil. Se for para simplesmente ir para a cama, eu me satisfaço sozinho.

Então praga de bicha pega? (risos)
Praga de bicha-bofe pega!

E sobre essas modelos anoréxicas? De quem é a culpa?
Isso sempre aconteceu e sempre foi acobertado. É que na verdade as meninas vão muito novas para São Paulo. Graças a deus, hoje, tem uma idade mínima, que é de 16 anos. É o sonho dourado de qualquer menina ser modelo. Eu vi muitas meninas passando fome, passando mal. Houve essa explosão agora porque a família dessa que morreu, Ana Carolina, foi atrás. Já houve vários casos de morte. Aqui no Paraná tiveram dois casos de meninas que ficaram muito mal. É o mercado de moda. Eu acho que mulher tem que ter corpo. Eu gosto de mulher que tem curvas, tem seios. A anorexia está muito ligada ao padrão de beleza. As agências vão continuar com a cobrança, mesmo com tudo que aconteceu. O mercado de moda, de modelos, é exigente. Existem marcas que gostam das curvas e outras que não marcam. Existe mercado para magras e para as com curvas. Eu acho muito errado. Eu tenho pena. Por isso, eu saí desse mercado.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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