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O Direito e os homossexuais

Redação Lado A 12 de Agosto, 2008 06h09m

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É papel do Direito vigente em cada país regular as relações sociais nele existentes; é papel dos legisladores atentarem à realidade social do país em que atuam e promoverem a conformação do Direito a ela; é papel dos formadores de opinião apontarem aos legisladores as modificações que deve receber o Direito. Finalmente, é papel da sociedade reivindicar, dos legisladores, as adaptações pelas quais o Direito contemple as alterações porque passa ela.

Tais considerações aplicam-se à realidade brasileira atual, em relação ao estado da nossa legislação concernente aos homossexuais e às prerrogativas que é desejável lhes atribua ela, do ponto de vista dos direitos civil,  de família e previdenciário.

Digo desejável, porquanto inexiste qualquer prerrogativa  em nenhuma lei brasileira que, expressa e especificamente, vise as relações homossexuais: o Direito Civil não admite a herança entre pessoas do mesmo sexo, que hajam convivido como casal, o Direito de Família não reconhece a união entre elas como casamento, o Direito Previdenciário não prevê o pensionamento do sobrevivente, ante a morte de um dos componentes do casal homossexual.

Ao contrário, redigido sob a mentalidade tradicional, o Código Civil consagra a família como o par constituído por um homem e uma mulher e, portanto, exclui as uniões de homens, entre si, e de mulheres, entre si, ou seja, sob o aspecto matrimonial, inexiste casamento guei, o que tem levado muitos pares homossexuais a firmarem contratos pelos quais regulam a partilha dos bens adquiridos durante a sua convivência, quando esta cessar. Tal contrato serve, apenas, para distribuir o patrimônio, não funciona como sucedâneo do casamento e pode ser adotado por casais tradicionais.

Casamento significa união; o sexo de quem se une é irrelevante; decisivo é que o Estado, por meio das leis, reconheça a união de quem se une, independentemente do sexo dos envolvidos: eis o fundamento do casamento guei.

Dada a ausência de regras jurídicas relativas aos casais homossexuais, alguns deles têm obtido soluções individuais mediante processos judiciais, em que os êxitos vêm se multiplicando, na medida em que muitos juízes, sensíveis à inovação dos costumes representados pela formação, cada vez mais comum, de pares homossexuais, atribuem-lhes certos direitos, como o à pensão do companheiro morto, à parte do patrimônio havido durante a coabitação, à adoção de crianças, à inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde.

As decisões judiciais favoráveis baseiam-se no artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o que inclui as diversidades sexual e afetiva, entendimento que muitos juízes adotam: da interpretação da lei, deduz-se que os homossexuais devem ser tratados como o são os heterossexuais. 

Consiste ele no único dispositivo existente no vasto conjunto do Direito brasileiro que permite tratar eqüitativamente os homossexuais, face aos heterossexuais. Ele favorece aqueles, de modo indireto, contudo, por depender, no seu meio, de uma ação judicial; no seu conteúdo, de uma opinião individual do juiz e, nos seus destinatários, da iniciativa dos interessados. Receberá prerrogativa de tratamento igualitário quem assim o buscar (sob o risco de fracassar); caso contrário, prosseguirá sob o regime da discriminação. É pouco e precário.

Há uma alteração na mentalidade de alguns juízes, sintoma, em si, de uma evolução no quadro dos seus valores, evidência de que parte deles reconhece as prerrogativas dos homossexuais e sintoma de que a legislação necessita de se adaptar à realidade social.

Trata-se, todavia, de soluções isoladas, que exigem a propositura de uma ação, que, por sua vez, expõe os interessados a uma possível derrota, implicam despesas e a paciência determinada pelas demoras do processo.

O reconhecimento de faculdades legais aos casais homossexuais não se pode limitar a ações judiciais de resultado duvidoso, movidas por quem a elas se aventure: deve provir de regras gerais, aplicáveis à totalidade da população homossexual; não deve corresponder a exceções originárias de uma interpretação pessoal de um artigo constitucional, porém, sim, à regra, ou seja, provir de normas destinadas às situações peculiares aos homossexuais e cuja adoção vai se tornando cada mais necessária, face aos costumes dos brasileiros, na sua parcela homossexual, e à mentalidade dos brasileiros em geral, na sua aceitação crescente da homossexualidade.

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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