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Seis meses sem o Adriano

Redação Lado A 04 de Agosto, 2008 15h42m

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Há seis meses (aos 2 de outubro de 2007), o Adriano morreu. Há seis meses recordo-me dele em todos os dias e em todos os dias penso nele, como pensei em  quase todos, durante os dois anos em que durou-nos a amizade.


Pus luto pesado por 94 dias (preto de alto a baixo) e aliviado por mais 17 (preto com mistura de outras cores).  Embora, após os 123 dias, tirasse o luto, permaneceu-me o sentimento de tristeza e de perda.


Com o volver das semanas, o meu pesar e a minha consternação foram se aliviando; não se aliviou, contudo, o não lhe aceitar a morte, de que nada me consola. Procuro alguma reflexão ou algo que me console ou me convença a aceitar-lhe a morte, e nada encontro.


Talvez, apenas, o carinho das pessoas me pudesse confortar, e foi o que pouco tive. Sofri-lhe a morte quase totalmente sozinho.


Muitas vezes, perplexo-me com o fato, em si, da morte dele; por vezes, não acredito em que ela se haja verificado. Entristece-me a juventude com que ele morreu, aos apenas 24 anos. Em outros momentos, gostaria de conversar com ele, de repetir-lhe o que lhe disse reiteradamente: que tencionava ajudá-lo, no que pudesse, até a vida dele tomar um rumo favorável, com trabalho e estudos.


Por vezes, flagro-me a conversar com ele, em pensamento: desejaria que ele pudesse ouvir-me; se o pudesse, gritaria muito alto, a dizer-lhe: “Adriano!!! Estou aqui!!! Não me esqueço de você!!!”. Dir-lhe-ia, também, o que lhe disse, ele na Espanha: “Volte, volte, volte!!!”. Após um ano e meio, o tempo mais longo da minha vida, ele regressou e revimo-nos. Há seis meses, ele partiu e não regressará.


Em outra ocasião, ele ainda na Espanha, disse-lhe que a minha vida mudara, por causa dele. “Para melhor?”, indagou-me, ao que lhe rispostei: “Sim, para melhor”. Agora, a minha vida mudou, novamente, e sequer é preciso perguntar-se-me se para melhor ou para pior.


Em ainda outros momentos, recordo-me de cenas, de diálogos, de situações que houve entre nós, na saudade de instantes, banais alguns, significativos outros, e que, todos, hoje, representam as reminiscências que dele conservo.


Com a perda da sua vida, perdeu a minha, uma parte do seu sentido, aquela em que ele correspondeu-me à pessoa mais importante de meados de 2005 a 2 de outubro de 2007; aquela em que eu futurava a minha com a presença dele; aquela em que eu vinha fazendo e prosseguiria a fazer tudo o que pudesse por ele, sem cogitar de retribuições, que jamais pretendi, e a despeito de algumas suas atitudes censuráveis para comigo, que relevava, como próprias da imperfeição humana, com uma paciência própria do que eu sentia por ele.


Se, quando nos conhecemos, em uma tarde de junho ou julho de 2005, dissessem-me que ele morreria, não acreditaria nisto. Era a última pessoa cuja morte esperaria, a única, cuja morte jamais aceitaria, e foi ele a única que morreu, dentre quantos eu conhecia, enquanto durou-nos a amizade: durante pouco mais de dois anos, ninguém me morreu; quando alguém morreu-me, foi ele. Já não temo mais a morte, a de ninguém.


É difícil, difícil demais, alguém ter uma pessoa, com carinho e amizade, preocupação e generosidade, ansiedade e paciência (tudo intensamente), quase como um ideal de vida e, de súbito, inesperadamente, perdê-lo. O que, antes, foram-me emoções várias, agora, é-me desespero por não o poder rever jamais.


A morte dele corresponde ao único acontecimento verdadeiramente dramático da minha vida, a um horrível e a um consternador que não sei exprimir por palavras. Com ele, morreu uma parte de mim próprio.


Conservo o passaporte, o relógio e um autógrafo seus como relíquias: as relíquias são-no, para quem as considera como tais, por memória da pessoa ou do fato a que se referem. Nelas, conservo uma parte do Adriano. Preferiria não as ter, e  tê-lo.


Com emoção, recordo-me do seu corpo, no caixão em que o depositaram: jamais imaginei que, um dia, vê-lo-ia  morto e que, um dia, comparecer-lhe-ia ao funeral. Com igual emoção, recordo-me dos instantes, breves, em que lhe transportei o caixão à tumba: jamais imaginei que, um dia, carregaria o caixão do Adriano.


Fixei-lhe, no túmulo, eu próprio, uma placa: “Adriano Foi uma parte da minha vida. Saudades do Arthur”.


É macabro, porém é sincero: sou-lhe saudoso do guardamento: foi a derradeira vez em que o vi; foram os últimos momentos em que tive, diante de mim, o Adriano.


Desejava que a nossa amizade se perpetuasse e que ele correspondesse, ao longo das nossas vidas, a uma pessoa do meu mundo: ele prossegue no meu mundo, não mais como uma pessoa presente, porém, infelizmente, como uma memória do meu passado.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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