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Bombando!

Redação Lado A 08 de Outubro, 2008 11h00m

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O barulho dos metais colidindo era ensurdecedor. Pesos arremessados através de barras e o encaixe em suportes, de mesmo material, eram ruídos constantes para qualquer ouvinte, por mais desatento que fosse. Tudo isso parecia insuportável, mas não segundo os pensamentos de Carlos. Para ele, só importava estar perto de seu sonho de consumo: um rapaz super bombado, que malhava na mesma academia. O chamavam de Brutus e seu ego fazia jus ao apelido que lhe foi dado pelos amigos. Carlos até iniciou algumas aulas de axé oferecidas em uma escola de dança próxima a sua casa. Não, ele não gostava de axé, odiava o ritmo. Mas ao saber de Brutus, como professor, nem pensou duas vezes. Ficava sempre hipnotizado por seu gingado. Por se tratar de Curitiba essa era uma característica que o fã do dançarino considerava ímpar, como um dom especial, que fazia Brutus se destacar na selva de músculos onde ambos circulavam.

O garoto, tão sonhador, sempre se achou inferior a seu ídolo, principalmente, pelo fato de ser magro. Seu corpo era totalmente franzino. Ele via o malhadão com o peito exposto em quase todas as baladas que freqüentava. Procurava, por vezes, puxar algum assunto relativo à academia. Oferecia bebidas. Mas Brutus terminava a noite nos braços de algum outro fortão, descamisado, da festa. Em cada nova situação, Carlos, se sentia inferiorizado. Tentou erguer seus sonhos, e até quase perdeu o emprego, em busca desse ideal inatingível. Em uma ocasião, quando confessava os mais profundos desejos de sua alma, a um outro amigo da academia, recebeu um conselho que ficou guardado em sua mente. Esse mesmo amigo, mais um super malhado, que nunca havia se interessado por Brutus, acabou ficando com o rapaz em várias ocasiões em baladas distintas. Em todas às vezes fez questão de mostrar, a Carlos, seus beijos com o grandalhão. Sempre se aproximava do amigo para lhe pedir bebida e tratava de exibir o maior fruto de desejo do garoto sonhador em suas mãos.

Carlos, perdendo as esperanças, relembrou o conselho de seu amigo traidor. Vasculhou suas roupas em busca do papel onde havia anotado o nome do produto indicado pelo amigo e decorou-o em voz baixa. Sentiu-se recuperar sua alegria e começou, naquele momento, a visualizar seu sonho realizado. Imaginou-se possuído por Brutus e toda sua virilidade inerente. Pensou em qual gel utilizaria. O apelido de seu ídolo sugeria agressividade demais para se arriscar no seco. Mesmo tremendo muito, num misto de medo e nervosismo, ele digitou o número que também anotou no papel, mas no momento de apertar call, os instintos lhe impediram e seu temor o venceu. A ansiedade lhe fez companhia por toda à tarde. Ao sair do trabalho, não resistiu, pegou o celular e completou a ligação para o numero marcado no papel, que a essa altura, já estava completamente amassado em seu bolso. Uma voz rouca o atendeu. Ele solicitou uma quantidade razoável do produto e, timidamente, pediu maiores explicações.

-Vem com manual de instruções?

Uma grande gargalhada foi a resposta recebida por Carlos. Aquela voz rouca, do outro lado da linha, apenas indicou o dia em que passaria na academia para a venda. Na data e hora marcada, o garoto sonhador, recebeu sua encomenda. Não havia seringas ou qualquer instrução. Mesmo ainda com muita mágoa decidiu engolir o orgulho e pedir ajuda ao amigo. Recebeu todas as instruções de como aplicar as ampolas de 100mg cada, mas teve que suportar a empáfia do malhado que se sentia superior por ter roubado seus desejos. Em questão de meses, Carlos, passou de um garoto franzino a um bombado instantâneo. Agora que estava ao nível muscular de seu ídolo ele decidiu tomar uma atitude.

Na balada, decidiu se unir ao grupo dos descamisados e então, pela primeira vez, percebeu os olhos de Brutus direcionados para seu corpo, consumindo com o olhar, cada palmo de sua pele. Não conseguia conter sua alegria, mas temia estragar tudo, então controlou seus ânimos e vagarosamente foi se aproximando de seu companheiro da academia. Conversaram, mas o tom das vozes era diferente. Carlos se sentia confiante que naquela noite, finalmente, se entregaria ao Brutus. Trocaram beijos e caricias durante toda a festa. No fim da noite foram para a casa do ídolo de Carlos.

Ao entrar ele mal podia acreditar que estava pronto para ser possuído por aquele homem que sempre desejara. Retirando algumas peças de roupa os dois foram se encaminhando para um quarto no final do corredor. Duas paredes estreitas atravessando da sala para a cozinha eram as muralhas do castelo forte construído por Carlos. Chegando à cama, Brutus empurrou o novo malhado sobre o colchão, levantou-se e foi até a gaveta do guarda-roupa. Puxou um objeto que o rapaz, na cama, não pôde identificar. O dono do apartamento se deitou de bruços, ao lado de seu ficante, entregou-lhe um tubo de gel, e olhando ternamente, em seus olhos, lhe disse:

– Vai com carinho…

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SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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