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Redação Lado A 05 de Dezembro, 2008 06h50m

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Seus pés fecharam à porta. Eles mal podiam esperar para o encontro daqueles pares de lábios, sedentos, por carinho. Mesmo ali, em pleno banheiro, seus desejos se afloravam. Um barulho os tirou do transe, a porta externa se abrira, e ouviram-se passos. Alguém estava apurado para entrar e satisfazer seus instintos mais básicos.

Os dois se olharam, estavam dentro de um dos reservados, e se abaixaram silenciosamente. Tremiam muito. O medo era forte, mas suas mãos ainda se apertavam, e seus corpos estavam entrelaçados.

Somente suas roupas os separavam. O terceiro homem, que usou o banheiro fora dos reservados, parou de repente e parecia escutar suas respirações. Não podiam vê-lo, mas temiam que tivessem sido descobertos. Seus corpos bem próximos ao chão e ao mesmo tempo tentando evitar que seus pés pudessem ser vistos. O homem parecia se aproximar. De repente a porta se abriu e os passos pareciam se distanciar. Os dois corações dispararam ao mesmo tempo. O silêncio repentino, logo após o barulho da porta se fechando, indicou que estavam novamente sozinhos.

A culpa os tomou, estavam em pleno escritório, decidiram então sair rapidamente antes que algum chefe os encontrasse ali. Para disfarçar saíram separadamente. Logo ao sair pelo corredor, em direção a sua mesa, o primeiro foi recepcionado por uma supervisora.

– Bom dia Luis, tudo bem?

Ele apenas acenou com a cabeça, levemente, em direção a ela. Estava suando frio. Seu coração continuava disparado. Ao chegar a sua mesa, e desbloquear o computador, recolocou sua aliança na mão esquerda. Era um ritual, quase místico, mas nasceu de um acordo entre eles. Os dois eram casados e para amenizar o sentimento de remorso que sentiam decidiram não usar alianças em seus encontros furtivos. Era uma regra, que apesar de intenções contrárias, gerava mais excitação a ambos. Duas semanas depois eles se reencontraram nas escadas. O episódio do banheiro os havia traumatizado e decidiram não se encontrar mais lá.

Após atravessar duas portas, de incêndio, chegaram às escadas de seu andar. Ainda temerosos decidiram ir aos degraus do último piso. Por se tratar do décimo primeiro andar, dificilmente, alguém iria querer descer de escadas.

No mesmo último andar, Maria tentou contatar Luis por e-mail, havia um documento a ser enviado, mas não obteve resposta. Tentou ligar para sua mesa e, ao som da secretária eletrônica, imaginou que ele não estivesse. Decidiu imprimir o documento e deixá-lo em sua mesa. Os elevadores não vinham, mas ela estava apenas a dois andares de distância dele, e resolveu ir pelas escadas. Ao abrir a segunda porta, e antes mesmo de enxergar os degraus que se iniciavam em seguida, prendeu a respiração ao ver Luis beijando outro colega de trabalho. Ela ficou vermelha e voltou para dentro do andar. Luis olhava seu amante e os dois mantinham silêncio absoluto. Os corpos estavam já separados. Novamente a porta se abriu e Maria olhou firmemente para o colega de trabalho.

– Precisava lhe entregar esse documento, é urgente – Ela disse isso e voltou para o escritório.

Não tardou muitos dias para os dois perceberem que a garota havia espalhado a notícia por todos os andares da empresa. Piadas sutis surgiram, de todos os lados, e eles decidiram não mais participar de eventos da empresa com suas esposas. Se elas insistissem para participar os dois inventavam alguma dor de garganta e não apareciam nas festas ou happy hours. Mais uma vez a situação se tornava extremamente excitante para aqueles homens. Estavam cada vez mais viciados no perigo de serem apanhados. Ao mesmo tempo não conseguiam refletir sobre o que poderia acontecer se uma descoberta acontecesse.

Impulsivamente aumentaram os riscos quando apresentaram suas esposas uma à outra em um jantar entre poucos amigos íntimos. Uma amizade sincera se concretizou entre elas durantes os meses que se passaram. As duas se tornaram confidentes. Quando se aproximava o fim do ano decidiram viajar os quatro para Florianópolis. Alugaram um apartamento em plena Beira Mar Norte. Quando chegaram à cidade, em pleno verão, as ruas já estavam tomadas pelo clima de Ano Novo. As mulheres corriam com os preparativos para uma virada, segundo seus pensamentos, que deveria ser perfeita. Mesmo pouco acostumadas com cozinha decidiram fazer o jantar sozinhas. Pediram aos maridos que fossem buscar alguns espumantes. Exigiram a marca. Queriam Lambrusco. A aceitação deles foi imediata. Pegaram um dos carros e foram em direção à Praia Mole.

Já haviam escutado antes do que se passava por lá, mas como sempre viajavam para a capital catarinense com as esposas, nunca puderam descobrir. Rodaram os estacionamentos próximos e um misto de desejo e medo os entorpecia. Trocaram olhares profundos e retirando suas alianças repousaram-nas no console do carro. Estacionaram finalmente, vencendo o temor e alimentando a libido, e caminharam em direção a areia escaldante.

Seus olhos os guiavam para um canto da praia mais escondido e, atrás de um bar que se estendia até a areia, seguiram por uma trilha. O momento era perfeito e eles se entregaram. A pouca roupa que vestiam foi despida rapidamente e eles se embrenharam entre a vegetação. Quando saíram de lá, em direção ao carro, perceberam quão atrasados estavam. Luis dirigiu o mais rápido que pôde. Encontraram o espumante em um shopping e voltaram mais que depressa para o apartamento. Ao chegar à frente do prédio viram suas esposas na calçada, sentadas no meio fio, conversando alegremente. Quase saindo do carro, Luis, percebeu a mão vazia. Avisou o outro e ambos se arremessaram ao console para pegar as alianças. Foi o tempo suficiente antes que as esposas se aproximassem do carro para abraçá-los.

– Nossa, foram fazer a bebida?

– O trânsito estava insuportável – Disse Luis com ar de irritação e olhando para o outro.

Subiram Luis e sua mulher para o apartamento. Ela notou que a aliança do esposo parecia apertada e seu dedo levemente inchado.

– Nossa! O que aconteceu com o seu dedo?

– Nada.

– O que é isso? – Ela apontava para um pequeno detalhe ornamental da aliança.

– Nossas alianças são lisas – Continuou ela já um pouco alterada
Ele sorriu e, tomado pelo desespero do momento, decidiu criar uma desculpa da qual não mediu as conseqüências.

– Eu passei numa joalheria, decidi fazer uma surpresa, agora só falta o seu! Considere como uma renovação de ano novo!

– Sério? Ficou muito bonito, apesar de bem sutil, me deixa ver!

Ela tomou a mão dele e com muito esforço conseguiu tirar a aliança que estava apertada. Examinou a jóia e quando olhou por dentro foi tomada de um susto. Seu rosto se tornou vermelho como se todo o sangue houvesse subido para sua cabeça e vociferando acertou Luis com o anel.

– E desde quando eu me chamo Eliane?

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SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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