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Jeremias Bentham (Segunda parte)

Redação Lado A 12 de Janeiro, 2009 18h03m

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 “Posto que se deve punir na exata proporção do mal sofrido pelos indivíduos e pela comunidade, convém determinar, com toda a precisão, quem foi prejudicado pela ação incriminada e como ele o foi. É consoante este cálculo sistemático dos efeitos, que Bentham afasta do campo da legislação os supostos “crimes contra si-próprio”, que dependem apenas da moral privada governada pelo princípio da prudência e cultivada pela educação. Quanto à sodomia e à outras práticas sexuais “irregulares”, muitos juristas e publicistas haviam, antes dele, averigüado o quanto estes delitos eram obscuros, difíceis de definir ou de provar e o quanto a sua penalização podia conduzir a lançar uma luz crua sobre torpezas que era melhor ocultar. Prudente, Montesquieu observou que, como a bruxaria e a magia, estas práticas conduziam à fogueira sem prova dos supostos culpados. Beccaria sublinhou que neste tipo de delitos perpetuavam-se as antigas técnicas inquisitoriais. Bentham averigüa, por sua vez, que, quando a lei quer punir ações que legislador, sem o seu exame, considera imorais, o remédio é pior do que o mal. O alarme é geral, a desconfiança constante e a punição, que se pretende exemplar, testemunha sempre uma extrema brutalidade.
   
[…]


 


Esta defesa da sexualidade diferente faz parte do empreendimento reformador de Bentham. As relações sexuais devem ser livres, ao mesmo título que as relações econômicas ou intelectuais, porque, entre adultos que nelas consentem, não prejudicam a nenhum terceiro e, evidentemente, propiciam prazer a quem as pratica. Como manter sanções legais em nome de Deus, da “natureza” ou da sociedade, contra ações que não lesam nenhum dos membros da sociedade?


 


[…]


 


Bentham apóia-se nos dois pilares da sua filosofia, a teoria da linguagem e o príncípio da utilidade. Ele observa que, a respeito da homossexualidade, de Montesquieu a Guilherme Blackstone, diz-se que não se pode nominá-la. É o crime sem nome, o mais sacrílego de todos, porquanto nominá-lo é já um atentado à moral e à sensibilidade. Blackstone sublinhava-o nos seus “Comentários às leis da Inglaterra”: a delicadeza do nosso direito inglês, dizia, conduz a silenciar sobre este crime que não convém nomear entre cristãos. Quando a língua da sua época é muda ou não quer falar senão de “crime infame” ou de “crime contra a natureza”, Bentham quer lhe atribuir um nome novo, neutro, científico, desembaraçado das significações pejorativas de que ele se acha carregado por séculos de filosofia, de moral, de direito e, sobretudo, de religião. “Desejo sexual infecundo”, “apetite sexual venéreo improlífico”, propõe ele para designar a sodomia e outros atos cujo efeito objetivo é o de desfavorecer a procriação e a perpetuação da espécie. Ele falará, também, de “sexualidade diferente” ou de “sexualidade irregular”, para designar as formas de sexualidade que contrariam o que é dado em uma sociedade como o conforme neste assunto.



    
A decisão de Bentham consiste, então, em examinar cientificamente este tipo de sexualidade e a questionar as idéias que conduziram à sua estigmatização.A sua argumentação dirige-se contra os sofismas e as ficções prejudiciais que impedem os seres humanos de calcular justamente as conseqüências dos seus atos. […]



A teoria das ficções sub-jaz em toda a obra de Bentham. […] Uma das mais enganadoras é a da “natureza”, esta “deusa” que não cessa de obrigar os discursos e as práticas a honrá-la e a justificarem-se perante ela, quando se pode atribuir-lhe, da maneira mais arbitrária as “leis” ditas naturais, segundo os interesses e os preconceitos.[…] Sob este ponto de vista, o “direito da natureza” ou o “crime contra a natureza” não valem um mais do que o outro: são expressões que remetem a representações sociais carregadas de sentimentos que querem impor-se por “sons ocos”.


Entre os filósofos [do iluminismo], há os que, à exemplo de Montesquieu e de Voltaire, desejariam bem que não se ultrapassasse a medida em matéria de punição, mas os seus pressupostos dão armas aos defensores da mais severa punição. Nem Montesquieu, nem Voltaire, nem mesmo Beccaria afastam-se da idéia platônica retomada por santo Agostinho, segundo a qual a sexualidade deve conformar-se com uma natureza que quer a atração entre sexos diferentes e a procriação como finalidade. A única concessão que eles fazem e que os inclina a uma certa indulgência, deve-se a que a homossexualidade é, segundo eles, um produto de leis e de costumes viciosos, especialmente quando separam demais os sexos no momento em que os desejos são mais vivos.” (Prossegue).

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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