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Redação Lado A 17 de Março, 2009 18h26m

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Ofereceram-lhe uma toalha, seu rosto transbordava em suor, mas não ficou grato; tomou a toalha com indiferença. Quem o visse naquele momento teria a impressão de que segurava um pano de chão sujo por óleo queimado e rasgado em tiras de ponta a ponta.  Não se demorou. Olhava constantemente para o relógio enquanto guardava na mochila seu avental e as peças do uniforme da lanchonete. Estava a uma semana de completar um ano naquele emprego que odiava abertamente sem forças para esconder seu descontentamento, mas sem coragem para mudar, seguia a vida entre hambúrgueres e outras muitas frituras. Observou seu companheiro de trabalho, seu amigo, sentado e trocando-se calmamente com olhar baixo e vago. Repousando no mesmo banco onde sentava, um celular vibrava constantemente.


– Não vai atender? – Disse olhando para o amigo que apenas apanhou o celular, abriu, apertou um botão vermelho e fechou novamente o aparelho que voltou a ser deixado no assento.
– Hoje só há enganos para mim.
– Não era o que parecia há bem pouco tempo. Você brincava com esse aparelho parecendo uma criança. Era algum bofe novo?
– Eu tenho namorado sua louca! Ai Breno você me conhece… Não sou dessas coisas!
– Conheço muito bem e é por isso mesmo que estou perguntando…
– Escreveram meu número em um orelhão; foi só isso.
– Eita! Essas bichas invejosas!


O celular vibrou mais uma vez e nessa nova tentativa foi atendido. Breno ouviu seu companheiro de trabalho confirmando alguma coisa; não pode ouvir bem, mas entendeu a confirmação. A ligação acabou. Uma curiosidade imensa o tomou. Vontade de perguntar; medo de ser tachado como curioso. Preferia manter-se inerte e indiferente, ao menos por fora, conseguindo exatamente o que queria: a informação desejada; logo seu amigo olhou sorrindo, dizendo para se aprontar, era o namorado ao telefone chamando para irem a uma balada nova. Breno resistiu à insistência de seu amigo em convidá-lo. Acabou cedendo após fazê-lo apelar muito.


– Só por você mesmo Thiago! Eu tinha tanta coisa ainda pra fazer hoje.
– Mas são dez da noite! O que você tanto tinha pra fazer? Caçar?


Os dois riram um pouco da situação. Acabaram de se arrumar e com um leve beijo no rosto se despediram em frente ao restaurante de portas semi-fechadas; apenas uma pequena abertura, especifica para saída dos funcionários à noite, separava-os da rua.


Depois de enfrentar quarenta minutos de ônibus finalmente Breno chegou a sua casa, foi rapidamente tomando banho, imaginava que seu amigo logo chegaria; entendia ser ele a razão da saída repentina, Thiago com certeza queria sua companhia – “eles precisam de mim para serem notados” – pensava consigo. Mesmo sabendo do porte da balada que iriam e do público que freqüentava o lugar, ele não pode deixar de pensar que era seu espaço, imaginava-se vital para o bom andamento daquela noite. Precisava escolher uma ótima camiseta; não conseguia imaginar a má impressão que causaria se o vissem pela noite com qualquer roupa. Ficou indeciso entre uma Dolce and Gabbana ou uma Levi´s, ambas ganhas de seu primo do interior; a primeira opção tinha defeitos suficientes que gritavam sua condição de falsificada enquanto a segunda tinha melhores atributos. Já adequadamente vestido para sua grande noite lembrou-se de um detalhe – “São vinte reais de entrada” – e rapidamente pensou em seu velho golpe; foi ao quarto da irmã em busca de um cartão de crédito, não encontrou nada. Ele sempre roubava o cartão, e ela sempre o perdoava depois, então ele jurava não fazer mais, e acrescentava que iria pagar logo em seu próximo pagamento, mas nunca cumpria a promessa.


Precisou ser mais ousado dessa vez e decidiu levar o cartão de seu irmão mais velho. Para sua sorte a porta do quarto estava aberta enquanto o dono do cartão dormia tranqüilo na sala.


Esperava em frente ao portão de sua casa quando ouviu um carro virando a esquina. Observou as rodas, a cor, o escurecimento dos vidros, ou a falta dele, analisou o automóvel desde o teto aos últimos sulcos dos pneus, incluindo seu amigo e o namorado quando saíram para cumprimentá-lo; nada passou despercebido por seu olhar. Abraçando Thiago aproveitou para sussurrar-lhe ao ouvido.


– Um Chevete?
– Sim, qual é o problema?
– Seu ex tinha um Idea! Que decadência!
– Decadência? E essa sua Levi´s “falsifix” ?


Entre risadas e com braços envoltos pelas cinturas foram até o carro dando gargalhadas. Breno pensava consigo o quão inexperiente era o amigo. Se ao menos o houvesse consultado antes de iniciar aquele relacionamento; desastroso aos seus olhos. Será que o ouviria? Não, talvez simplesmente ignorasse seus conselhos, seria inútil. Mesmo porque, muitas vezes, não conseguia nem organizar a própria vida quanto mais organizar a dos outros. Parou de pensar a respeito quando se localizou. Estavam perto da balada. Intrigado, procurando uma forma de escapar daquela humilhação, para não ser visto dentro de um carro daquele porte, inventou uma história para o amigo: mentiu sobre um encontro marcado por um bate-papo – “Eu marquei bem aqui perto do Shopping” – conseguindo assim se desvencilhar de uma chegada desastrosa. Dentro de uma loja, com fundo de vidro para a rua, despediu-se mentalmente de sua carona. Discou para um zero oitocentos e chamou um táxi. Pediu para pagamento em cartão de crédito. O taxista estacionava em frente à balada, de grande estilo, informando o preço: “quatro e cinqüenta”. Breno estendeu um cartão de crédito tocando o braço do motorista com o objeto plástico. Seu método de pagamento não foi aceito, o valor era baixo demais. Com segurança no olhar pediu ao condutor que cobrasse dez reais utilizando o troco como gorjeta; seu pedido foi atendido sem rodeios.


Desceu devagar, caminhou calmamente, transitou entre os que se aglomeravam em frente à casa noturna; fazia-se notar com olhar superior. Era um sentimento forte vindo de seu intimo, uma segurança inabalável, acreditava ser notado por todos. Após olhar atentamente a sua volta virou-se para a grande entrada onde imaginava ouvir: por favor, nos encante com sua presença.

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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