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Amigos e companheiros de baladas

Redação Lado A 25 de Março, 2009 22h55m

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Muitas pessoas enganam-se quanto ao que são as amizades, por confundirem-nas com os companheirismos, confusão especialmente comum dentre os jovens que freqüentam as baladas.


Ela não corresponde ao companheirismo, ao usufruir-se em comum de certos momentos, notadamente os prazerosos, muito mais em razão do deleite que se encontra na atividade que então se desenvolve, do que pela satisfação da companhia.  Nomina-se, por exemplo, de amizade o assistir-se às partidas de futebol, o gozar-se da praia, o fazer-se vida notívaga nos finais de semana, tudo em comum. Até que ponto fazem tudo isto os indivíduos uns em companhia dos outros atraídos mais pelo que fazem em comum e não tanto pelas respectivas companhias, corresponde à medida em que são mais companheiros do que amigos.


Tal forma de amizade é corriqueira entre os jovens, mais disponíveis para conviverem entre si do que os que já não o são, e nisto reside uma das belezas da juventude: a capacidade, maior do que nos adultos, de viverem uns com os outros, de conviverem, de passarem mais tempo em comum,  caráter talvez principal da amizade juvenil,   feita essencialmente de companheirismo,  que induz à confusão a que aludi antes, entre companheirismo e amizade.


Este tipo de amizade é o mais efêmero: não cria laços, não se perpetua, termina ao findar aquela atividade que os uniu passageiramente. Por outro lado, pode haver amizades sem companheirismo: são aquelas em que os amigos levam as respectivas vidas em separado e comungam apenas de certos momentos; em que não desfrutam juntos de um lugar nem de uma atividade, porém um do outro. Neste caso, não são companheiros, ou se o são, é apenas incidentalmente, pois, essencialmente buscam um ao outro; busca, cada qual, no outro, uma alma semelhante, afim, com quem haja pontos em comum a ponto de poder reuni-los, em certa medida, em uma comunhão humana.


A amizade é um dado interior, corresponde a um componente da nossa intimidade. O amigo está em nós, e nós nele: a amizade é uma nota subjetiva. Por isto o companheirismo ou não é amizade, ou representa-lhe a expressão mais pobre e acidental.
 
Corresponder a amizade a uma nota subjetiva explica alguns dos seus caracteres: muitas vezes, entre os amigos transcorre muito tempo sem que eles se encontrem e quando se encontram, é como se tal lapso não existira.


Deve-se tal fenômeno  a que, malgrado o tempo volvido, nos dois amigos conservou-se latente o que os unia; conservaram-se as afinidades, a mútua inclinação, o prazer que cada qual encontra no outro.


A inclinação  de um amigo pelo outro traduz uma forma de cada um compreender que no mundo, não existe ele só, existe também o outro, quero dizer, o semelhante, o outro ser humano, encarnado especificamente no amigo. A amizade corresponde a um desprender-se o indivíduo de si próprio, do seu egocentrismo: o amigo entende que o mundo não se resume em si, que há outros mundos, outras subjetividades. Ser amigo importa um como que deslocar-se de si para fora de si, em direção ao próximo: é o que faz certas amizades assinalarem-se pela generosidade, pelo desprendimento, pelo altruísmo. Evidenciam-no alguns anexins: “Para os amigos, tudo; para os estranhos, a lei”; “Os amigos são para as ocasiões” (de necessidade).


A amizade apresenta, pois, um alto valor educativo: ela ajuda-nos a compreendermos o próximo; ela torna-nos mais humanos. Eis porque Ortega considerava a amizade como uma das quatro virtudes da juventude. Os amigos, lá dizia ele, são como duas rodas dentadas que andam sempre a girar em volta uma da outra.


Portanto:


1º) a amizade não é sinônimo de companheirismo, embora admita-o e embora ele possa enriquecê-la;


2º) a amizade é um dado da subjetividade e decorre do que cada amigo encarna como pessoa, do que representa para o outro e vice-versa.


Demais, amizade é reciprocidade, a de  “estar-se” no outro, de sentir-se no outro alguém que se estima, cujo bem se quer, com quem sentimos afinidade, por quem nos inclinamos. Ou os amigos são recíprocos, ou não são amigos. E é também por ausência ou insuficiência de reciprocidade que as amizades terminam: sem rompimento, sem atritos, sem uma causa discernível, mas porque um deles retraiu-se a si próprio, recolheu-se à sua interioridade, deixou de dar-se ao outro.


Assim as amizades compõe-se de um conviver possível, porém não indispensável e de uma afinidade, de uma reciprocidade e de uma generosidade indispensáveis. Os sentimentos também importam nas amizades, os generosos, os altruístas, os de fraternidade, de carinho, cuja intensidade varia consoante a sensibilidade de cada qual: há indivíduos mais afetuosos, outros menos; há momentos e fases da vida em que se está mais generoso e outros, em que se está menos. Em algumas amizades o componente afetivo é mais importante, noutras, menos.


Entre os amigos há de, essencialmente, predominar o sentimento de fraternidade: hão os amigos de quererem-se como (os bons) irmãos querem-se entre si: desprendimento e dedicação, sinceridade e afeição, lealdade e compreensão.


Há amizades difíceis, nada afetuosas, vagamente recíprocas; há relativa reserva de pessoa a pessoa, menor capacidade de dar-se e, conseqüentemente, más amizades, em meio às exceções. Más amizades e certos preconceitos machistas e cretinos, como o de que, afeição, só de homem a mulher e vice-versa, sob suspeita de homossexualidade. O resultado verifica-se na inépcia de muitos em matéria de relacionamentos, a sua inibição, a sua introversão. Deles, pouco se deve esperar no âmbito da amizade e, efetivamente, as suas manifestações amistosas caracterizam-se pela contenção, diria mesmo, pela sua mediocridade. Da pobreza afetiva, a escassez de fraternidade; da reserva, o individualismo; de ambas, as amizades que não chegam a exuberar, a afirmarem-se em toda a sua plenitude, a realizarem-se no quanto poderiam ser.


Na antiguidade clássica, em Roma, a forma suprema de ligação humana encarnava-se na amizade masculina: os antigos desenvolveram exemplarmente uma expressão do humano.


As amizades constituem-se também de apego, de afeição. É humano: eis tudo. E como é bom sentir-se o carinho de um amigo; como é bom abraçar-se um amigo, carinhosamente, apertadamente, demoradamente, calorosamente: há mesmo, nisto, uma sensação de prazer emocional e de bem estar físico, pura de conotação sexual, a cujo propósito qualquer suspeita denuncia apenas míngua de sensibilidade em quem a formula, inibição ou preconceito, conjunta ou separadamente, traços, aliás, vulgares, em que raramente se toca.

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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