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Entrevista com Allan Johan – Revista Lado A completa 3 anos de muito sucesso

Redação Lado A 29 de Abril, 2009 21h21m

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Com  mais páginas e conteúdo, a revista completa 3 anos  pronta para ultrapassar novas fronteiras


A idéia da revista nasceu quando Allan Johan ainda estava na faculdade, em 2005, quando o professor sugeriu que ele fizesse uma revista GLS como projeto na disciplina de Arte Gráfica.  A sugestão veio, pois na época Johan já era assumido e militante.  Em entrevista, Allan comenta que aconteceu uma coisa engraçada.” Não consegui imprimir o projeto em tempo, ele não aceitou o atraso, mas recebeu dois dias depois, o professor falou que eu tiraria dez e mandou fazer uma resenha de um livro para me dar nota”, conta ele. Um ano depois, eles receberam  o prêmio Sangue Novo, na disputada categoria Projetos Especiais, o maior reconhecimento de projetos acadêmicos em jornalismo  do estado do Paraná. Hoje, a revista é reconhecida pelo público GLS do Sul do país como um dos principais veículos de comunicação que fala para os gays e simpatizantes.

Em comemoração dos 3 anos de sucesso da revista, ninguém melhor para ilustrar a construção da historia  da Lado A, que trouxe para os gays um novo conceito de jornalismo, com cultura, informação e entretenimento e não apenas “rostinhos bonitos” e “corpos sarados”.Allan Johan, jornalista e editor da revista, foi entrevistado sobre a Lado A, os gays e os seus próximos planos.

Gabriel Rodrigues: Por que o público GLS?
Allan Johan: Não sei. Talvez por, na época, só termos a G Magazine, não havia revista GLS sem nu. Antes teve a Sui Generis, mas que não durou muito. Creio que eu escrevi algo que eu gostaria que existisse.

G:. A Lado A é hoje a mais antiga revista gay sem conteúdo erótico em circulação, você acredita que a cultura e informação estão ganhando mais espaço no cenário gay do que apenas corpos sarados e bonitos?
A:Sinceramente, o mercado editorial gay é complicado. As revistas em bancas não vendem muito e as gratuitas dependem da própria comunidade ou de outro negócio. A Lado A é uma exceção, por misturar anunciantes grandes e pequenos, consideramos isso um reconhecimento muito grande. Sobre corpos sarados, mais uma vez, as outras revistas tem sempre homens desnudos, nós só colocamos na edição de Carnaval e Verão, isso acho que prova que a cultura é secundária na maioria dos veículos.

G: Alguém disse que talvez essa idéia de “abrir” o mundo Gay não daria certo, que não haveria publico para isso?
A: Antes de vender o primeiro anúncio ouvi um publicitário dizer que não gostaria que a escola de inglês do filho dele colocasse anúncio em uma revista gay, pois não combinava com educação. Eu, como sempre respondão, disse que talvez ele devesse se perguntar o que o filho dele faz no curso, se ele vai estudar ou paquerar. Na mesma edição o modelo de capa amarelou no estúdio, não queria mais… tinha tudo para desanimar mas insistimos e valeu a pena. Público eu tinha certeza que haveria, pois eu sentia falta.

G:O seu publico é fiel e cresceu junto com você, como é a relação com seu público?
A: O público é da revista. Embora a minha pessoa esteja muito ligada a Lado A, gosto de enfatizar isso. Eu vinha de 4 anos com colunas em jornais locais, de um blog da internet. A revista foi uma surpresa boa na comunidade e a admiração das pessoas foi crescendo, os acessos, a tiragem, tudo foi resultado de um trabalho grandioso de muitas pessoas. Hoje temos cinco pessoas empregadas na revista e mais 12 colunistas e uma infinidade de colaboradores. Acredito que as pessoas vão somando, independente de ser o Allan, o projeto é de todos. Então a revista preza muito a opinião dos seus leitores, estamos sempre buscando aprimorar e corresponder. É um trabalho árduo mas os resultados mostram que estamos no caminho certo. Tentamos nos comunicar sempre com os leitores, todo dia respondemos uns 20 e-mails e o mesmo número de comentários. Pouco, perto dos 5 mil acessos diários. Acho que o povo não se manifesta tanto quanto deveria.

G: A revista, o site, o blog tem ajudado muitos gays a se entenderem, a se aceitarem e buscarem informação e conhecimento, qual o seu próximo passo com esse publico? Quais são os seus próximos projetos?
A: Eu quero montar um restaurante gay em Curitiba no segundo semestre, pro pessoal ter um local para pegar na mão de quem ama, paquerar, comer bem e se sentirem seguros. A Lado A vai ganhar uma revista irmã, pro público hétero de Curitiba, a revista Tutto, em julho. E vamos fazer uma marca de roupas até 2010, pois tem muita gente que nos pede souvenires e camisetas.

G: Qual o Lado B da revista? (Porque Lado A e não lado B?)
A: Então, em maio estréia, é uma coluna só com fotos de momentos não publicáveis, micos, bafos e imagens que valem mais que mil palavras. Os leitores poderão enviar imagens de celular também. O lado B todos temos, é aquele que escondemos, quando acordamos de mau humor, que existe, está lá, mas não deve ser mostrado. A coluna de fofocas, super hit que criamos, tem um pouco disso.

G:O cenário gay em Curitiba, no Sul esta mudando?
A: Olha, mudar sempre muda. Acredito que falta o público exigir isso para nortear essa mudança. Estamos ficando um pouco para trás quando supervalorizamos o que vem de fora, deixamos de reconhecer o que é nosso. O público de boates viaja e gasta mas não gosta de gastar na sua cidade, não sai muito, não se mobiliza para eventos da militância. Fica difícil mudar muito. Continuamos seres noturnos. Ser gay no Sul é ir pra boate e fazer sexo. Claro, tem muita gente que busca cultura, nos lê, mas a maioria dos gays ainda é enrustida, entra no bate-papo e diz que gosta de macho, que é macho, mas na hora de sair do armário ou lutar pelos seus direitos se esconde.

G:A contribuição da revista lado A para com  o leitor , esclarece, informa uma possível nova identidade gay onde é possível ser quem você é sem ter medo. Você acredita que este público esta mais crítico?
A:Com certeza você pode ser quem você é, quiser, mas o importante é ser quem você precisa ser. Temos alguns valores que ficam claros na nossa linha editorial. A autenticidade é um deles e, infelizmente, são poucas as pessoas autênticas no nosso meio. O medo vem da mudança, do novo, não há motivo para medos quando se sabe o que quer. Ter medo é não se conhecer. Quem se conhece não tem medo. O público gay é como o brasileiro: reclama mas não faz nada para mudar.

G: Várias matérias, reportagens, crônicas que são postadas no site e que são publicadas também nas revistas procuram “olhar” para um novo horizonte onde é possível por exemplo amizade entre homo e heterossexuais, enfim a quebra do preconceito, qual o cuidado que se tem quando são abordados estes temas?
 A: A gente tenta não generalizar, uma tarefa quase impossível. Tem de tudo nesse mundo e queremos que as pessoas entendam isso. Gay, homo, hétero são rótulos, são reducionismos da diversidade humana. Temos que defender o direito dessa diversidade. Acredito que este seja o futuro, por mais que sejamos condicionados a classificar tudo a nossa volta, desde Aristóteles, temos que perceber que tudo é possível. Tentamos entrar no meio termo, nem muito conservador, reacionário ou revolucionário.

G: Na sua visão jornalística,existe preconceito entre os próprios gays e seu estilo de vida?
A: Existe e é bastante questionável como podemos ter preconceito se sabemos que a orientação sexual mesmo é inerente a nossa vontade. Há decididamente preconceito contra as travestis, os afeminados, gordos e tantos outros. Mas não é exclusividade do nosso meio. O campo do desejo é involuntário e pulsante. Não podemos questionar por exemplo quem gosta de transar a três ou escatologia, podemos sim criticar o efeito devastador das drogas, os crimes, os maus-caracteres, mas devemos perguntar se essas pessoas são assim porque querem ou porque precisam disso, se está nelas. É muito complexo. Acredito que há muita gente que é assim e pronto, precisam de drogas para serem felizes. Quanto aos maus caracteres, na minha vida, prefiro me afastar delas.
 
G:Você sofreu “represálias” dentro do próprio mundo Gay? Por abordar  temas polêmicos etc.?
A: Mais por comentar fatos que as pessoas acham que não podem ser comentadas, como situações que ocorreram dentro de casas noturnas, que envolvem políticos ou pessoas que acham que não há liberdade de imprensa. Algumas casas jogam a nossa revista fora, por causa disso, nem deixamos mais lá. Volta e meia, pedem para apagar alguma nota, quando o argumento é válido, até tiramos. Sobre temas polêmicos, o pessoal gosta, na parte de matérias nunca teve nada não. Alguns empresários reclamaram de uma bunda na última edição, mas a gente se finge de morto e bola pra frente. É o nosso papel informar. Preservamos nomes sempre, nem por questão legal, mais para as pessoas verem que não queremos prejudicar ninguém, apenas fazer o nosso trabalho.

G:Quando as matérias são escritas, é pensado no homossexual não assumido por exemplo que muitas vezes gostaria de ler a revista mas que por medo, tem vergonha de se expor? Ou até mesmo com a homossexualidade que não é aceita e se torna enrustida, o chamado ” dentro do armário”, como você procura se aproximar desse possível leitor?
A: Muitos dos nossos leitores estão no armário. Tentamos abordar os fatos de diversos ângulos, dando diálogo para todos os subgrupos do nosso meio. Sair do armário é uma opção, o que a gente critica é o enrustido que tem nojo da própria comunidade. Tentamos criar um ambiente saudável. Muitos levam a nossa revista para casa por ela ser discreta, repartem com os amigos. Tentamos mostrar que o gay não precisa se envergonhar da sua comunidade, dos seus semelhantes e quebrar o estereótipo que existe, pois nem todos querem ser vistos como promíscuos, drogados ou afeminados, embora não tenhamos nada contra nenhum deles.

G:” Homem” fala sobre futebol, “mulher “sobre fofoca  e os gays o que tem a dizer?
A: Gays falam de futebol (dos homens bonitos, das pernas), gays adoram fofocas e falam sobre tudo. Aquele gay que fica preso ao mundo da noite não se mistura, não tem assunto, bem como aquele que não sai. Acabam não tendo contato com a realidade. Temos gays de todos os tipos, até virgens! E são nossos leitores, sempre sugerem matérias… gays são pessoas normais e é isso que queremos passar. Um exercício legal é sair do seu mundinho e conhecer novos horizontes. Quem não pode viajar o mundo, tente conhecer um universo diferente do seu dia-a-dia. Não podemos nos acomodar e perder a noção de espaço e tempo. Tem de tudo e ninguém é melhor do que ninguém.

G: Hoje, em Curitiba, se um casal homossexual for visto juntos de mãos dadas ou se beijando, as pessoas ao  redor estão mais “simpáticas” a ponto de não ligarem se o casal que esta junto é do mesmo sexo ou não?
A: Tem uma diferença entre o gay rico e o pobre. Num subúrbio ele seria agredido, no Batel (bairro nobre) ele seria olhado e talvez xingado. O preconceito contra nós é covarde. Ele se dá quando estamos em desvantagem e quando sabem que não tem ninguém olhando. O preconceito existe, há alguns lugares a salvo mas é um risco se expor fora das casas GLS. O mesmo acontece em casa, o pobre é expulso de casa, espancado, o rico vai pro analista ou pra Europa em um exílio perfeito.

G:O que a Lado A ainda pretende fazer/criar/mobilizar/incentivar/informar para o publico GLS?
A:Agora vamos aumentar a quantidade de anunciantes e páginas, a tiragem, fazer eventos e se segurar por causa da crise. Por isso estamos diversificando nosso leque de produtos. Além da revista para o público hétero, de uma marca de roupas e possivelmente um bistrô, estamos investindo no nosso escritório. Este são os planos para este ano.

G:A lado A fala para os heterossexuais também?
Fala sim. Vem muita gente por meio do Google. Alguns comentários homofóbicos não colocamos no ar. Temos um diálogo grande com os héteros pois apesar de ser uma revista para o público gay, não queremos nos isolar. Então temos muitos leitores não gays, que chegam a adorar a revista, comentam nas matérias de sexo com suas experiências hétero, por isso criamos um produto para eles.

G:Qual é o lado A do Allan? E o lado B?
A: Tenho muita força de vontade, sou sincero, sonhador, comunicativo e amigo. O meu lado B? Bem, muita gente me acha antipático (péssima característica para um jornalista), na verdade  sou extremamente acessível e fácil de pegar amizade. Ah, e por causa das muitas horas na frente do computador eu fico com os olhos doendo, então por isso às vezes eu não enxergo os conhecidos (quase todo dia dou oi para alguém que não era quem eu pensava que era) e passo com a cara fechada. Também ando sem tempo, então pode ser que eu não dou a atenção que a pessoa merecia. Quem não gosta de mim eu tenho certeza que houve algum mal entendido, geralmente eu reverto isso quando a pessoa me conhece.

Bem ,esse é o Allan  um cara admirável, de caráter e fibra. A revista Ladoa A esta de parabéns pelo trabalho que realiza. Sucesso ao Allan e a toda equipe que faz tudo acontecer!

Nota: Este texto foi feito para entrar na revista de 3 anos mas ficou grande demais. Optamos por publicá-lo na íntegra no site. A proposta partiu da redação ao estudante que já havia entrevistado o editor para outra matéria do seu curso universitário. A entrevista foi feita por email.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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