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Morte em vida – A mãe do Diego

Redação Lado A 21 de Maio, 2009 21h50m

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Esta semana, conversei com a mãe de um menino homossexual que se matou há quase cinco anos. O caso na época foi comentado na comunidade, assim como todo caso de suicídio, que infelizmente é uma realidade. Quem mora em região de prédios sabe que é mais comum do que se pensa. Diego se jogou do escritório de seu pai, aos 23 anos, do décimo sétimo andar, em plena rua XV de Novembro, em 2004, no Centro de Curitiba.

Conheci sua mãe há quase um ano. Seis meses depois de convivência diária, comentávamos os presentes de Natal. Como ela havia ganhado vários, perguntei a quantidade de filhos que ela teria. “Dois, mas um já faleceu”, jamais esquecerei o início da conversa que nos traria até aqui. Perguntei se fazia tempo, e ela disse que quase cinco anos. Perguntei se foi repentino, movido por uma curiosidade inconveniente. “Ele se matou” ela disse com toda sua doçura característica. Eu fiquei sem palavras, a conversa poderia ter terminado por ali, mas algo a fez falar mais “23 anos, formado em direito”. E uma luz acendeu e eu me lembrei, era o “Diego”. Confirmei que era ele e desconversei dizendo que tinha estudado com a sobrinha dela, que comentou o assunto certa vez. Alguns dias depois ganhei o livro que a mãe fez com os poemas do filho morto. “Essa mulher amava seu filho demais,” pensei. Não consegui ler o livro, era muito triste.

Diego. A quem tanto eu aprendi a gostar por causa de uma amiga em comum, a Maitê Schneider, que na época até fez um site em homenagem ao amigo. A quem eu escrevi um roteiro de um filme mórbido, que me fizesse entender o que aconteceu, embora eu nunca tenha entendido. Tínhamos a mesma idade, ambos eram gays. Diego… a quem uma semana antes de sua morte eu vi em um banco na balada, olhando para o chão, e pensei em ir falar com ele e não fui. Apesar de tudo isso, de alguma forma, não consegui encarar aquela mãe de cabelos grisalhos e olhar penetrante. Eu não tinha esse direito. Passaram-se mais cinco meses até que ela faltasse ao curso e eu conversasse com a sua amiga e consogra sobre o assunto. Óbvio que o assunto foi comentado e na semana seguinte estávamos em um café conversando. Eu e a mãe do Diego.

Senti um pouco da dor dessa mãe que descobriu que o filho era homossexual depois de sua morte. Que teve que lidar com um suicídio não anunciado, não previsto, não compreendido. Falar no Diego era bom para esta mãe que sofre por achar que teve algum tipo de culpa, que também não entende o que aconteceu, que acha que não deixou claro para o filho que ele poderia contar com ela para tudo. Independente dos motivos que levaram o filho a se matar, ela o queria, queria poder ter tido a chance de convencê-lo a não acabar com sua vida. Queria ter conhecido o filho, como ele era, o outro lado que ela só soube da existência graças ao site montado pela amiga transexual, após um segundo choque.

Naquele café choramos e tentamos entender algo. Eu, entender o rapaz que poucas vezes vi e dei oi na balada, e a mãe que buscava desesperadamente conhecer o filho que se foi. Algumas informações me ajudaram a ter idéia do que aconteceu. Diego quis poupar os pais de coisas que aconteceram com ele, preferiu a morte a encarar e decepcionar os pais. E aquela mãe guerreira ali, dizendo que apoiaria o filho em qualquer combate. Eu estava constrangido em ter levantado o assunto que deve ser uma ferida enorme no coração daquela mulher, até que ela me deu mais uma vez uma luz: “Por favor, se você puder comentar com outros para que eles não façam suas mães passarem por isso, eu agradeço”. E aqui estamos. Cinco anos depois da morte do Diego, um ano após conhecer sua mãe, a implorar que os filhos tentem buscar outra saída aos seus problemas, que evoquem o amor incondicional dos seus pais, por mais que achem que eles não estarão do seu lado, eles sempre estarão. Não fuja assim sem tentar, por mais nobre que pareça, o suicídio não é uma saída feliz, não para quem fica. Tenho certeza que esta mãe sentirá esta dor até o último dia de sua vida, que nada lhe preencherá esse pedaço que falta em sua alma. Todo o medo e dor foram transferidos, nada e nem ninguém poderá consolar o coração desta senhora que perdeu o filho para o nada, de repente.


Então amigos, valorizem mais suas mães, confiem mais nelas e nunca traiam este sentimento que jamais será compreendido senão por quem vos carregou por nove meses, sentiu dor e o peso de dar luz a uma vida. Elas não merecem sentir culpa, não merecem achar que não foram competentes. Elas não merecem enterrar seus filhos sem conhecê-los.


 


TÊNUE
Diego M. F.



Bondade                     Maldade


   Loucura                 Sanidade


          Vida              Morte


             Azar         Sorte
                   
              Ódio      Paixão
         
            Cérebro  Coração
                      
                LivreArbítrio 


Poema retirado do livro póstumo “Sonhos”.

Foto: Pietà de Michelangelo

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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