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Sobre o medo da dor da perda

Redação Lado A 10 de Agosto, 2009 21h36m

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Em maio desse ano conheci David Jackson (ou D.J.), 49 anos , e estamos num relacionamento desde então. Ele é fotógrafo, o seu tema central é o nu masculino erótico. Eu tenho 22 anos , não tenho emprego definido até então, passando de poeta a recepcionista de sauna gay, qualquer coisa que pague minha cerveja, meu video game e meu aluguel.


Sempre preguei o amor livre e fui contra a tolice de que nós, seres humanos, achamos que pertencemos ou que possuimos outro ser humano, o que é conhecido como escravidão, dependendo de como aplicado. Bom, a história com D.J. é diferente e confusa, um pouco estúpida e tem uma pitada de malícia. Ele me mandou uma mensagem em Janeiro, mais ou menos, pedindo para tirar fotos minhas. Na minha cabeça aquilo era armação pra me levar pra cama, e na época eu não queria trepar com meio mundo, e sim arrumar um namorado (coisa que fiz dentro de 2 semanas, se não me engano) e disse que não. Ele perguntou se podia falar comigo quando fosse para Vancouver (ele morava, e mora, em Edmonton) e eu disse que tudo bem.


Quando ele foi pra Vancouver, em maio, me procurou e no momento que eu o vi, me apaixonei. Tipo Branca de Neve e contos de fadas, coisas do tipo.Estou contando isso mais como um desabafo, mas o ponto em que eu quero chegar é sobre ciúme e amor e essa coisa estúpida que nós temos sobre posse.


Sinto ciumes de tudo o que ele faz, tudo. Desde checar e-mails, sair com amigos, ficar no Facebook… E eu sempre preguei o amor livre, daí fico imaginando de onde é que vem esse sentimento, que é horrível, pois como diz o poema, corrompe e corrói. Acho que vem da solidão, da falta de auto estima, da farsa que é a vida e de desejos mal desenvolvidos.


Sinceramente, eu não tenho motivos pra ter ciúmes dele! Vamos e venhamos, ele deveria ter ciumes de mim! Eu sou o moço aqui com libertinagem a flor da pele! Porém, criança. Acho que é isso, não sou maduro suficiente pra entender o que ele entende. Tem a coisa em que canadenses são frios, realmente acaba que nada se compara com o brasileiro. O que pra nós é o normal (o dar atenção, o estar sempre de mãos dadas, grudados e se beijando) pra eles é demais.


Eu preciso do toque, da atenção, do carinho, do afeto. E ele só quer alguém pra fazer companhia, as vezes nem pra isso. Será que a atração que sentimos por homens mais velhos é pra substituir a figura paterna ausente ou escassa? E porque acabamos cometendo os mesmo erros? Sempre o mesmo profile de homem, sempre o mesmo tipo de relacionamento, sempre as mesmas discussões, sempre os mesmos problemas e argumentos. Sempre os mesmo erros.


Teoricamente temos que aprender com os erros, não repetí-los. Essa tendência para relacionamentos errados, muitas vezes destrutivos, pode vir dessa coisa humana de querer o que não pode ter. Isso me lembra do filme Apocalypto, onde eles estão sentados em volta da fogueira e o pajé diz que o homem tem um buraco que não pode ser preenchido por nada e no fim esse buraco acabará por consumí-lo.
Faz sentido.


Quando eu tenho sexo com ele, penso em fazer parte dele, de ser um com ele, seria essa uma antropofagia? Comer alguém, será por isso que dizemos isso? “Vou comê-lo”? Sinto como se quisesse devorá-lo mesmo, degluti-lo, mastigá-lo. Você já transou com alguém e teve vontade de chorar? Não de tristeza, e não sei se era felicidade, era uma vontade de chorar.

Será que essa vontade de “comer” faz parte desse ciúme doentio de querer possuir, querer guardá-lo dentro de mim? E por que, POR QUE, o fato dele transar com outra pessoa é algo tão perturbador? Pessoas transam, o que tem de demas nisso? Será que existe uma explicação biológica do tipo: O ser humano sente ciúmes como um meio de proteger os próprios genes, pois se seu parceiro tiver correlações ele corre o risco de reproduzir um gene que não é seu ?


Eu queria uma vacina, uma cirurgia, algo que pudesse remover esse sentimento. E não acho que ciúme tenha haver com confiança, porque eu confio no meu namorado mas morro de ciumes dele. Ás vezes, pode ser mais a dor ou o medo da dor, mais medo da perda do que egoísmo. “O ciume é o medo de roubarem o que é meu”, já diria Vanessa da Mata.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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