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Bêbados e drogados. Aos jovens.

Redação Lado A 19 de Outubro, 2009 14h26m

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Entre a minha geração e a atual, vale dizer, de vinte anos a esta parte, noto duas diferenças, dentre outras: há etilismo e há vício.

Há séculos existem bebidas alcoólicas, que, como no caso do vinho na Europa, correspondem à bebida usual, e de que, como no caso do Brasil e de outros países (inclusivamente europeus), abusa-se. Vinte anos atrás, a minha geração (conto, hoje, quarenta e três de idade), tomava cerveja e outras bebidas espirituosas, nas baladas e nas festas, com uma contenção que geralmente se adotava. Embora os houvesse, eram relativamente incomuns os casos de excesso e os seus efeitos, desagradáveis, de vômitos e, extremos, de inanição por coma alcoólico.

Hoje, os jovens bebem mais cedo, mais e bebidas mais intensas na sua graduação alcoólica, fora das baladas e antes delas: vulgarizaram-se, até certo ponto, cenas de grupos em que a botelha circula entre os circunstantes, que bebem no gargalo, não somente cerveja, como, também, vodca, uísque, licores, vinho, com escasso comedimento. Importa-lhes beber, pelo gosto de fazê-lo, o que lhes origina, como efeitos (em graus diversos) a perda da consciência, os descontroles do dizer e do fazer, as atitudes inconvenientes, a prostração no caso do excesso, a amnésia do quanto se passou durante a etilização, a ressaca, os acidentes de viação.

Houve involução de costumes: de uma geração minimamente responsável no beber, passamos a outra, licenciosa e, para dizer o mínimo, imprudente, quanto não abertamente irresponsável.

Não posso compreender que atração exerce sobre alguém sadio (fora, portanto, dos casos de alcoolismo patológico, que a soltura de costumes favorece), perder o controle e a consciência de si próprio, vomitar, tornar-se incontinente e inconveniente em dizeres e atitudes, desfalecer, sofrer o desconforto da ressaca, exalar bafo etílico, tudo isso não por exceção, e sim quase como um modo de vida nos finais de semana.

A minha geração, em moça, era homofóbica, porém dotada de senso de limites e de responsabilidade, muito mais do que a atual, em matéria de bebidas.

Vinte anos atrás, havia drogas em circulação entre os jovens, em proporção, contudo, inferior à atual e que se usava discretamente, quase às ocultas. Hoje, os jovens fumam maconha às escâncaras, na rua e de dia, sob a observação de qualquer circunstante. Usam, também, com notória desinibição, as demais drogas, de efeitos mais graves, que se difundiram nas baladas e fora delas, e cujos danos físicos e psicológicos existem, dos quais é dramático o da dependência, escravidão destruidora e dispendiosa.

Não haveria o uso das drogas se ele não fosse agradável: a lógica dele consiste na fruição dos efeitos imediatos delas e na desconsideração dos danos que originam. Adota-se um prazer momentâneo, que custa malefícios ao corpo e que, semelhantemente à ingestão alcoólica, remove, em medidas variadas, o controle sobre si próprio, leva à imprudência de atitudes, para mais de outras conseqüências físicas, sabidamente deletérias. 

A minha geração, em moça, era homofóbica, porém dotada de senso de limites e de prudência, muito mais do que a atual, em matéria de drogas.

Em ambos os casos, das bebidas e das drogas, a curiosidade induz à experiência, a imprudência pessoal facilita o uso, as más companhias fortalecem a imitação dos vícios. Em ambos os casos, falta sentido de responsabilidade, firmeza de atitudes, consciência dos males por evitar e persistência no evitá-los.

A minha geração, em moça, era homofóbica, porém dotada de mais caráter do que a atual, em matéria de álcool e de drogas.

Há quem justifique o uso de um e das outras com o argumento de que, em face da liberdade individual, cada um é livre para atuar como entender, desde que não interfira com o seu semelhante.

De acordo: há liberdade individual e deve haver responsabilidade social, quero dizer, ninguém vive isoladamente, todos vivemos em meio aos outros, somos membros uns dos outros e as ações, reações e omissões de cada um interferem, em diferentes graus, nos demais. Daí que a liberdade, ao invés de puramente individual, apresenta um caráter social; daí a obrigação de cada um saber comportar-se perante os demais, saber evitar o que prejudica a si próprio e pode prejudicar a um terceiro qualquer. 

O senso da liberdade como valor individual leva a uma conseqüência: à de o indivíduo zelar pela sua sanidade ou dela descurar, em atenção exclusivamente aos desconfortos, físicos ou psíquicos,  que experimente,  sem nenhuma consideração pela sua inserção no meio social, quero dizer, pela forma como o seu vício afeta a outrem. Trata-se de uma liberdade egoísta, fundada no desprezo da existência do indivíduo como integrante da sociedade e que não atribui a cada qual responsabilidade alguma perante ninguém.

O senso da liberdade como valor social leva a uma conseqüência: à de o indivíduo zelar pela sua sanidade, no interesse da sua utilidade como integrante de uma coletividade, em que a sua capacidade de discernimento, de ação, de sentimento, de pensamento, podem contribuir utilmente para si próprio e para os demais. Trata-se de uma liberdade altruísta, fundada na realidade de que cada indivíduo existe como parte de uma sociedade, sensível à forma como o seu vício e a sua sanidade afetam a outrem e que atribui a cada qual uma responsabilidade perante a família que integra, a pátria em que vive e a Humanidade a que todos pertencemos. Eis a opinião do Positivismo, criado por Augusto Comte, cujo lema é Ordem e Progresso, e que adota o ponto de vista social.

Que pretende a geração atual, de quantos contam, hoje, cerca de vinte anos? Mais liberdade e com ela mais respeito pela diversidade e menos homofobia? Mais liberdade e com ela mais insensatez, mais imprudência, mais irresponsabilidade?

A temperança, a sobriedade, o senso de limites, a firmeza de caráter, a responsabilidade social, equivalem a virtudes. Equivalem a vícios a intemperança, o desregramento, o entregar-se aos apetites, a fraqueza de caráter, o individualismo: à geração atual falta engrandecer-se com os primeiros e abandonar os segundos. Quando o fizer, será uma geração melhor do que foi a minha.

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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