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Nossas autoridades

Redação Lado A 02 de Dezembro, 2009 16h55m

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Aniversário. Comemoravam um ano. Dênis festejava seu mais longo namoro; naquele demorado beijo em Heros. Vinho compartilhado, uma taça para ambos: restaurante lotado, mas aquela cumplicidade, daqueles dois, compelia um silêncio onde suas respirações produziam falas extraordinárias.


Um sonho, ou delírio, preencheu pensamentos: “Quero te assumir, nem que seja pelo escuro dessa noite!”. Foram embora sentindo tal desejo aflorar. Heros parou em pleno parque Barigui. Rotatória vazia: apenas sombras tomavam conta daquele bosque desabitado, talvez humanizado.


Saíram caminhando pela pista principal, mãos dadas, comemorando aquela possível paixão que desafia os obstáculos. Dênis entrelaçou seu companheiro por trás, andava apoiado em seus ombros, exultante. Barulho: um transeunte que assustado pela cena, desviou rapidamente, entrou pela rua transversal. Assustados se afastaram, fingindo serem apenas conhecidos caminhando naquela via pública.


Carro aberto pelo controle. Entraram amedrontados; mal estar repentino tomou conta inebriando aquele momento sublime: “Calma”. Heros relaxou, tentou dar a partida sem sucesso, todavia olhou seu companheiro com ternura: “Cê que precisa desestressar um pouco”. Nem esperou resposta, distribui pequenos selinhos naqueles lábios que venerava. Por um momento se abraçaram, tentando esquecer tanta mediocridade. Luzes acesas, uma janela se abriu. Eles nem perceberam…


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Seda. Erva. Uma linguada pra prender. Baseado pronto. Sempre fazia em casa, temia ser encontrado com pacotinho em mãos. Foi para seu esconderijo, não sem antes despistar aquela mãe receosa: “Já volto!” que com preocupação maternal se volta para um adolescente intrépido “Vai pra onde, Cubas”. Semblante envolto por ódio, pensa em sair sem responder, mas é vencido pela obediência: “Não me chama pelo sobrenome, PORRA!! Vou dar uma volta pelo parque”. Porta fechada; nem esperou resposta ou aprovação. Checou se tinha guardado seu fumo: mãos enfiadas por dentro daquelas calças quase largas – não é mais possível determinar quão larga uma roupa pode ser hoje em dia – e estava lá, bem aninhado.


Tentou voltar, se desculpar. Cansaço. Não adiantaria nada, ainda teria mais alguma discussão boba. Caminhou, encontrou seu point perfeito, sentou-se observando capivaras assustadas, rumando para uma água marrom, fugidas.


Última tragada. Dedos queimados; ponta quase imperceptível jogada pelo ar. Voltava mais leve, buscando mentalmente algum modo para se retratar, enquanto andava contra aquele vento noturno. Corpo livre, cheiro disperso.


Dois homens abraçados atravessaram seu caminho, apressou-se; quase correu, mas tentou parecer calmo. Entrou pela casa. Gritos: “Mãe tem uns viado… filhadaputa se abraçando…” respondidos por olhos arregalados: “Onde meu filho?”.
“Nessa esquina, devem estar indo trepar em algum lugar pelo parque” correu para seu quarto “Vou ligar pra polícia!!” acudido por uma voz suplicante “Não se mete com essa gente, filho!!”.


Telefone em mãos, janela aberta. Luzes acesas…


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Despertador gritando. Tive que acordar; mais um dia interminável começaria. Beijei meu pequeno – seu bercinho estava tão arrumado – ainda deslizei meus dedos por sua pequena e frágil testa.


Transito caótico, tentei ser prudente, mas minha manhã já se desfazia por entre buzinas e gritarias. Entrei pela canaleta – sirene acesa, mas sem som – ultrapassei um bi articulado, furei aquele sinal temendo ser pego. Motorista assustado. Cabisbaixo temendo por minha reação; levantei meus olhos pelo retrovisor central, com poder.


Cheguei atrasado. Alguns gritos me acompanharam. Trajetória até meu refúgio: num canto tinha café fresquinho sobre uma pequena mesa quebrada. Passei minhas horas atendendo chamados estúpidos. Pelo menos para mim não tinham grande importância.
Faltava meia hora pro fim daquele turno entediante. Onze horas trabalhadas. Chamado emergencial; um garoto pedia ajuda, pois havia pervertidos pelo parque Barigui. Tentei ser forte, fui tranqüilo.


Um carro balançava estacionado em plena rotatória. Parei, desci e quando estava muito próximo, uma janela se abriu. Dois homens. Não me agüentei: “Mas tinha que ser uns viado mesmo!!!”, gritei com força aquelas palavras.


Estavam paralisados, pediam desculpas, claro que aproveitei pra gritar mais alto: “Vão se fuder agora seus desgraçados”. Como queria quebrar ambos com muita porrada; pior pra mim que seria crucificado, seria notícia, aqueles viadinhos militantes viriam ajudá-los. Nem podia realmente prendê-los, mas podia meter medo: “Pra economizar quarenta reais vão passar essa noite presos!!!”. Um deles me olhou: “Como assim quarenta reais, cê quer…” esbravejei olhando bem fundo em seus olhos “Cuidado com que vai falar seu lazarento, não to querendo suborno, teria sido mais barato terem pago um motel!! Isso aí é ato libidinoso, tão fudidos agora”.  Nem podia realmente fazer nada, mas precisava amedrontar aqueles depravados; puxei meu rádio, fingi contatar alguém, eles tremiam. Tive ânsias naquele momento olhando mãos suando, deslizando pelo volante, continuei minha cena: “Estão vindo, desapareçam daqui antes que cheguem! Rápido ou mudo minha cabeça, aí vão os dois pra cadeia!!”. Ainda chutei seu carro enquanto, apavorados, mal conseguiam dar partida…


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Suas mãos tremiam, Heros mal conseguia segurar aquela chave, tudo parecia girar; Dênis ainda tentou manter-se calmo para ajudá-lo, sem êxito.


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Sua mãe entrou devagar, contando passos, se aproximou e olhou pela janela; Cubas virou assustado prendendo seu celular entre dedos. Ambos com medo.
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Turno acabado. Iria embora finalmente. Ainda precisei responder um último questionamento: “Que aconteceu?” que respondi com cansaço “Nada! Parque vazio!”.


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Parou. Semáforo fechado. Ouviu reclamações: “Ta tudo vazio, passa logo Heros!”.


*****


Aparelho vibrando. Suas mãos tremiam. Agüentou berros: “Solta logo isso meu filho!”.


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Cheguei cansado. Ouvi choro. Esposa gritando: “Já chegou? Faz esse piá se aquietar!”.


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Soltou aquele volante, esbravejou com Denis:


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Jogou seu celular e por impulso gritou:


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Já pela cozinha olhei minha esposa e exaltadíssimo ordenei:


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“CALA BOCA!”

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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