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A cena teatral curitibana – Entrevista com o diretor César Almeida

Redação Lado A 02 de Março, 2010 18h48m

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Mês de Março, Curitiba está no maior agito, isso porque nesse ano o Festival de Teatro de Curitiba estará em sua 19ª edição. Desde 1991 já são mais de 3000 mil espetáculos apresentados e de 16 a 28 de março você pode conferir uma programação intensa de eventos na cidade, na sua mostra oficial e paralela – FRINGE.

O dramaturgo e diretor César Almeida, conhece bem essa realidade de trabalhar no Festival, e é uma figura conhecida na cena teatral da capital Paranaense, são mais de 25 anos de teatro, nos quais já dirigiu cerca de trinta espetáculos, entre eles “Ardor”, “Autoridade do desejo”, “Almas Curitibanas”, entre tantos outros.

Incompreendido, sua peças quase sempre passam pelo mundo GLS e mostram o lado “podre” do qual nem sempre queremos ver.

Qual seu método de trabalho?
Não acredito em método de trabalho, sou pura intuição e cada novo trabalho pede uma nova concepção que vai me guiando por um feeling muito pessoal. Inclusive falo disso em meu ensaio – Método simples para teatro contemporâneo – publicado no meu primeiro volume do livro Teatro da Rainha de duas cabeças.

Sua estética é definida pela cultura “Queer”, o que é exatamente?
Queer é uma denominação para toda manifestação artística de cunho gay e eu não acredito em arte destituída de uma forte influência sexual, e quando esta arte é produzida por um autor gay esse produto será gay, do contrário seria uma farsa pseudo heterossexual, sem verdade alguma, sem validade para si e para o público.

Estamos aí com o grande evento do Festival de Teatro de Curitiba, fale-nos um pouco a respeito?
Acho uma grande Babel amadora desqualificada e sem graça, esse ano eu estaria apresentando espetáculos, mas acabei desistindo pois realmente estou cansado dessa farsa chamada Festival e não tenho vontade de mostrar meu trabalho nele.
 
È uma falta de respeito com os artistas que na verdade “são” o festival e mais ainda com o público que consome tanto lixo.

Uma grande parte da classe artística acredita que o Festival atualmente são apenas “números”, pois não há curadoria para análise dos espetáculos que vão fazer parte da mostra, concorda com isso?
Sempre tive essa opinião, mas os promotores do festival, apesar de se utilizarem do dinheiro público, acham que não devem satisfação à qualidade do evento. 

Paralelo ao Festival, temos a premiação dos melhores do ano nas artes cênicas, o troféu Gralha Azul, em anos de trabalho você nunca foi indicado a receber esse prêmio, na sua opinião a que se deve isso?
Esse prêmio é a farsa mais infantilóide que já existiu e continuará existindo no teatro paranaense. É o reflexo dessa província, regado a chás e conversas maledicentes e conchavos infantis.

Numa apresentação me manifestei a respeito e uma idiota desclassificada gritou que se o meu trabalho fosse o melhor eu teria ganho. E eu respondi que não iria levar em consideração sua palavra, pois ela era apenas um membro de uma comissão julgadora, enquanto eu sou um artista e como não acredito nos conceitos que norteiam essa premiação, não me senti agredido.

Pelas palmas que recebi, acho que meus pares também compactuam com minha visão.


Como você vê a arte teatral no nosso estado?
Péssima, de mal a pior, vejo obras sem o menor conteúdo: pretensiosas ou vazias. Parece que as pessoas querem falar para um público que não existe, tornando isso num verdadeiro lixo teatral: apolítico, sem idéias, vazio…


O Estado do Paraná tem alguns projetos que visam patrocinar todas as artes, a Fundação Cultural de Curitiba sempre abre editais com boas verbas, muita gente da área acredita que os “contemplados” fazem parte de um jogo de cartas marcadas, o que você acha?
Desde que foi instaurado o critério de mérito para a escolha dos projetos, sim, pois o caráter democrático foi usurpado e agora as escolhas são feitas pelo gosto pessoal de quem avalia.


Porque seu teatro quase sempre é incompreendido?
Não penso que ele seja incompreendido, penso que as pessoas tem medo de encarar a verdade e eu sou um amante da verdade. Acho a verdade linda, apesar de cruel.

Curitiba tem uma fama de cidade conservadora e você quase sempre leva cenas polêmicas, como nudez, estupro, corrupção, simulação de sexo, por que essas escolhas ?
Porque é essa a minha função social: “descaretear” esse reduto do reacionarismo. Curitiba, Paraná, Brasil homofóbico!


“Amor e Leptospirose” causou um mau estar geral no público, por que?
É um espetáculo radical, pra pessoas com estômago pra suportar alguém falando da morte, da perda do ser amado. Acho que não existe mais público pra isso. Hoje em dia todos querem apenas rir. Viva o Risorama!!! Vamos gargalhar!!!

A peça é uma homenagem a Geraldo Kleina, parte importante da Rainha de duas cabeças; meu parceiro nos últimos 20 anos de vida e a pessoa mais íntegra que já conheci.

Em 1982, você realizou sua primeira direção com a montagem de “Aceitam-se encomendas de vestido de noiva “ e foi a primeira vez que usou o mundo GLS em cena, mas apesar de seus textos terem um teor político forte, muitas pessoas julgam simplesmente suas peças como “gays”, o que acha disso ?
São pessoas que tem muito medo da sua própria sexualidade que acham que esse assunto é coisa pra ser discutida nos quartos escuros, atrás das portas e, portanto, choca o espectador ver isso em cena. Sendo que a preocupação política não causa espanto, já que vivemos no país da corrupção assumida, escancarada.

Houve rumores na cidade que para o teste de elenco da peça Autoridade do desejo ” uma das primeiras coisas que você pedia aos candidatos era para tirarem a roupa, é sério?
Sim, pois eu não sou um terapeuta que irá resolver os problemas de inibição de um ator, afinal, nossa profissão exige essa entrega e se alguém nessa área não gosta de se expor, procure outra coisa para fazer.

De onde vem sua inspiração para criar seus personagens?
Da vida, das criaturas que encontro pelas esquinas da minha vida, de tudo aquilo que me toca como ser humano, que me sensibiliza.

Acompanha o trabalho de alguma companhia?
Acho tudo muito chato, sem propósito, trabalhos voltados apenas para a forma, sem conteúdo. Todos cultuando seu grande ego, sem preocupações sócio-político-existenciais.

Qual seu espetáculo preferido?
Aquele que eu ainda não fiz.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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