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Entrevista: Maite Schneider fala sobre seu amor com o teatro

Redação Lado A 30 de Março, 2010 22h05m

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Aproveitando a polêmica que gerou a entrevista de César Almeida na edição anterior e o fato do 19° Festival de Teatro de Curitiba ter acabado agora, tive um bate papo delicioso com transexual Maite Schneider, aluna do segundo ano do Bacharelado em Interpretação Teatral na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), falando um pouquinho sobre sua experiência com o teatro.

Maite Schneider, 37, ficou famosa por causa de seu site, Casa da Maite, que está no ar desde 1997 e por seus múltiplos talentos. Seu drama pessoal já estampou diversas matérias e participações especiais em documentários e foi contado recentemente na vinheta final da novela Viver a Vida, da Rede Globo. Depois de virar ativista, Maite agora reforça o seu lado artístico, que nunca abandonou já que sempre se mostrou uma poetisa sensível e atual.

Você esta cursando o segundo ano da FAP, mas a decisão de ser atriz surgiu bem antes disso, como o teatro entrou em sua vida ?
Sempre fui apaixonada por teatro, estudei e aprendi a amar teatro, quando estudava no Colégio Bom Jesus e conheci esta arte com o já falecido e inesquecível Armando Maranhão. Depois me afastei alguns anos da área, voltando em cena já adulta, quando aceitei um convite de Alexandre Linhares para ser Maria, a mãe de Jesus, na peça “ Jesus pra Cristo”.
 
O que te fez decidir fazer o curso superior em artes cênicas?
Há algum tempo trabalho com teatro, por esse motivo comecei a ter muitas amizades na área e sempre que os encontrava, falavam de assuntos técnicos, pessoas importantes, história e fundamentos teatrais, e eu, nada entendia. Como sempre fui uma curiosa na vida, me organizei e em 2008 ajeitei minha vida para poder voltar a estudar, pois gostaria de aprender e saber mais. Foi o que fiz, prestei vestibular na FAP e acabei passando, a Faculdade é bem renomada em Curitiba e no Brasil e tenho aprendido muito
 
Quando você começou a cursar a faculdade, legalmente seu nome ainda era o de batismo, como era na hora da chamada de alunos?
Pois é, eu passei no vestibular como Alexandre e somente no ano passado toda minha documentação foi alterada pela Justiça brasileira, graças à ex-desembargadora Maria Berenice Dias. Nas chamadas, quando chamavam Alexandre eu não respondia, e falava para os professores que meu nome não constava ali e pedia colocarem meu nome na lista. Até que um dia, pedindo sempre ao protocolo para alterar o nome e nada acontecer, falei na aula que eu era Alexandre e contei sobre mim. Nossa, todos os alunos ficaram de cara (risos), foi muito engraçado mesmo, eles me encheram de perguntas e um dos alunos falou que era meu fã ( risos ) .
 
As pessoas já te conheciam ?
Alguns alunos que já estavam há mais tempo na faculdade sim, e alguns professores que já tinham visto peças minhas e pessoas que conheciam o meu site.
 
O que mudou na sua visão teatral ao começar a cursar uma faculdade na área?
Eu tinha uma visão muito limitada do que abrangia o teatro e estou aprendendo a conhecer melhor tanto a criação da cena, quanto os elementos que a constituem.
Muito bom você ver algo que te toca e faz bem e poder aprofundar-se na sua análise, acredito que hoje aproveito mais o encanto da magia teatral. O teatro é um lugar onde tudo pode, só não pode coisa alguma, como diria um estudioso da área.
 
Segundo ano da faculdade é bem puxado, o que esta achando do curso?
Estou gostando muito e aprendendo mais ainda, conhecendo mais os fundamentos do teatro e tendo mais noção sobre esta arte, que espero me dedicar cada vez mais.
 
A FAP é um ambiente conhecido por ser livre de preconceitos, como foi e é o tratamento dos colegas e professores na faculdade com você?
A FAP é um lugar onde os preconceitos tendem a ser menores, mas ela está inserida dentro de uma sociedade preconceituosa, então ainda há manchas deste mal lá dentro, é claro! Até mesmo nas artes e na manifestação delas, os artistas ainda encontram-se presos a alguns preconceitos, eu mesma ainda trago alguns dentro de mim e luto para vencê-los. 


Nunca tive problemas com professores, alunos ou funcionários da Faculdade, pois sou uma pessoa que sempre preza pelo diálogo e harmonia e só vou para o combate quando vejo que a pessoa prefere manter a ignorância do preconceito e da discriminação prevalecer.
 
Hoje em dia você tem que assistir muitas peças para se manter atualizada, você acompanhava o que acontecia na cena teatral Curitiba antes?
Sempre amei teatro, mas não frequentava tanto quanto hoje, agora vou a pelo menos quatro peças por mês, no mínimo. Tornou-se um vício em minha vida e daqueles que só me faz bem, então quero mais e mais, cada vez mais.
 
Você acredita que exista diferença entre os profissionais da área e os estudantes de nível superior em artes cênicas ?
Acredito que as diferenças existam em todas as áreas, entre os profissionais, estudantes e indivíduos. Ninguém entra igual ou sai igual de uma faculdade, assim como não sai igual depois de ver um espetáculo ou mesmo criá-lo. O igual não existe, já deveria ter sido enterrado. E que viva a diversidade e a tolerância.
 
Muitos atores e atrizes ao cursar superior em artes cênicas, esperam passar em algum teste e trabalhar na Rede Globo, por exemplo, televisão esta nos seus planos futuros ?
Lógico, meus planos incluem todos os tipos de testes, formas de artes e maneiras de manifestá-las. Quero mais sempre, quero conhecer, experimentar, viver. E muito!
 
A FAP também tem o curso de cinema e os alunos sempre convidam os estudantes de interpretação para seus trabalhos, já fez alguma coisa com eles?
Não ainda nada, estou me dedicando somente ao teatro e até agora são muitas as matérias teóricas no meu curso, este ano são 13 e ainda faço dois cursos de extensão, assim sobra pouco tempo. Mas acabei de gravar um curta de lançamento para a grife Heroína by Alexandre Linhares, onde faço meu primeiro papel de vilã, uma diretora de teatro cruel demais. O curta “Nos seus olhos” será lançado ainda este mês em Curitiba.
 
Apesar do pouco tempo na área, você já trabalhou com diretores bem renomados, como Edson Bueno, César Almeida, Gerson Delliano, Marcondes Lima (diretor do Coletivo Angu de teatro de Recife), fale-nos a respeito?
Minhas experiências teatrais foram super ecléticas e com direções especiais, agora  na faculdade, estou tendo chance de conhecer outras formas teatrais. Já fiz performance, teatro-dança, comedia Dell´Arte.
 
Logo após sua cirurgia de readequação sexual, popularmente conhecida como “mudança de sexo”, você ficou nua em cena na peça “Òpera” em 2007, o trabalho foi bem sutil com luzes que não mostravam muito, mas em “Ardor 2” foi muito mais escancarado, como foi isso para você?
 Em “Òpera”, realmente nada aparecia, mas trabalhar com o Coletivo Angu de Teatro, num trabalho de Newton Moreno foi fantástico. Já em “Ardor 2” eu não tive o menor problema com a nudez, pois sempre confio plenamente no trabalho de quem dirige, só entro num trabalho com esta confiança. Então se o diretor com o qual estou trabalhando, fala que a cena precisa, seja o que for, eu procuro executar, criar conjuntamente, fazer algo intenso e não morno. Procuro colocar o meu melhor em tudo que faço e me proponho.


Você já interpretou personagens polêmicas, como a virgem Maria na peça “ Jesus para Cristo ”, a Samanta em “ Ardor 2 ”, entre outros, por que acha que os diretores procuram especificamente você para esses papéis?
Talvez por pensarem em minha trajetória de vida pessoal e quererem algo forte e com esta vinculação. Hoje em dia, minha história já não é algo mais tão forte e as pessoas muitas vezes não sabem o que passei para chegar aonde estou, o que mais interessa é meu profissionalismo e DRT (registro profissional), que aliás foi mais uma feliz conquista.
 
Como você vê o teatro atualmente no nosso Estado?
O nosso teatro ainda tem muito de nossa sociedade curitibana, ainda é conservador, medroso e, muitas vezes, diz uma coisa e faz outra. Por outro lado, há muita pesquisa sendo desenvolvida, muitos grupos e coletivos fazendo trabalhos interessantes e também está havendo uma aproximação maior entre o teatro e o público. Ainda tímido, mas está sendo feito algo. 
 
Qual sua visão do Festival de Teatro de Curitiba?
Acho muito sobrecarregado, creio que deveriam haver algumas revisões, pois fica muita coisa atropelada, público mal distribuído e grupos teatrais com pouco apoio para infraestrutura algumas vezes. Por outro lado, o Festival atrai a atenção para o que está sendo feito e mostrado e também você tem chance de ver coisas que dificilmente chegam até Curitiba.
 
Você já apresentou cinco peças no Festival, como foi?
Tive boas experiências, é sempre tudo muito corrido e rápido, mas sem dúvida uma vitrine interessante.
 
Você sonha em obter alguma premiação na área, como o tão cobiçado troféu Gralha Azul , por exemplo ?
Sonho em ser reconhecida pelo meu trabalho, sim, não necessariamente com troféus e títulos, mas com o carinho do público, isto é o que realmente eu gostaria imensamente.
Mas que venham os troféus, não estou dispensando (risos) .
 
Para finalizar, o que espera do seu futuro nas artes?
Espero fazer mais coisas e com mais qualidade a cada novo ano, trabalhar com ótimos profissionais e poder realizar espetáculos ainda mais condizentes com aquilo que quero falar, fazendo as pessoas refletirem. 


Ps: Também tenho cadastro no site disponivel… ( risos )


Os interessados em saber mais sobre Maite, acessem o site dela: www.casadamaite.com

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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