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Prazer puro

Redação Lado A 11 de Agosto, 2010 21h24m

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Sentou ofegante. Nunca havia feito tal façanha em pleno escritório, na verdade foram pouquíssimas vezes em que havia se tocado daquela maneira. Passou alguns minutos relembrando uma sensação de leveza que acompanhou seu gozo.


Acordou ouvindo uma voz taxativa que interrompeu aquela inércia prazerosa: “Já conseguiu exportar os dados pro sistema?”, disse sua chefe. A resposta foi um simples balançar de cabeça.
 
Sua ausência de expressões mais convincentes causou estranheza, o que levou sua dirigente a questionar: “Tá tudo bem?”.


Ela abriu um discreto sorriso ao ser questionada daquela maneira por seu bem estar; sabia, dentro de si, quão satisfeita estava consigo mesma. Ainda assim desviou como pôde seus pensamentos daquela descoberta juvenil.


Fim do expediente, ela estava cansada e caminhou por corredores em direção a saída; percebeu olhares fulminantes que não distinguiu se eram pra si, por sua beleza estonteante com curvas bem delineadas, ou se a culpavam por sentir prazer.


Outra vez inerte; relembrava os toques, simples movimentos frenéticos, bem suaves, mas mesmo assim frenéticos; que aceleraram sua pulsação.


Assumindo novamente pensamentos realistas, saiu serena; dirigiu; chegou em casa. Naquela noite experimentou e reavivou sua excitação, tocando na parceira com volúpias sensuais. Levando ambas à satisfação mútua; provocando também certa desconfiança em sua companheira.


Era sábado quando levantaram na manhã seguinte. Ela ainda relaxou deitando no sofá pra estender aquele tempo que passava sonolento; haviam olhos encarando tão sereno sossego. Aguçou sua curiosidade quando percebeu aquele olhar fulminante de sua mulher encostada no batente da porta: “Que foi?” disse entre bocejos.


“Nada”, disse a outra desviando aquele olhar fixo; repentinamente cabisbaixa se dirigiu à cozinha. Ela a acompanhou ainda questionando tão fria atitude. Sua companheira revidou com estremecimento na voz: “O que foi aquilo ontem à noite?” disse já alterada.


“Aquilo, o quê?” respondeu com dúvida na voz empostada.


“Cê sabe muito bem, Claudia!” gritou a outra.


“Toda aquela desenvoltura, cê gemia como nunca tinha visto antes e me fez te masturbar dum jeito estranho”.


Ela riu, havia sido descoberta por um tão puro ato que lhe rendera tanta satisfação no dia anterior: “Eu me masturbei ontem… em pleno banheiro do escritório”.


Tentou tocar sua companheira que recuou temerosa: “Que nojo” – disse aquela figura, antes amante, mas agora juíza de seus atos – “Por isso o povo tem ódio da gente, pessoas como você só alimentam a idéia de que homossexuais são todos promíscuos… ao menos manteve segredo?”.


“Sim claro, só contei pra ti meu amor”, falou calma, tentando equilibrar sua parceira.


Trocaram poucas palavras naquele dia. Trataram-se friamente por toda semana que se seguiu; poucos olhares, pouca cumplicidade.


Claudia trabalhou sem ânimo. Seus turnos eram pesados, enfadonhos e nem produzia o suficiente para atingir metas.


A segunda-feira de uma nova semana chegou sem sobressaltos, mas carregada pela mesma morosidade de outrora. Naquele dia, com sol quente que entrava pela janela do banheiro individual, suas mãos não mais resistiram ao tesão de experimentar outra vez aquela sensação que quase desmanchou seu relacionamento amoroso. Não que tivessem superado por completo o fato, mas ignoraram suas brigas pelo acontecido; apenas tocaram adiante.


Quando chegou em casa naquele dia, sentiu desejo e tocou sua parceira que desacostumada pelo jejum sexual imposto naquela última semana – uma imposição silenciosa, de almas feridas – reagiu friamente. Ambas estavam abaladas, mas se entregaram ao prazer. Ângela amava Claudia, porém não conseguia suportar a idéia de sua mulher se satisfazendo sozinha, por isso precisava selar um pacto: “Cê promete nunca mais me trocar pela sua mão?”


Uma resposta afirmativa veio por um leve balançar de cabeça; Claudia não tinha certeza sobre conseguir manter tal fidelidade só sentia um gélido arrepio em sua barriga; talvez fosse medo da solidão ou pura e simples culpa incutida em sua criação moral muito conservadora.


Imaginem quão forte foi o remorso quando quebrou seu pacto verbal pela primeira vez; nem conseguiu saciar sua parceira. Queria sentir prazer após noites insípidas e se entregava aos instintos; a frigidez na cama aumentou quando sua prática se tornou diária.


Numa noite específica, quando sua amante a tocou, sentiu um arrepio. Transaram longamente trocando caricias minimalistas tanto nos seios e coxas como alhures. Chegaram ao ápice do prazer; Claudia decidiu então arriscar tão sereno reencontro de almas sedentas: “Por quê?” disse reflexiva observando um olhar relutante da outra que levantou e caminhou pra fora do quarto; sem mais palavras por aquela noite.


Noutro dia, pela manhã, Ângela esperava sozinha na mesa – Claudia sentou a sua frente percebendo que receberia uma resposta.


“Te quero muito, mas não posso aceitar essa podridão, essa sempre foi minha razão pra estar longe do meio” disse ríspida mas tentando não perder de vista a alma de sua companheira que se explicitava num olhar obliquo. “Podridão?!?” perguntou a outra já se levantando “Cê se afastou do meio por ser covarde, tem medo de julgamentos alheios”.


“Não!” gritou Ângela irritadíssima “Elas são todas podres…” não conseguindo concluir sua fala apenas resignou-se ao silêncio; esse mesmo silêncio quebrado pela voz impetuosa e decisiva de Claudia.


“Ser gay não é bom, nem ruim… é apenas um aspecto da condição humana.” – respirando profundamente continuou – “Eu não vou me restringir ao seu preconceito”.
Passaram dias sem se falar, Ângela chorou em seus braços por algumas noites, ela também chorou; tudo sempre sem palavras fortes com apenas alguns afagos doces que serviam para consolar.


Seu relacionamento se dissipou em um mês, ficou sozinha naquele apartamento que era seu desde o princípio. Seguiram-se noites tenras de prazer com mãos afoitas por explorar aqueles outros lábios, sem censura, sem medo e, principalmente, sem culpa.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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