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Sobre ter Orgulho

Redação Lado A 20 de Junho, 2011 22h49m

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Essa semana, na revista Perception: The gay & lesbian newsmagazine of the prairies (Percepção: A revista gay & lésbica das pradarias), li um artigo que quase revolucionou minha vida. Tá, não chegou a tanto, mas quase.


Vocês lembram que há um tempo atrás teve uma onda daqueles vídeos no You Tube do It Gets Better (Vai Melhorar)? Nem faz tanto tempo assim, aliás o Chris Colfer do Glee postou um vídeo novo para o projeto uns dias atrás.


Bom, a idéia desses vídeos é incentivar os jovens gays que sofrem com bullying e perseguição a não sucumbirem, a não se matarem. Nunca desista. Isso tudo porque teve uma onda de suicídios entre jovens, principalmente americanos e canadenses, por não aguentarem mais a pressão, o ódio, homofobia, etc, etc, etc… e simplesmente largarem os bets, perdurarem as chuteiras e o resto vocês já sabem.


Muito bom, muito digno. Porém, Jeff Dodds em seu artigo “It needs to get better now or, They are easier to shoot at when they´re all in one room” (É preciso melhorar agora ou, É mais fácil atirar neles quando estão todos em uma sala só) discorda, e com um ótimo argumento.


Primeiro, acho que devo explicar o porque do segundo título para seu artigo, para tal vou traduzir o primeiro parágrafo do dito cujo: “O Conselho Escolar do Distrito de Toronto recentemente anunciou que iriam seguir com a estratégia de designar salas de “espaço positivo” em escolas de nível básico, elementar e médio no fim de 2012.”


Isso mesmo, em Toronto, no final de 2012, eles querem criar um quarto especial em cada escola onde pessoas sofrendo opressão (bullying), principalmente os gays/lésbica/etc podem buscar por segurança. Isso porque em 2007, Jordan Manners foi morto com tiros em um corredor de sua escola, sim, por ser gay. Então, 5 anos depois, eles farão algo, se fizerem. Uma das grandes sacadas de Jeff é apontar para o tanto quanto óbvio: Estamos tentando corrigir o efeito, não a causa.


Criar um quarto onde os oprimidos possam buscar abrigo e deixar os opressores livres, leves e soltos me parece, e a Jeff também, um tanto quanto confuso. Quero parafrasear algo muito digno: Enquanto os heterossexuais estão começando a entender que nós na comunidade LGBTXQYZ ainda vivemos como um cidadão de segunda classe, sem acesso a todos os direitos que deveríamos ter, eles não são espertos o suficiente pra perceberem que tudo isso é culpa deles.


E não é mais do que a verdade? Enquanto continuarmos a eleger heterossexuais como nossos representantes o que estamos fazendo é elegendo para solucionar nossos problemas as mesmas “pessoas” que os causam. Faz sentido isso? Não.


Quando o governo de Toronto anunciou a criação desses quartos, muita gente, inclusive a comunidade GLBTQXYZ local aplaudiu. Sei que estou fazendo muito disso, mas quero traduzir outra passagem do artigo. Jeff diz que essa seria a nota que ele mandaria para a imprensa, fosse ele do Conselho Escolar: “A merda do Conselho Escolar decidiu que somos totalmente inúteis quando o assunto é a segurança dos estudantes adentrando a publicamente angariada instituição educacional que operamos em nome dos cidadãos de Toronto. De acordo com nosso porta-voz heterossexual “Vai ser muito difícil trazer segurança para um prédio inteiro. Sério, alguns desses prédios são muito grandes. Portanto, decidimos que cinco anos depois que um dos nossos estudantes foi morto a tiros em um corredor, poderíamos fazer um quartinho onde estudantes com medo poderiam se esconder.”


Jeff toca em pontos muito sutis e que, muitas vezes, falhamos a perceber. Sobre o projeto It Gets Better, por exemplo, ele, novamente, com uma sagacidade voraz, aponta para o óbvio: Se você sobreviver por 18 anos, sem muitos traumas, ossos quebrados, auto-estima abalada, psicologicamente frágil, você poderá sair da sua casa, onde todo mundo te odeia, tentar arrumar um emprego e, com sorte, levar uma vida “normal”. E com MUITA sorte, ALELUIA, você pode até imitar uma vida heterosexual. A heteronormatividade!


Estamos sacrificando todos os nossos jovens em pró de uma consciência tranquila.
Estamos aceitando que o que jovens preconceituosos e imbecis cometem contra os NOSSOS jovens é normal e pedindo para que jovens que não se enquadram nessa heteronormatividade se adaptem, para podermos acomodar a ignorância alheia.


Aceitar projetos como It Gets Better ou “Espaço Positivo” é assumir que não há nada que possamos fazer. É desistir da segurança e bem estar de nossos filhos, irmãos, netos, sobrinhos, primos, vizinhos, amigo, filho do amigo. É negar ajuda, socorro e assistência para quem precisa.


Lutamos pelo direito de casar exatamente por isso: pois é um direito. Que tal o direito à segurança e bem estar? De não ter que crescer com medo? De não ter que aguentar dia após dia ameaças na escola?


Você nem precisa ir bem longe para encontrar exemplos, basta ler os comentários na Lado A e você vai perceber que 90% dos leitores sofreram algum tipo de trauma ou distúrbio psicológico por crescer sendo humilhado ou trancado num armário que foi feito pra ele/ela muito antes de nascer.


Aceitar medidas que “remedeiam” e não previnem homofobia e desrespeito, é trair a causa original da nossa comunidade: “ter os mesmos direitos de existir e expressar nossas diferenças igualmente com nos companheiros cidadãos e ter completo acesso aos benefícios e oportunidades oferecidos a todos.”


Em inglês há uma expressão que diz “You are settling for less”, que seria algo do tipo “estar aceitando menos do que vale”. E é isso mesmo. Aceitar ser trancafiado em um quarto ou aguentar ataques a sua vida toda com a esperança de que tudo melhore é aceitar que valemos menos, que não merecemos ser tratados com respeito.


Tenha orgulho de ser GLBTQXYZ, não só na Parada.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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