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A homossexualidade na China do século XVI

Redação Lado A 08 de Agosto, 2011 19h30m

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Corresponde a um dado adquirido e fora de qualquer dúvida, o de que do cristianismo procedem os tabus relativos à sexualidade, a saber, a ocultação do corpo, a vergonha da sua exposição, a sexualidade como pecado, a homossexualidade como abominação.

As pessoas criadas em países ocidentais e sob os condicionamentos culturais derivados do cristianismo muitas vezes sequer suspeitam da possibilidade de existirem interpretações da sexualidade diversas da dele e, de conseqüência, costumes diferentes dos ocidentais.

Muitas vezes, a percepção de tais diferenças resulta de viagens ao exterior, a povos de tradição cultural diversa da ocidental. Foi o caso do jesuíta Mateus Ricci, missionário na China.

Natural da Itália, onde  nasceu em 1552, Ricci viveu por alguns anos em Portugal e rumou para o Oriente em 1578. De Goa, então colônia portuguesa, deslocou-se para a China, onde atuou  na conversão das populações locais.

Alheia ao cristianismo, desconhecedora da Bíblia, ignorante dos dogmas correspondentes, os chineses regiam-se, em matéria de sexualidade, pela ausência da censura e pela presença da liberdade de costumes.

Impressionou-o, em 1609, a proporção assinalável de prostitutos e a generalização da homossexualidade, em Pequim, onde ela era legalmente permitida e não correspondia a motivo de vergonha; praticada livremente em toda a parte e em todas as classes, dela se falava em público.

Em algumas cidades, havia ruas em que os prostitutos perambulavam (já no século X, era assim em Pequim); circulavam gravuras eróticas, que representavam o amor homossexual, feminino e masculino.

Durante a dinastia Ming (1368 a 1644), a homossexualidade foi proibida, proibição, contudo, ineficaz, e causou surpresa aos chineses a repreensão formulada pelo frei Gaspar da Cruz, porquanto jamais ninguém lhes informara que tal prática fosse censurável.

Também na Goa bramanista, Ricci observou a presença da homossexualidade, reprimida, todavia, pela inquisição, que, uma vez lá instalada, processou, por homossexualidade, condenou os acusados e executou-os, pelo fogo.

Por sua vez, são Francisco Xavier, jesuíta português e missionário no Oriente, perplexou-se, em 1549, com a difusão da homossexualidade entre os sacerdotes budistas no Japão, que se serviam dos rapazes a quem instruíam e que riam ao serem repreendidos pelo seu proceder.

O padre Francisco Cabral, em carta a Roma, de 1596, referia que o principal obstáculo à cristianização dos japoneses consistia na homossexualidade, ou seja, enquanto aqueles encaravam-na com toda a naturalidade, o cristianismo reprovava-o e tentava demovê-los de o praticar. Havia mesmo instrutores, que iniciavam os filhos dos homens de posição, nas práticas homossexuais.

Entre os chineses e os padres, havia não apenas a distância geográfica das respectivas origens, como, sobretudo, a imensa distância mental das respectivas mentalidades: de um lado, séculos de valores e de preceitos originários da Bíblia, que constituíram um condicionamento anti-sexual e profundamente repressor; de outro, séculos de ausência de repressão e da presença da liberdade individual quanto à homossexualidade.

Na surpresa dos padres, perante os costumes chineses, manifesta-se o antagonismo de conceitos e de comportamentos; na execução dos homossexuais chineses, pela inquisição,  manifesta-se a intolerância da igreja católica e a violência  com que, em certas situações, fazia valer os seus dogmas.

Infelizmente, a observação dos missionários nenhuma reflexão suscitou, no seio da igreja, quanto à censurabilidade ou à inocência da homossexualidade,  que a levasse a, por alguma forma, a modificar o seu  juízo a respeito. Nem seria de esperar que tal ocorresse: enunciada a reprovação cabal da homossexualidade, na Bíblia, e tomada esta como fonte de autoridade absoluta e de expressão da verdade, eterna e definitiva, a atitude do cristianismo era a que continua a ser (e que, provavelmente, será até o fim dos tempos): a de uma rejeição que, ao longo dos séculos, foi e continua a ser fonte de preconceitos, de sofrimentos e de falta de liberdade. Felizmente, contudo, com o andar do tempo e com a modificação incessante das mentalidades, estas vem se  laicizando progressivamente, ou seja, cada vez menos as pessoas atêm-se aos dogmas religiosos (teológicos) como critério da sua afetividade, do seu entendimento e do seu comportamento: há menos teologia e mais racionalidade e, com isto, mais liberdade e mais bem-estar.
 

Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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