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Inspirado, Papa Francisco fala sobre gays e reitera que Igreja deve acolher e não julgar

Redação Lado A 20 de Setembro, 2013 02h31m

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Em grande entrevista realizada no mês passado, publicada na internet esta semana, o papa Francisco conversou com o padre Antonio Spadaro, diretor da revista La Civilitá Cattolica, sobre diversos temas e deu declarações reveladoras que indicam que, ao assumir o cargo de pontífice, ele sentiu uma mudança em seu pensamento. A entrevista será publicada por diversas revistas jesuítas a partir deste mês. “Devemos caminhar unidos nas diferenças: não há outro caminho para nos unirmos. Este é o caminho de Jesus”, afirmou o líder católico que disse ainda que considerou a viagem ao Rio de Janeiro em julho uma “graça”.

O papa afirmou no que o jornalista chamou de uma “conversa” que não está habituado a falar com as massas e que a viagem ao Rio de Janeiro o fez refletir muito. “Não reconheci a mim mesmo quando no voo de regresso do Rio de Janeiro respondi aos jornalistas que me faziam perguntas”, disse Francisco, se referindo a declaração forte que deu de que os homossexuais não deveriam ser julgados nem por ele. “Se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, quem sou eu para julgá-la”, disse o papa na ocasião.

Ao ser perguntado quem era Jorge Mario Bergoglio, seu nome de batismo, mais uma vez ele surpreendeu em sua resposta: “Não sei qual possa ser a definição mais correta… Eu sou um pecador. Esta é a melhor definição. E não é um modo de dizer, um gênero literário. Sou um pecador.”. Após ser confirmado novo papa em votação em março deste ano, ele afirma que declarou aos demais cardeais: “Sou pecador, mas confiado na misericórdia e paciência infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo, confundido e em espírito de penitência, aceito”. Ao perceber que poderia ser eleito papa, ele contou que no dia 13 de Março, à hora do almoço, sentiu descer sobre ele uma profunda e inexplicável paz e consolação interior, juntamente com uma escuridão total e uma obscuridade profunda sobre tudo o mais.

O papa revelou que apesar de ter amigos e se identificar com a ordem dominicana, mas que acabou entrando para a rígida Companhia de Jesus. O padre argentino revelou sua intimidade e disse ainda ser desorganizado. Sobre as mudanças que espera da Igreja e quais ela muito precisa, o religioso afirmou que é preciso paciência e que esta virtude é garantia de se fazer a mudança certa. “Este discernimento requer tempo. Muitos, por exemplo, pensam que as mudanças e as reformas podem acontecer em pouco tempo. Eu creio que será sempre necessário tempo para lançar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz. E este é o tempo do discernimento. E por vezes o discernimento, por seu lado, estimula a fazer depressa aquilo que inicialmente se pensava fazer depois. E foi isto o que também me aconteceu nestes meses”, disse o papa se referindo ao seu governo.

O papa afirmou ainda que muitos de seus pecados vieram de seu aprendizado como bispo de Buenos Aires. Um de seus defeitos era centralizar as coisas mas que com o tempo ele aprendeu a ouvir mais. Ele destaca que hoje não vive sem a comunidade e que isso pesou na escolha de viver em Santa Marta, casa eclesiástica comunitária, a viver no palácio papal em são Pedro. “Digo estas coisas como uma experiência de vida e para ajudar a compreender quais são os perigos. Com o tempo aprendi muitas coisas. O Senhor permitiu esta pedagogia de governo, mesmo através dos meus defeitos e dos meus pecados”.

Para o papa, as ações devem ter a fecundidade antes do julgamento e é possível ver Deus em todas as coisas, em todas as vidas. Em outro pensamento, o papa afirma que muitos procuram Deus no passado (nas escrituras e história), no futuro (na promessa e esperança) mas esquecem de procurar Deus no presente (dia a dia). Ele afirmou ainda que não basta procurar Deus, é preciso estar aberto para senti-lo.

Sobre os homossexuais, mais uma vez ele defendeu os direitos dos gays a sua dignidade e ao amor de Deus. “Devemos anunciar o Evangelho em todos os caminhos, pregando a boa nova do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo o tipo de doença e de ferida. Em Buenos Aires recebia cartas de pessoas homossexuais, que são “feridos sociais”, porque me dizem que sentem como a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isto”, afirmou o papa.

“Durante o voo de regresso do Rio de Janeiro disse que se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la. Dizendo isso, eu disse aquilo que diz o Catecismo. A religião tem o direito de exprimir a própria opinião para serviço das pessoas, mas Deus, na criação, tornou-nos livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível. Uma vez uma pessoa, de modo provocatório, perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu, então, respondi-lhe com uma outra pergunta: “Diz-me: Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova a sua existência com afeto ou rejeita-a, condenando-a?”. É necessário sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Quando isto acontece, o Espírito Santo inspira o sacerdote a dizer a coisa mais apropriada”, revelou Francisco que mais uma vez afirmou que devemos avaliar cada caso e não agir com preconceito.

Esta é também a grandeza da confissão: o fato de avaliar caso a caso e de poder discernir qual é a melhor coisa a fazer por uma pessoa que procura Deus e a sua graça. O confessionário não é uma sala de tortura, mas lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula a fazer o melhor que pudermos”, revelou o papa que falou ainda sobre aborto – no mesmo sentido de avaliar cada caso, no papel da mulher na igreja – ao qual defende uma evolução, porém de modo paciente. “É necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja. Temo a solução do “machismo de saias”, porque, na verdade, a mulher tem uma estrutura diferente do homem. E, pelo contrário, os argumentos que ouço sobre o papel da mulher são muitas vezes inspirados precisamente numa ideologia machista. As mulheres têm vindo a colocar perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos”, provocou Francisco, sempre sorridente e pontual.

“Não podemos insistir somente sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e uso dos métodos contraceptivos. Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas e censuraram-me por isso. Mas quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja é conhecido e eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disso continuamente. Os ensinamentos, tanto dogmáticos como morais, não são todos equivalentes. Uma pastoral missionária não está obcecada pela transmissão desarticulada de uma multiplicidade de doutrinas a impor insistentemente. O anúncio de carácter missionário concentra-se no essencial, no necessário, que é também aquilo que mais apaixona e atrai, aquilo que faz arder o coração, como aos discípulos de Emaús. Devemos, pois, encontrar um novo equilíbrio; de outro modo, mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do Evangelho. A proposta evangélica deve ser mais simples, profunda, irradiante. É desta proposta que vêm depois as consequências morais”, afirmou o papa que criticou ainda a pregação feita com base no perdão e não na salvação.

“Devemos caminhar unidos nas diferenças: não há outro caminho para nos unirmos. Este é o caminho de Jesus”, afirmou o pontífice, em uma das mais belas e entusiasmantes entrevistas dada por um papa até hoje.

“Vejo com clareza que aquilo de que a Igreja mais precisa hoje é a capacidade de curar as feridas e de aquecer o coração dos fiéis, a proximidade. Vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha: é inútil perguntar a um ferido grave se tem o colesterol ou o açúcar altos, devem curar-se as suas feridas”, afirmou o papa jesuíta de coração franciscano.

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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