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Deputado pastor apresenta novo projeto de cura gay na Câmara, leia a proposição

Redação Lado A 13 de Maio, 2014 15h35m

Visibilidade em ano eleitoral, falta do que fazer, homofobia, convicção religiosa, não se sabe o motivo certo que levou o deputado Pastor Eurico (PSB – PE) a protocolar o Projeto de Decreto Legislativo 1457 na Câmara dos deputados. O que se sabe é que o projeto é idêntico a outro derrubado ano passado que visa excluir parte de uma resolução do Conselho de Psicologia que veta o tratamento da homossexualidade. Para o parlamentar, o texto do Conselho faz uma “afirmação política”, logo, ele mostra claramente que visa fazer a sua.

Desconsiderada uma patologia pela Organização Mundial da Saúde em 1990, há 24 anos, evangélicos ainda debatem o direito de propor tratamento ou acompanhamento a quem deseja deixar a homossexualidade. Do ponto de vista científico e médico, um homossexual deve ser direcionado a viver a sua sexualidade de forma sadia, sem negá-la, mas religiosos insistem que é sim possível reverter a sexualidade. O processo doloroso muitas vezes termina criando patologias severas. Para o deputado autor da proposta, o texto que orientas os profissionais de Psicologia está errado ao afirma que a “homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”.

O novo projeto é idêntico ao arquivado em junho do ano passado. A proposição do deputado João Campos (PSDB-GO) foi aprovada na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, então presidida pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e retirada de pauta após pressão da base governista e da população, a pedido do autor, evitando assim a derrota em plenário e arquivamento até o final da legislatura atual.

“Pessoas que desejam deixar a homossexualidade deveriam ter direito a acolhimento e ajuda profissional”, propõe o pastor deputado da nova proposta. Ele ainda afirma que o CFP privilegia os homossexuais e pune a heterossexualidade e diz o disparate: “A norma permite o tratamento de alguém que deseje, por exemplo, deixar uma orientação heterossexual, mas o proíbe caso deseje deixar a homossexualidade”. O projeto segue às Comissões de Direitos Humanos e Minorias, Seguridade Social e Família e Constituição e Justiça e de Cidadania para depois ser apreciada pelo plenário.

 
Confira a proposta na íntegra (grifos nossos):
 
 
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº , DE 2014 (Do Sr. Pastor Eurico) 
 
Susta os efeitos da Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, editada pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP. 
 
O Congresso Nacional decreta: 
 
Art. 1º Ficam sustados, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal, os efeitos da Resolução nº 01, de 22 de março de 1999, que “estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual”, editada pelo Conselho Federal de Psicologia – CFP. 
 
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. 
 
JUSTIFICAÇÃO 
 
A Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, instituiu o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia e lhes atribuiu competência para orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe. 
 
O Código de Ética Profissional do Psicólogo, instituído por meio da Resolução nº 10, de 2005, do Conselho Federal de Psicologia – CFP, constitui instrumento básico a disciplinar a conduta dos referidos profissionais, tendo sido aprovado em conformidade com o art. 6º, alínea “e”, da Lei nº 5.766, de 1971. 
 
O primeiro princípio fundamental estatuído no Código de Ética Profissional do Psicólogo consiste em que esse profissional deve basear o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 
 
O segundo princípio estabelece que o psicólogo deve trabalhar visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuir para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
 
Entretanto, o mesmo Conselho Federal de Psicologia editara outra Resolução — a de nº 1, de 1999, — que se encontra eivada de equívocos e atitudes preconceituosas, configurando evidente exorbitância do seu poder regulamentar e dos seus limites de competência legislativa. 
 
Passemos à análise da Resolução CFP nº 1/1999, que “estabelece normas para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual”. A primeira consideração encontrada no preâmbulo da Resolução afirma que o psicólogo é um profissional de saúde. Embora possa este parecer um aspecto de menor importância, é claramente indicativo da estreiteza de visão dos autores do normativo. Psicologia é uma ciência e profissão que atua em várias áreas do conhecimento e da vida social, incluindo evidentemente a saúde, mas também muitos outros campos, como o organizacional, o educacional/escolar, o social, o jurídico e vários outros. 
 
Outro aspecto destacado a título de justificativa para a edição do normativo consiste na afirmação de que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”. Trata-se de um posicionamento político, sem base científica e que desconsidera substanciais estudos no campo da Psicologia e da Psicanálise que indicam o contrário. 
 
A última consideração apresentada no preâmbulo da Resolução afirma que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações. Todavia, essa mesma Resolução nasceu de uma visão  preconceituosa e discriminatória, como se depreende de entrevista publicada pela revista Veja em sua edição nº 1.646, de 26 de abril de 2000, quando a psicóloga Ana Mercês Bahia Bock, então presidente do CFP, deixa clara sua intenção de perseguir psicólogos ligados a grupos religiosos que oferecem tratamento para o homossexualismo. Por não disporem, até então, de uma “orientação oficial” foi que construíram essa norma. 
 
Em seu art. 1º, a Resolução CFP nº 1/1999 estabelece, adequadamente, que os psicólogos devem atuar segundo os princípios éticos da profissão, notadamente aqueles que disciplinam a não-discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade. Como veremos nos dispositivos subseqüentes, esses princípios são ali invocados em favor de pessoas que desejam assumir a homossexualidade, mas são ignorados quando se trata de pessoas que desejam deixar a homossexualidade e que, pelos mesmos motivos, deveriam ter direito a acolhimento e ajuda profissional. 
 
O art. 2º prescreve aos psicólogos contribuir com seu conhecimento para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas. O que cabe aqui questionar é a razão pela qual se privilegiam as práticas homoeróticas. 
 
O caput do art. 3º da Resolução CFP nº 1/1999 estabelece que os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados. Considerando o disposto no Código de Ética Profissional, o dispositivo parece desnecessário. Uma vez mais se evidencia o privilégio — sem dúvida, descabido — dado por essa norma às práticas homoeróticas. 
 
O parágrafo único do art. 3º proíbe os psicólogos de colaborar com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Neste ponto, o normativo se revela extremamente tendencioso e autoritário. O que se impõe é que a homossexualidade é uma orientação sexual final e irreversível, o que constitui absoluta inverdade. E mais espantoso: o inverso não se aplica. A norma permite o tratamento de alguém que deseje, por exemplo, deixar uma orientação heterossexual, mas o proíbe caso deseje deixar a homossexualidade. São dois pesos e duas medidas. 
 
Em sua atuação clínica, é dever do psicólogo atender pessoas que passam por sofrimento psíquico, independentemente de sua orientação sexual. Uma sexualidade egodistônica — quando sua orientação sexual (comportamento) conflita com a identidade sexual (a forma como o indivíduo se apresenta ou é percebido pela sociedade), ou mesmo com seu sexo (aspecto biológico) — pode, sim, causar-lhe sofrimento psíquico. 
 
Verifica-se, assim, um absurdo cerceamento de direitos, tanto do ser humano que precisa de ajuda, quando do profissional que poderia atendê-lo. 
O art. 4º da Resolução CFP nº 1/1999 proíbe os psicólogos de se pronunciar ou mesmo de participar de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa “de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica”. Trata-se de censura, vedação explícita do direito de expressar-se, posta de forma unidirecional, tendenciosa. 
 
A Constituição Brasileira já estabelece de forma clara que constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Logo, não apenas ao psicólogo, mas a qualquer cidadão é vedado discriminar pessoas quanto aos referidos aspectos. Por que, então, deveria uma norma aplicável aos psicólogos privilegiar a homossexualidade? 
 
Acreditamos haver demonstrado cabalmente o fato de que o Conselho Federal de Psicologia extrapolou o poder regulamentar e os limites de delegação legislativa ao editar a Resolução nº 1/1999. Espero contar com o apoio de meus ilustres Pares para a aprovação deste Projeto de Decreto Legislativo. 
 
Sala das Sessões, em de abril de 2014.  
Deputado PASTOR EURICO

 

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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