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Curitiba: A cidade que te mata aos poucos mas onde você morre feliz

Redação Lado A 30 de Janeiro, 2015 18h57m

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Já são quase 20 anos desde que vim morar na minha amada Curitiba. Hoje, pleno alto Verão e faz 12 graus lá fora. Choveu o dia inteiro, um dia cinza de garoa interminável, frio, tão característicos desta cidade que escolhi para viver e morrer. Não troco Curitiba por praia e nem por outras metrópoles, por qualquer outra cidade do mundo. Temos sim problemas, mas a nossa cidade é única positivamente. Curitiba não é perfeita, mas confesso, ela vicia.
 
Nos idos da década de 90 assisti uma peça, com o Anderson Faganello, e nela uma parte do texto me marcou, apesar de não dizer que se tratava de Curitiba, creio que era uma adaptação importada, ela dizia que o personagem perdeu a hora certa de abandonar aquela cidade, que o consumia aos poucos com suas armadilhas. O título vem desta passagem da minha vida, pois nesses 20 anos na nossa capital, em algum momento eu teria perdido a hora certa de mudar de cidade? Curitiba mata aos poucos, mas a vida aqui é intensa.

Temos um quê de interior, todos se conhecem. Claro, vivendo a ilusão de que a cidade se restringe ao Batel e seu entorno. A cidade tem o melhor sistema de transporte, mas tem seus muros altos e invisíveis.  A Curitiba de verdade do subúrbio se esconde (ou é escondida) e a da propaganda lernista e seus seguidores prevalece. Conheço as duas. A Curitiba de verdade é cruel, com número de assassinatos por habitante de zona de guerra nos finais de semana, onde pessoas batalham pela sobrevivência e vão para “Curitiba” para colher seus frutos de morar aqui.  A Curitiba da propaganda não precisa de apresentações, ela salta aos olhos estrategicamente e ofusca a realidade, dimensão esta onde vive maior parte da população.

Um boato corre com o vento por aqui mas morre em pizza como as injustiças. O político dono de puteiros, o acidente do deputado, o delivery de drogas, o homem que plantou um flagrante na ex-mulher e postou o vídeo na internet são as mais recentes. O povo também fala dos esquemas nos tribunais, a corrupção generalizada, da lavagem de dinheiro e situações que correm soltas 24h na cidade, visíveis aos olhos dos mais atentos. As pessoas se drogam e bebem mais parece, fazem mais sexo, tem mais segredos… e mijam na rua sim. Apesar de tudo isso ser negativo, não importa. Nós temos Armani, Hugo Boss, Versace, Prada, Tiffany´s, Valentino e Louis Vuitton. Curitiba tem donos, e são parentes ou amigos, se respeitam e se alternam no poder há gerações, infelizmente cada vez mais incompetentes e mergulhados na ilusão da cidade perfeita.

Se você não se importar com o tempo, a injustiça, a imagem falsa, a hipocrisia de fingir que nada disso existe, a covardia de não se debater os interesses de grupos de pessoas estarem sacrificando a história da cidade, Curitiba é uma cidade incrível. Temos parques e qualidade de vida, temos mentes brilhantes e soluções para quase todos os problemas. A Curitiba de verdade tem diversidade, tem opções para todos os gostos e bolsos, é uma grande cidade multicultural de quase 3 milhões de habitantes, decadente, mas que ainda assim é um oásis, dentro de seus muros, claro. Um lugar onde o talento local tem oportunidades de crescer e ser reconhecido. Será mais reconhecido se sair e vencer lá fora, mas não será facil se chegar de fora para tentar vencer por aqui, a não ser que tenha boas indicações. 

E o curitibano é educado, respeita as pessoas e a cidade, tem a fama de não se misturar muito mas isso não procede, Curitiba muda a cada dia, é perceptível.  Os curitibobocas estão em extinção, bem como as peruas do cabelo mico leão dourado, bem como os magnatas que evocavam “você sabe com quem você está falando?”. Ainda existem mas há 20 anos eram dominantes. Curitiba está machucada, mas está viva. E como bom curitibano, agregado, acredito que ela irá se recuperar um dia. Na dicotonia do céu e inferno, seríamos mesmo o purgatório, como na peça que assisti. Melhor garantir e ficar por aqui. Não foi surpresa a cidade ser listada recentemente entre as mais caras e desiguais do mundo, mas não creio que seja verdade, sabendo onde ir, é uma cidade econômica e segura.

Curitiba, sua linda! Se você fosse uma mulher seria uma mãe batalhadora, se fosse um homem seria um eterno romântico, se fosse um animal talvez um jacaré ou uma capivara, que todo mundo gosta, um ser selvagem e observador, alguns até comeriam. Se fosse uma árvore seria um pé de manga, que abriga a todos com sua imponente copa e tem frutos que depois ficam enfiados nos dentes. Curitiba é única, especial, uma cidade que é preciso 20 anos para conhecer, mas 20 segundos para amar. Curitiba é para casar mas, como em todo casamento, há seus dias bons e outros ruins, e sempre há alguns fatos omitidos ao cônjuge.

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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