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Escravizados pelo sexo: do que somos capazes pela falta do amor?

Bruno Uerba 11 de Março, 2015 09h02m

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Compulsão sexual é um assunto sério. É doença e tem tratamento. Pode acontecer comigo, com você, e até com aquela pessoa mais meiga do escritório que ninguém dá nada por ela (somos mistérios pra nós mesmos). Eu precisaria estudar anos de psicologia para me aprofundar no tema e, por esse motivo, não bancarei o sabichão que tem respostas pra tudo na ponta da língua. A minha abordagem será mais simples, com foco nos nossos pequenos hábitos que se repetem e que podem nos tornar num monstro com infinitos tons de descontrole emocional. 
 
A nossa cama diz muito sobre a gente.

Tudo começa de forma bem inofensiva. Umas curtidas nos “modeletes” do Instagram, um videozinho pornô que a gente assiste pra se aliviar, um rapaz que cruza conosco na rua e deixa o Whatsapp, mais curtidas, mais vídeos, uma agenda que, a certa altura, já está abarrotada de pessoas identificadas por códigos… E quando a gente se dá conta está imerso num mundo tão vazio e pequeno que cabe dentro de um aplicativo de “pegação”.
 

A linha que divide uma pessoa sexualmente ativa de um compulsivo é bastante tênue, apesar de que não dá pra confundir uma coisa a outra. Transar todos os dias não significa que somos ninfomaníacos. Um casal que bate cartão na cama diariamente está amplamente saudável, ajustado na sua plenitude.

A história começa a desandar quando uma só pessoa deixa de ser suficiente. Daí inicia-se aquele filme que todos já devem ter assistido: um namoradinho fixo para os fins de semana, o contato de um plano B pra dar umas fugidinhas de vez em quando, o carinha da academia que é um tesão e você não pode deixar passar, mais uma proposta de alguém que surge do Whatsapp, e que você não via há tempos. ‘Só mais esse’.
 

Um pequeno intervalo.

‘Olha só aquele surfistinha, está me dando mole…’ E bye bye praia com os amigos. Sem perceber, a pessoa fica escravizada por uma descarga de adrenalina que vem com gostinho do proibido, com desejo incontrolável por aventura, por novidade e é preciso se satisfazer a qualquer custo. Num mundo em que tudo nos é lícito, que mal tem ficar com quem nos atrai? 
 

Um milhão de desculpas passam pela cabeça de quem está dominado pelo sexo fácil: é um atestado médico daqui (Hoje não estou na vibe de trabalhar!); uma coleção de mensagens não atendidas enquanto está na “caverna” se ocupando com a masturbação; os amigos que vão para o segundo plano, a visita de praxe à família que fica pra escanteio ‘Não, mãe, está tudo bem, vou desligar, beijos’.  
 
Como qualquer adicto leva-se muito tempo pra perceber os caminhos tortuosos que está trilhando. A pessoa acha que está no controle da situação, que será capaz de conter os impulsos sexuais, que já conseguiu experimentar o maior dos fetiches (ménage à trois, sexo grupal, sadomasoquismo, adicionar entorpecentes associando drogas ao prazer) e quando menos espera, está pensando no próximo da lista: bora pra real?
E o que há de real nisso? Superficialidade e ressaca moral. 
 
É o que sobra quando vamos para o banho com a ilusão de que estamos eliminando o nosso ato sujo, sem ter ideia de que as impurezas ficam impregnadas no espírito, adormecendo a paz lentamente e despertando cada vez mais o instinto selvagem de caça. E nessa perturbação emocional, trocam-se telefones, salivas, energias. Perdemos um pouco do nosso coração, da esperança de encontrar alguém bacana, ou destruímos uma relação incrível que temos, jogando o amor para o final da lista: ‘estou muito feliz solteiro, obrigado’. 
 
Mentira deslavada.
 
Quantos sonhos não se perdem, quantas relações são desfeitas, quantas amizades se destroem porque a gente prefere viver a vida “desbloqueados”, livres pra qualquer chip, prefere se agarrar aos lençóis, se relacionar com a própria vontade, morder os lábios, as fronhas, segurar alguém pelo pescoço, nunca pelos sentimentos. E o que vem depois disso?
 
Na falta do amor, a ansiedade surge sem pedir licença e nos atormenta com a ideia de que precisamos preencher algumas lacunas. Do contrário, o mundo vem abaixo. Cada um de nós sabe o descontrole emocional que esconde a sete, ou, cinquenta chaves. Pode ser o excesso de doces que nos acalma; a vontade incontrolável de gastar, comprar coisas que não precisamos; a necessidade de ir à academia três vezes ao dia; ter que trabalhar mais do que o normal pra se esconder da vida que nada acontece; o exagero de afetos que sufoca, porque não suportamos conviver com a solidão; o vício por games, remédios, drogas, sexo e uma lista infindável que se amontoa. 
 
Richard Grey de “50 tons de cinza” ficou com sequelas emocionais ao ser deixado pela mãe quando criança, história que quase beira a de Bruna Surfistinha, adotada e desprezada pelos pais. Abandono, rejeição, ansiedade: falta de amor. Não nos faltarão motivos pra tornar a nossa vida mais difícil que o necessário.
 
Se você sofre de compulsão sexual, ou está indo nessa direção, está em tempo de enfrentar a dor de frente, levantar-se do tombo, desprender-se das algemas masoquistas que adestram nossa mente, recuperar a virgindade da alma, abrir mão da alta rotatividade de parceiros e conviver com a própria presença sem ser algo aflitivo, ter domínio dos próprios atos, assumir que algo precisa ser mudado sem a desculpa de usar a expressão “válvula de escape” para agir com inconsequência, se expondo às doenças físicas e mentais. 
 
A nossa cabeça é um território vasto, blindado de forma que ninguém tem acesso. É onde vagam os pensamentos mais clandestinos, é o local onde convivemos com a nossa própria lógica, onde se estabelecem as batalhas internas e somente nós, Meninos de ferro, podemos decidir se vamos vencer ou fracassar.
 
Bruno de Abreu Rangel – brunorangelbrazil@hotmail.com
http://wwwbarbrazil.blogspot.com.br/
 
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.

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