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Gays conservadores e a homofobia internalizada dos próprios gays

Redação Lado A 20 de Março, 2015 16h58m

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Não é porque uma pessoa é homossexual que ela não pode ser homofóbica. Uma das facetas mais claras de como a homofobia social deturpa o meio gay é quando homossexuais ou gays assumidos são contra um beijo gay na novela, contra o casamento gay, a adoção gay ou ainda andar de mãos dadas nas ruas. Para eles, é uma provocação à sociedade – colabora contra a imagem do gay – e aumento da violência. Oi?

Alguns também são contra os afeminados, as paradas gays e a militância. Repartem a mesma mentalidade de religiosos fundamentalistas e conservadores de ultra direita. Para estes, homossexuais devem viver no armário. E se ousarem sair de lá para provocar a “maioria” merecem pagar o preço por isso. Esta semana, além da repercussão do beijo lésbico da novela “Babilônia” que gerou protestos de evangélicos e adjetivos de “apelativo” e “desnecessário” de alguns gays na internet, teve o famoso ex casal de estilistas italianos Dolce e Gabanna declarando que a adoção, inseminação, casamento gay e afins por ser algo antinatural, segundo eles. Note, o mesmo preconceito, mas vindo da própria comunidade.

Esta forma de homofobia é fruto de uma cultura social em que as pessoas tendem a se achar uma melhor do que as outras com base em uma escala criada por quem está no poder. Todas se acham no direito de opinar como os gays devem se portar mas ninguém está disposto a conceder igualdade ou lutar por isso. Na minha experiência, o discurso muda quando a pessoa passa a ser vítima deste sistema que alimentou. Pois é fácil dizer que o gayzinho vítima dos neonazistas ou o casal gay expulso do restaurante provavelmente “estava abusando” do limite do aceitável quando foi atacado. A verdade é que a homofobia não é nada tolerante, e alimentá-la faz com que se justifique a sua existência, a homofobia nada mais é do que uma repulsa que vira ações de preconceito. Entenda a homofobia: Mesmo se você for casto, ainda arrumarão pretexto para condenar o fato de você ser gay, se forem preconceituosos.

Quando a pessoa passa a ser vítima, ela muda de opinião. E se fosse o seu filho, e se fosse você? Alguns acham que não estão sujeitos à violência e ao preconceito pois gozam de masculinidade, posição social ou amizades influentes. Errado, cedo ou tarde a homofobia baterá na sua porta, é uma questão de tempo para que você perceba que ela existe perto de você. Todos estão sujeitos a serem vítimas da homofobia, inclusive os heterossexuais.
 

A homofobia dentro das comunidades LGBTs sempre as desuniu, muitos veem o sexo como única realidade comum, e não conseguem ver que é o preconceito que nos une e ao mesmo tempo nos separa. O arco-íris da diversidade deve ser sim abraçado por todos. A tolerância deve ser o nosso mantra. Quando um perde, perdem todos, por isso é crucial desmontar o discurso da direita, enraizado em nossa sociedade, de que alguém é melhor do que alguém por ter, ser, saber, se comportar de forma diferente. Não precisamos nos esforçar para sermos aceitos, a questão é dialética. Sou gay e pronto, o caráter de um em nada tem a ver com a sexualidade coletiva, não precisamos provar nada para ninguém pelo fato de sermos homossexuais.

As travestis e transexuais, bandeiras 24h do segmento LGBTs, são as maiores vítimas, as mais incompreendidas e julgadas no meio – pagam um preço alto por viverem na margem do sistema. Lésbicas e gays recorrem a estereótipos para se auto atacarem ou invés de darem as mãos. Bissexuais vivem nas sombras da existência, dúvida criada por quem quer se auto afirmar mas a ponto de negar ao outro o direito de ser Bi. LGBTs caretas! Presos a conceitos sociais e replicando o discurso de que casal é homem e mulher, casamento é sagrado, provocou tem que apanhar… Tudo por uma clara falta de aceitação de que o seu limite não deve limitar os outros. Quando vemos por gerações, isso fica bem claro.

Muitos gays de mais de 60 anos falam “caso” para seus relacionamentos, os de 40 dizem “companheiro” e os mais novos chamam de “amor, marido ou namorado”. Assim como os costumes, nossa língua portuguesa é viva, bem como nossas leis que devem evoluir, junto com a mentalidade, esta a parte mais difícil.

Mais uma vez, a busca pela felicidade individual se mostra um caminho que incomoda o outro. Não importa a roupa, com quem ou quantas pessoas alguém transa, se tem ou não HIV, se é estudado, se tem dinheiro, se tem ou não posses, se é gay flamboyant ou indiscreto, todos tem o direito de serem felizes e viverem a própria vida como quiserem. O seu direito de não ser incomodado aos olhos e o de opinar é válido apenas dentro da sua casa, a rua é de todos, se não gosta do que vê, desvie o olhar ou mude de canal.

Agora, se você acha que a sua opinião conta, que está no seu direito de exercício de liberdade de expressão ao apontar dedos ou o que é certo ou errado para alguém, ou achar que a atitude de alguém implica na imagem do grupo a que você pertence, bem, você não passa de uma pessoa limitada, que não conhece a felicidade, e que mais se assemelha com bolsonaros e felicianos da vida. Não queira que as pessoas pensem como você, ou ajam como você. Guarde o seu pensamento para si, salvo se for o seu blog, ou site, ou perfil, ou se for perguntado. Agora, ir no perfil alheio, na tevê, ou expor as pessoas ao seu preconceito, isso não é liberdade de expressão, isso é pregar preconceitos, é buscar destruir a felicidade do outro. Seja feliz e deixe os outros serem felizes!

Não é por que você transa com pessoas do mesmo sexo que você é gay. Ser gay é uma identidade social. Por isso o ator James Franco brincou que só não é gay na hora do sexo. Ser gay é ser livre, lutar pelos direitos de IGUALDADE de todos os LGBTs, ter ORGULHO, e entender que cada um tem suas provações pessoais, comete erros e acertos, em busca da felicidade e que nada disso tem a ver com o fato da pessoa ser gay ou homossexual.

A homofobia internalizada no meio gay chega ao absurdo de assassinatos com requintes de crueldade de parceiros sexuais. É quando o homossexual é desumanizado pelo outro porque ele se acha superior ao ponto da vítima não ter direito à vida em razão de ser algo que lhe provoca ojeriza, ou a ponto de incomodar tanto que a pessoa chega a matar um “igual”. É sim falta de auto-aceitação, reprodução do senso comum homofóbico, a ponto de se tornar uma psicopatia. A homofobia internalizada também mata, é uma doença!

Entender e aceitar a diversidade é um exercício para toda a vida. Se algo lhe incomoda ou causa repulsa, não é culpa da pessoa ou do que te criou “nojo”, isso nada mais é do que uma reação neurológica ao entrar em choque com os seus preconceitos. Catarse. É o cérebro questionado. Valores são pessoais e importantes, subjetivos, intransferíveis. Você pode sim avaliar as pessoas por valores éticos e morais, mas não confunda isso com o seu preconceito. Devemos questionar os nossos preconceitos todos os dias pois o que nos é visto de uma forma existe de várias formas e cada pessoa tem direito de ser feliz, de acordo com a realidade dela. Lembre-se que todos temos limites, eles podem e devem ser trabalhados, mas nunca tente limitar as outras pessoas pois isso é perverso e egoísta.

Dica: Veja quem está sorrindo, se for a pessoa, e não você, ela está certa. Pois não há nada mais gay (alegre, em inglês arcaico) do que ser feliz.

 

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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