Arquivo

10 impressões sobre o debate do Estatuto da Família na Câmara

Redação Lado A 26 de Junho, 2015 04h57m

COMPARTILHAR

TAGS


Nesta quinta-feira, parlamentares debateram com dois convidados o projeto do Estatuto da Família, PL 6583/13, do deputado federal Anderson Pereira (PR-PE), que quer limitar como família as uniões entre homem e mulher.Participaram da audiência pública no Plenário 11 do Anexo II da Câmara dos Deputados, com transmissão do site da TV Câmara e outros sites, o pastor e psicólogo Silas Malafaia e o militante gay e doutor em EducaçãoToni Reis.
 
Com perguntas dos deputados feitas em blocos de cinco perguntas, os convidados responderam as questões, depois de apresentarem seus pontos de vista por 20 minutos cada. Toni Reis mostrou a sua família e as decisões do Supremo, enquanto Malafaia se concentrou em afirmar que gays não formam famílias e que a Constituição já afirmava isso, antes da decisão do Supremo a qual desqualificou por acreditar que as leis devem ser feitas pelo Congresso.
 
Malafaia ainda conjecturou que os gays defendem um plano maior, esquerdista, para desestruturar a família para que ela fosse melhor manipulada pelo PT. Mas a teoria de massas diz ao contrário: Que quanto menos uniformes, mais difícil de serem controladas as massa, ou seja, o rebanho compactado é o mais fácil de ser guiado. Isso explica muito o que vimos nessa tarde.
 
Nossas constatações:
 
1 – Foi um massacre. Não por falta de preparação do Toni Reis mas porque a cena parecia a de um vegetariano tentando convencer canibais a não serem selvagens. Com citações bíblicas, afirmações científicas falsas ou equivocadas e muita gritaria (com direito a crianças com cartazes e tudo), o debate foi disforme. A deputada Erika Kokay fez sua fala mas Malafaia afirmou que a deputada não conhecia seu próprio texto e gritou sem sentido, misturando passagens da lei dde autoria dela, manipulado o fato de que o que ela afirmou era exatamente o que ele leu. Ganhou no grito, sobre a lei que pode tirar o poder de decisão dos pais em casos de não apoiarem o processo de transexualização das filhas adolescentes diagnosticadas com disforia de gênero. A deputada abandonou a sessão durante a réplica do pastor.
 
2 – Não sabem perder. A toda hora foi questionada a decisão do Supremo e ficou claro que o objetivo do projeto do Estatuto da Família é cassar a decisão que autorizou o casamento gay no país. Todavia o projeto não fará isso, primeiro por ser inconstitucional, segundo, ser homossexual não é crime no país, logo as uniões homossexuais são legais e segundo interpretação da Constituição do supremo, por alusão, homossexuais tem o mesmo direito. Percebem os temas de direitos humanos como um jogo de ganhar e perder, sendo que sempre quem perde com a diminuição de direitos é a sociedade.
 
3 – Querem provocar. Além de ficar indagando sobre a não presença de Jean Wyllys e tentar desqualificar os gays ao qual Silas Malafais chamou de “instáveis socialmente”, o que vimos foi que busca-se uma guerra ao invés de se discutir direitos. Evoca-se a religião para mascarar uma questão mais importante, de pessoas que podem ser tolhidas do direito de constituir famílias, pessoas essas que são excluídas por princípios religiosos e poder da maioria, quando não se trata de uma briga de poder, mas de um direito, à felicidade, à proteção do Estado destas relações. 
 
4 – Não teve foco. Se falou de transexual em Parada Gay, Plano nacional de Educação, Lei da Bíblia, Ex-gays, violência homofóbica, transexualização, mas não se discutiu o principal, que a grande parte das famílias brasileiras não estão arranjadas em relações entre homens e mulheres. Ou seja, ao retirar os gays retiram as mães solteiras, as avós que cuidam dos netos, adotantes solteiros, entre outras famílias de fato e de direito.
 
5- São homofóbicos. Partindo do princípio que perguntam qual a definição de homofobia para saber se são homofóbico e se estão exercendo o direito de expressão, já devem estar errados. Homofóbicos sim pois querem rever direitos já conquistados, pois  fazem e riem de piadas como a feita pelo convidado religioso que se referiu a uma vara de justiça de número 24 com ironia, ou que acham que a maioria tem o direito de questionar  o direito de igualdade de uma minoria seja qual for o motivo para tal convicção de legitimidade. 
 
6 – Lei de Deus. O Estado brasileiro, formado pelos três poderes, ao menos na Câmara não é em nada laico. Os parlamentares dizendo que a lei maior é a de Deus e ainda defendendo a “família criada por Deus”, é algo tão surreal em uma república democrática que expressa de fato a intolerância nas cidades. A religião deve ser praticada no templo e nas casas, não pode virar política pública, muito menos tolher e segregar pessoas, não combina nem com o Estado e nem com a espiritualidade.
 
7 – Desumanos. Dizer que a homossexualidade, ao qual se referiam propositalmente como homossexualismo é um comportamento, que ninguém nascia homossexual, é cruel e desumano, além de falso e quem sabe um dia criminoso. Não se trata de opinião. É o mesmo que dizer a um religioso que ele é louco por acreditar que a Bíblia é sagrada, em anjos, em demônios, em milagres e que Deus não existe, que as igrejas extorquem e praticam o charlatanismo. Opinião é o que você pensa, quando você fala para desqualificar alguém é crime, é preconceito, é imoral.
 
8 – Querem aparecer. Repetição de inverdades e gritos, além de desqualificar a comunidade gay foram ações repetidas por quatro horas, um verdadeiro circo que não debateu o tema proposto, perguntas repetidas e elogios direcionados aos presentes, como um clube de homofobia, em que a defesa da família não foi a pauta. Até Toni Reis, representando dos gays, serviu de escada e usou aos outros de escada, em uma confraria voltada a auto promoção e a promoção de idéias equivocadas sobre homossexuais, seus direitos e religião. Toni foi diplomático, o que fez com que os outros tivessem que mirar em outros alvos, fez bem o papel que não poderia ser outro, já que o evento era controlado e coordenado pela bancada evangélica, que se beneficiou ainda nos tempos concedidos aos a favor e aos contrários.
 
9 – Cartas marcadas. O que se viu foi mais uma sessão de amostra de poder da bancada evangélica e afins, que falou mais de Deus e lei divina, preconceitos, do que de Direito Humano e estruturas familiares. É fato, existem famílias fora do ideal heterossexual de homem e mulher. O que se pede é que a hipocrisia continue, que as famílias idealizadas, bem como os filhos idealizados, todos heterossexuais, vire norma de Estado, que o Estado ajude a esconder o que é diferente do conto de fadas inexistente senão na cabeça de pessoas que vivem em um mundo irreal e distante da realidade. As famílias mudaram, o país mudou, o mundo mudou em 3 mil anos. E a vida segue seu rumo, não adianta querer que não se discuta um assunto, quando um dia ele surge e some da invisibilidade imposta, rasga a cortina e se impõe sobre as ideologias.  O mesmo vale para ao Plano de Educação, o assunto surgirá nas salas de aula e hoje a desinformação não é mais uma possibilidade, o modelo de ignorar o mundo real e tomar proveito da ignorância alheia não passará nos próximos anos. 
 
10 – Não há diálogo. A primeira proposta do convidado Toni Reis nem foi ouvida. De se criar o “Estatuto das famílias”, plural. Tentou provar a inexistência de algo que estava ali na frente, as famílias gays existem. Não cabe a ninguém dizer que elas não existem. São legais, pagam impostos, já tem seus direitos reconhecidos por força do Supremo. Ao desqualificarem os gays com generalizações do tipo “vocês não nos respeitam e não serão respeitados”, ou dizendo que gays querem perverter as crianças, ainda comparando gays a pedófilos, que famílias que não geram prole não são de interesse do Estado, que o sexo foi feito para a procriação, entre outras afirmações deste nível, tudo isso mostra apenas que não é possível discutir com pessoas que não conseguem nem entender o próprio livro que dizem ser a lei deles. Quando Jesus disse ame ao próximo, ele não referiu amar a pessoa ao lado, mas aquela mais distante de sua realidade, também disse que não julgueis para não ser julgado, e ainda, que todos são iguais, aos olhos do Senhor. Mas nem isso conseguem entender…
 
E qual foi a sua opinião do debate?

Se quiser assistir, abaixo, na íntegra, retirado do canal do Pastor Silas Malafaia sem edição.

 

 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

COMPARTILHAR

TAGS


COMENTÁRIOS