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Um Mundo de Medo e Prazer

Redação Lado A 19 de Junho, 2015 20h06m

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Foucault, no livro que se chama “Uso dos Prazeres” diz que o oriente produziu artes eróticas, e um tapete porque o chão é sagrado”, enquanto o “ocidente produziu ciências sexuais e as tapeçarias”. 
 
É necessário aumentar a gramática das violências. Em outro momento Foucault analisou: “Toda relação é uma relação social, mas nem toda relação social é relação de dominação”. Vejamos, então: o nosso maior preconceito enfrentado é contra a imaginação. Vivemos num mundo anti subjetividade. Tudo aquilo que parecer feminino ou sensível, é atacado pela maioria e tratado como subversivo. A criança é atacada, porque não está 100% formada e parece ser frágil. 
 
Nós construímos uma ideia de que violência é tudo aquilo que nos produz medo, e isso faz com que toda violência seja inaceitável. O maior problema não é a violência em si, e sim, o medo de sentir violência.
 
O medo faz a violência se perpetuar na sociedade, é um vício e embalou o preconceito. O medo social é a pior violência. São violências que estão baseadas na perpetuação do medo social. “Um sujeito só reconhece o outro quando ele é pelo outro reconhecido”, afirma o psicanalista e intelectual francês Jacques Lacan.
 
O déficit de reconhecimento oferece desafios. A partir de estudos de Hegel são três as instâncias que reproduzem reconhecimentos: a primeira é a do amor (a primordial), a segunda seria a forma jurídica, que muitas vezes é trazida pela forma do amor (igualitário), a terceira é o reconhecimento social, que não é meramente pessoal.
 
Na sociedade, na maioria das vezes, falha é seletiva: o processo de reconhecimento jurídico varia de acordo com o reconhecimento social. E o amor, de acordo com o social, parece injusto com muitos. Esse é um dos traumas principais.
Mas existe a quarta instância, que é a cultura do espetáculo: a duplicação social. Tudo aquilo que é vivido é transformado em imagens, símbolos e códigos. O mecanismo de funcionamento, através da história, é constituído para um funcionamento mercadológico. Os sentimentos transformam-se em plástico. O amor vira plástico.
 
A noção de conflito é crucial para compreender a noção de espaço público e urbano. A paz no estudo puro ela nunca existe, e sim existe como ideologia. A ideia de pacificação do conflito é o que nos interessa.
 
Porque quando o espaço urbano emerge enquanto público ele é válido, porque é disputado, essa é a regra do jogo. Quando você tem um lugar disputado você está de acordo com a democracia, portanto ele está pacificado.
 
A modernidade inaugura o conceito de que ela precisa se destruir a si mesma para se reconstituir, isso em Marx, na sociologia, e em Nietzche, na filosofia é muito visto. Para criar um novo mundo, destrói-se o anterior. Na essência da modernidade se dá uma visão positiva de destruição. Faz parte do processo moderno que a violência atue. E as grandes reformas urbanas se dão nisso. Paris vem como esse exemplo: criando os grandes boulevares. O modernismo se dá a custa de muita violência. O impressionismo não é, à toa, uma maneira urbana de pintar o mundo. É num processo dramático que se dá o processo agrário pro pós-urbano.
 
Os países passaram a ser points vertiginosos e apenas vitrines mercadológicas, réplicas do capitalismo pop. É como se pudesse existir um mundo de cenários, grandes shoppings e torres, e não um mundo de humanos e para humanos.
A pulsão em si não diz nada, pode ir para qualquer objeto, desde que atenda a sua orientação, e você só trabalha quando vem em discurso. A violência, quando colocada por Freud, como pulsão de morte, foi muito mal interpretada. Lacan articula a pulsão de morte quando ele apresenta o “gozo perfeito”, é o “grande outro”, é como o sistema que tem de entropia, é o psiqué orgânico.
 
A grande violência vem da dominação, dos monopólios, da produção em grande escala, dos seres em forma de robôs. Existe uma versão patriarcal, com ou sem culpa, que nos oferece um pecado original da humanidade. Como se fosse uma lei. A violência é permanente em qualquer civilização viva. Qualquer sociedade viva ela tem que incluir a violência. Violência é pedido de ajuda! O agressor precisa de ajuda.
 
Quando o ex-presidente Médici quando dizia que ao ligar a TV viva numa ilha de paz e tranquilidade, porque no seu país não via violência, isso nos mostra o quando a Direita e os amantes da Ditadura são aficionados por violência e preconceito. E não existe ordem sem produção de discurso.
 
Precisamos incluir, tendo produção de discurso. Não se faz inclusão só com publicidade. O único discurso hoje é o discurso do consumo. Precisamos de inclusão com produção de discurso, ou seja, mobilidade de classe e mobilidade de discurso!
 
Por que o “rolezinho” foi um susto? Eu estou com saudades do “rolezinho”. O “rolezinho”, o nome já diz, não é bagunça. É um passeio sem sigla, aonde leva não consumidores ou consumidores invisíveis direto aos templos do consumo. E lá eles descobrem, através da polícia, muitas vezes assassina, que não são bem-vindos. E são novamente marginalizados. 
 
O “rolezinho” virou sensação muito mais pelo movimento anti-rolezinho. A mídia conservadora ficou apavorada com isso. A polícia com medo de não conseguir controlar o efeito social que ele gerou. Como se fosse um pecado original e mortal. Como se eles fossem invasores de um mundo que nunca poderia pertencer a eles. Nem a sombra ou o reflexo desse mundo.  A cidade é a melhor invenção do homem, de todos os tempos. E a virada cultural é uma tentativa feliz de mostrar que a cidade precisa ser das pessoas, e para as pessoas.
 
Uma marca da alegria na obra de Freud, é quando a criança se vê e reconhece-se no espelho. Depois Lacan volta a este momento, e os dois, Freud e Lacan, mergulham nas teorias sobre Narcisismo. Todo sexo é narcísico. Todo sexo, teoricamente, faz bem. Sexo é educação. Precisamos transar mais em palavras. Porque sexo é qualidade de vida.
 
O amor como consumo absorve todos como iguais: LGBTs, heterossexuais, assexuais, todos. Porque é um amor fugaz, instantâneo. Ao mesmo tempo que os conservadores e a Mídia, porta-voz e maior partido político conservador, obriga a todos, independente de sigla, a encontrarem o seu par. É o amor por obrigação, que aniquila quem não ama ou não é amado, de acordo com o mercado. O amor caiu na pegadinha da heteromania. Tudo virou coisa. É o mundo da frieza burguesa. 
 
O filósofo Kant, no final do século XVIII, afirma que todas as coisas que podem ser comparadas, elas podem ser trocadas e têm um preço. Mas aquilo que não pode ser comparado , nem trocado, elas não tem preço, mas dignidade! Onde estaria hoje essa máxima, no mundo da equivalência das coisas desiguais?
 
O sexo é uma das artes e beldades mais antigas. Não combina com o amor obsessivo, nem com a paixão doentia. Sexo tem a ver com vida, e vida tem a ver com morte. Quem nunca ouviu a frase: “Estou morrendo de amor!”.
 
Além das transexuais e travestis, quem mais sofre preconceito, na sociedade, é o bissexual e o assexuado. Eles são mais do que ignorados, são desacreditados. É por isso que faltam pesquisas acadêmicas sobre os bissexuais, e mais ainda, sobre a figura do assexuado, que nos Estados Unidos, um grupo simbolizado pela letra A, quer fazer parte das Paradas da Diversidade. São, sem dúvidas, a letra ou sigla que mais crescerá nos próximos tempos, porque estão entre todos os gêneros. 
 
 
Maurício dos Santos é Jornalista e Psicanalista, autor do livro “Acima da cabeça só existe o coração” Presidente da Câmara do Livro de Santa Catarina

 

 
Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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