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Amigo, já pegou essa figura? Manda nudes.

Bruno Uerba 18 de Setembro, 2015 17h21m

Queria eu ter vocação pra vidente – não tenho, mas já consigo ver a minha foto num despacho na primeira encruzilhada. Se eu pudesse sugerir, recomendaria que não desperdiçassem energias me odiando porque assim como você, eu e toda a torcida do Flamengo estamos nessa, e desnudos. 
 
Quem teve infância deve se recordar disso. Umas das maiores sensações da época eram os memoráveis álbuns de figurinhas que entretinha toda a moçada da escola. Alguns optavam pela Seleção Brasileira, Copa do Mundo, Cavaleiros do Zodíaco; outros por algo mais açucarado como Cinderela, Ursinhos Carinhosos, Xuxa (havia, inclusive, a parte dos paquitos em que ficávamos ali admirando os rostinhos “angelicais”). Ai, ai… Agora vai fingir que não se lembra? 
 
Convivemos com essa dinâmica de irmos às bancas comprar os pacotinhos e completar o livro de adesivos pra provar ao mundo que éramos os melhores, que estávamos à frente de todos que perdiam as tardes de recreio no bafinho pra tentar encontrar o que a gente já tinha conquistado há séculos.
 
A Terra cumpriu o seu ciclo umas dez ou vinte vezes. Crescemos, nos tornamos adultos superpoderosos, mas com atitudes de garotinhos de 8 anos de idade. E, o bafinho de outrora – virou bapho. 
 
‘Amigo, já pegou essa figura?
 
Quem? Manda a foto.’
 
Agora funciona assim. Trocamos figurinhas virtualmente com nossos amiguinhos na tentativa de descobrir se uma pessoa que nunca cruzou o nosso caminho vale a pena – oi?
 
Nesse patético universo da futilidade encontra-se de tudo um pouco: têm os tarados de plantão que colecionam nudes pra ficar no 5 a 1; os deslumbrados que tiveram a chance de pegar alguém num “momento específico” e que carregam essas lembranças como um troféu; os figuraças que já pegaram todos e não se envolveram com ninguém por pura escolha (aham); e os que pegam e saem falando mal porque a outra pessoa se esquivou de uma segunda vez, não quis repetir figurinha. Todas estas figuras acreditam que os seus álbuns estão quase completos quando na realidade a autoestima está vazia, reduzida a uma coleção de fotos e corpos onde as pessoas saem praticamente empalhadas. Uma fonte de tédio.
 
Enquanto esboço esse artigo a casa está de cabeça pra baixo, nem queiram ver: abarrotada de pedreiros numa obra infernal que vai em direção ao infinito. No meio do quebra-quebra, um deles, coincidência, ou não, me mostra uma foto no seu celular: 
 
– Olha só a gostosa que eu tô pegando. 
 
Fiz um joinha e notei que ele não se deu por satisfeito. Sem titubear, o colecionador de corpos prosseguiu mostrando outras milhares de fotos da garota, praticamente uma coletânea, algo bem próximo de uma psicose virtual. Quando percebi que a cada zapeada a moça ia ficando mais nua inflei o ego dele logo de vez: 
 
– Caramba, você é o cara, muito gostosa mesmo.
 
Dito isso ele se foi. E continuou com o seu trabalho um pouco mais feliz porque alguém teria reconhecido o seu valor como homem que só pega mulherão. Às vezes a meta de vida de alguém é ter uma pasta no seu smartphone abarrotada de nudes. Parece surreal, mas muita gente vive pra isso. 
 
Fiquei matutando se a garota da série de fotos teria permitido tamanha exposição. É sabido que, no ápice do “vem que têm”, as pessoas acabam compartilhando suas intimidades pra estimular quem está do outro lado, mas daí se aproveitar disso para sair trocando figurinha com o intuito de saciar o ego, ou denegrir alguém, é muita mediocridade, e das grandes. 
 
Já estou preparado para a turminha de alma precária que virá defendendo a ideia de que quem se expõe merece pagar com a própria carne; os que seguem a linha de que roupas curtas merecem estupro, gente que se droga tem que morrer, pobre tem que vestir saco de lixo (não pode ter Iphone).  Esses boçais disfarçados de seres humanos são as figurinhas mais complicadas do meio, pessoas terrivelmente comuns que se escondem atrás de uma vida sem tesão, sem entusiasmo, sem um tiquinho de respeito pelo próximo e ainda têm a coragem de estufar o peito para escarrar o politicamente correto. 
 
‘Você pegou esse cara? Essa figura é a maior piranha do Rio, sabia?’
 
E dá-lhe blá blá blá. As pessoas sabem tanto das outras e pouco de si mesmas que é preciso respirar fundo e contar até mil. O que mais tem no território dos mal resolvidos é gente ruim infiltrada, querendo raptar figurinhas no bafo, crianças mimadas que insistem colocar um jogador da seleção no álbum da Xuxa e enfiar um paquito nos Cavaleiros do Zodíaco só pra completar o seu álbum da popularidade e sair na frente.
 
O problema é que estamos num mundo em que a maturidade é menor que o tamanho do pênis, num lugar onde somente as leis fazem os idiotas pisarem no freio (o bom senso fica no ponto morto), por isso vale lembrar que é bom ter atenção dobrada e pensar duas vezes antes de enviar fotos apelativas – porque a Web não perdoa.
 
 
Bruno de Abreu Rangel
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.


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