Arquivo

MasterChef Junior e a discussão da erotização precoce e pedofilia

Redação Lado A 26 de Outubro, 2015 21h49m

COMPARTILHAR

TAGS


Valentina, de apenas 12 anos, virou epicentro de uma discussão sobre pedofilia e erotização das crianças na tevê depois que marmanjos na internet declararam admiração sexual pela menina participante da primeira edição do MasterChef Junior Brasil, exibido pela Band. Porém passou despercebida do público uma cena que me chocou mais, quando o chef francês jurado Jacan limpou as mãos no avental de uma das participantes da atração. Mas o que diz o ECA, Estatuto da Criança e Adolescentes?

Segundo o ECA e o Código Penal (CP), após os 14 anos, os adolescentes podem consentir a conjunção carnal desde que não haja coação, favorecimento ou violência. O art. 217-A, do CP, instituiu o crime de estupro de vulnerável, haja consentimento ou não, ato sexual com menores de 14 anos. É normal que os pais queriam cobrar os direitos de seus filhos mas raramente cumprem o dever de proteger seus filhos da sexualização. Valentina e as outras crianças do programa possuem redes sociais, mesmo quando estas restringem o acesso para menores de 13 anos de idade, caso do Facebook.

A imagem da mulher pelo ponto de vista machista no Brasil está ligada diretamente à cozinha e à servidão ao homem. O estereótipo da mulher branca e loira como modelo de beleza e o desejo dos homens mais velhos pelas lolitas são outros pontos reforçados na nossa sociedade. Homens desejam as virgens, brancas, mulheres que saibam cozinhar, como troféus (ou mãe de seus filhos) e tudo isso faz com que Valentina represente mais do que a criança inocente que ela é. Seus pais a expuseram aos leões, mas não é culpa deles se vivemos em uma sociedade doente.

Valentina é precocemente alta e tem ar inocente, ela pede gentilmente para Henrique Fogaça abrir um creme de leite, fala de forma doce, não tem culpa de ser uma menina bonita. Não tem culpa de saber cozinhar e de ser vista como o ideal virginal dos homens. Já os babacas da internet não apenas tem culpa de serem ignorantes como devem ser criminalizados pelos comentários e montagens de cunho sexual feitos contra a menina. Antes de se discutir sexualidade e idade consensual, precisamos discutir o respeito à dignidade da menina e a responsabilidade da sociedade nesse comportamento machista que jovens homens parecem ter orgulho de manifestar publicamente. Não creio que a discussão seja sobre pedofilia, uma doença mental e não uma questão criminal em si. O programa não incita a pedofilia, a erotização das crianças, ou perigosamente expõe as crianças.

Outro ponto a ser observado, a cena de Jacan limpando as mãos no avental da outra menina, a negra Daphne, é uma clara invasão do espaço da participante. Primeiro, ele prova o prato da moça com as mãos, o que não é uma erotização mas algo claramente informal e fora dos padrões do MasterChef, depois ele se dirige à moça, que estende a mão, e se limpa em sua vestimenta, causando constrangimento. Foi um ato imprópio e inaceitável, apesar de claramente o chef ser inocente com seu jeitão glutão e brincalhão. Ainda, não discutimos no país, por exemplo, as milhares de meninas grávidas, milhares de estupros de crinaças e adolescentes, e outras questões diárias mais graves. Não há punição, os ricos raramente são presos e por vergonhas as denúncias representam um mínimo da realidade e muito mais ainda as condenações.

É preciso não apenas estabelecer os limites mas ensinar as crianças que elas não são menos do que os adultos quando se trata de respeito. Em nossa sociedade, as crianças tem seus direitos violentados todos os dias. Nas relações pais e filhos, alunos e professores, jovens e adultos, em todos os momentos ouvem que devem ficar caladas e deixar os adultos conduzirem tudo pois elas são apenas crianças. Os sonhos dos pais norteiam o futuro dos filhos, como se fossem seres sem vontade própria. Não é raro ouvir pais que negam aos filhos o direito ao erro, baseados em suas próprias experiências e planos para os filhos. As mães criam meninos e meninas de formas diferentes, ensinam aos meninos a serem abusadores e superiores socialmente às mulheres que aprendem que seus dotes de beleza e aptidões caseiras são suas garantias de um bom futuro. Como podemos cobrar que essas crianças, principalmente as meninas, aprendam a se defender e saberem o que é respeito? Precisamos mostra que o assunto é sério, com condenações e mobilização contra os criminosos sexuais no país, mudança na educação das crianças. Essa sim seria uma boa discussão.

 
Veja cena citada do Masterchef Jr Brasil:
 
 

 

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

COMPARTILHAR

TAGS


COMENTÁRIOS