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Azarar os boys, beijar na boca e ficar louca.

Bruno Uerba 31 de Dezembro, 2017 11h58m

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No início desse ano, Simone, Simaria & Anitta formaram um trio de deixar o país boquiaberto. Não atoa já ultrapassaram meio bilhão de visualizações com a música “loka”, isso mesmo: meio bilhão. E sabem por quê? Simples, elas jogaram todo o Xororô do sertanejo para o alto e no lugar da deprê trouxeram autoestima, uma palavrinha que andava faltando no dicionário de muita gente.
 
Fazendo um breve resumo, a canção fala sobre uma mulher que está trancada em casa curtindo a fossa porque não consegue se livrar de uma dessas histórias conturbadas que mais parecem areia movediça. Ela está presa no passado. Normal, quem nunca se apaixonou pelo cara errado? Só que no clipe, a garota das lágrimas é convocada pelas amigas para sair, dar um tapa no visual, tomar um porre, azarar os boys, beijar na boca e ficar louca – nessa ordem. Todo esse esquema só para tentar esquecer o ex. 

Mas quantos porres são necessários pra gente recomeçar uma nova história?
 

Conheço uma galera que vive na bebedeira, se drogando a torto e a direito, beijando a boca de geral… e nada do cara certo aparecer. Parece que pileque não melhora a vida de ninguém; drogas não trazem a pessoa amada como se fosse um despacho; estar bem arrumado, ou sarado, pode ser bom para a autoestima sim, mas também não segura relacionamento. E se nada vai pra frente, o que a gente faz, produção? A gente fica pagando mico postando que a felicidade é para os solteiros e apontando o dedo para os casais alheios que decidiram criar suas próprias regras. Não há dúvidas de que podemos ser felizes solteiros, mas quem está curtindo essa fase não perde tempo com autoafirmações. A gente insiste em contar umas mentirinhas pra nós mesmos para se esquivar da enxurrada de verdades.
 
O põe aquela roupa e o batom na versão arco-íris seria o inevitável ciclo de anabolizantes que todo mundo faz e jura que nunca fez. A mensagem seria: põe aquele corpitcho superficial e vista um personagem, passe a impressão de que você é autossuficiente e que ninguém merece suas lágrimas, nada te abala. É a gente arriscando a própria vida por mais admiradores, seguidores – uma vida superficial com a profundidade de um pires. As pessoas, na maioria das vezes, se apaixonam pela história que a gente cria. Por isso, é muito importante termos cautela com o que se posta, com a felicidade que se divulga, com o estilo de vida que se demostra. O virtual, no mundo real, nunca vai além da página dois. Essa talvez seja a explicação para aqueles que nunca saem da estaca zero.
 
Azarar os boys, beijar na boca. Tudo isso é uma delícia, mas se estamos tentando esquecer alguém, beijar outra pessoa nos fará pensar ainda mais nela. Sabe aqueles casinhos que tinham tudo para dar certo, mas não vingaram? Pessoas certas no momento errado. A sensação de ter o guarda-roupas lotado e nada que você queira usar.
 
Aproveitar a noite e ficar louca. Aham. Hoje, tudo é desculpa pra ficar doidão; pra sair com o maior número de caras possíveis; pra zerar os contatinhos do Instagram; pra tomar quinze balas na mesma festa; pra usar umas paradinhas bem pesadas e quase bater as botas; pra pegar os amigos dos amigos, os ex-namorados dos amigos, os amigos dos atuais que foram os exs dos amigos (essa parte sempre me dá um nó na cabeça).
 
A realidade é que quando uma história se desfaz a gente perde as estribeiras, rola um vazio, rola um medo de nunca mais encontrar alguém bacana, rola até preguiça de recomeçar tudo de novo. E não há porre que vá melhorar essa situação. Não há autoestima que vá segurar a nossa onda. Toda essa encenação de ficar louca é conversa fiada, é fuga. Às vezes precisamos ir até a nossa dor mais profunda, mergulhar na parte de nós que não queremos enfrentar e recomeçar com o espírito mais leve. 
 
Depois de trocentas pedradas, de inúmeras tentativas, a gente reconhece os próprios erros, consegue enxergar as situações de fora para dentro, entende que o fundo do poço é apenas uma fase de desapego porque as coisas não saíram conforme o script. Tentar esquecer uma história é a maior burrice, alguém que dividiu uma intimidade conosco jamais será substituído. É normal que alguns ciclos se encerrem para que outros se iniciem. A vida é cheia de segundas chances. Loucura mesmo é viver numa montanha-russa sem ter medo de altos e baixos, se apaixonar várias vezes como se fosse a primeira. Loucura é deixar alguém entrar na nossa vida e nos transformar. O amor nos transforma.
 
Bruno de Abreu Rangel
brunorangelbrazil@hotmail.com
 
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.

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