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Um escudo chamado Bissexualidade

Redação Lado A 23 de Dezembro, 2005 12h24m

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Sou bi, e daí? Assim diz a capa da revista Veja de 21 de dezembro de 2005 que traz a cantora Ana Carolina como protagonista de uma matéria sobre a geração que não liga para rótulos sexuais. Para muitos homossexuais, em especial para as lésbicas, foi um grande choque. Ovacionada por supostamente ser lésbica pelo seu público e ídolo de meninas que gostam de meninas, a confissão parece que tornou o mundo às avessas. Chocou mais aos gays do que aos héteros.

 

Direito à intimidade

O “sou bi e daí” da pergunta de Ana Carolina é retórico. E daí que nada. A cantora tem direito à sua vida íntima, a fazer o que quiser e não deve satisfações a ninguém. Sendo verdade que é bissexual, Ana se assumiu de forma brilhante, abertamente, com direito à musicalidade,  rima, capa e tudo mais. Sou bi, e daí?

 

Os prejuízos

Para milhares de fãs, ela destruiu um modelo em extinção, o do homossexual de sucesso. Para gays e lésbicas, é difícil encontrar alguém assumidamente com a mesma orientação sexual para ter como exemplo de vida. Não raramente, os meios de comunicação pregam que gays são afeminados e espevitados, lésbicas são masculinizadas e agressivas. Atores, personalidades e profissionais bem sucedidos que são homossexuais quase que invariavelmente buscam não se assumir publicamente, com medo de minar o sucesso atingido. Sua atitude, independente de ser verdadeira ou não, gerou diversas órfãs que se viram na mesma situação com a morte da cantora Cássia Eller, em 2002, de quem Ana herdou uma legião de fãs.

 

Proteção

A negação da própria sexualidade é fato constante. Homens e mulheres têm a atividade sexual como um tabu, raramente discutido com franqueza. Marquês de Sade dizia que ninguém tocaria a mão de ninguém se soubesse como o outro faz sexo. Atordoados pelos estereótipos e má informação, poucos gostam de assumir rótulos. Comumente adolescentes gays assumem-se bissexuais para suas famílias, por ser de mais fácil aceitação, ao tempo que deixam uma esperança nos sonhos heterossexuais que os pais alimentam para os filhos.

 

As travestis, vistas muitas vezes como violentas e mulheres da vida têm dificuldades de assumirem-se travestis, têm no próprio nome travesti uma carga de preconceito. Por isso, muitas se dizem transexuais. Ser transexual é mais fácil, pois foi cientificamente comprovado como um engano da natureza, são almas de um sexo aprisionadas em corpos de outro, existe um quê romântico. Já a travesti povoa as páginas das gazetas policiais, enquanto o termo transexual remete ao glamour de Roberta Close, que chegou até as páginas de Playboy. Outra evidência da sensação de conforto que um termo provoca, foi a adoção do nome transgênero para identificar travestis e transexuais. Os subterfúgios de adotar rótulos de fácil aceitação ajudam nas relações com outras pessoas e sobretudo, consigo mesmo. A culpa, a pressão e o medo parecem desaparecer.

 

 Prejuízo social

Para o movimento homossexual que clama por seus direitos e reconhecimento de sua existência, um indivíduo gay ou lésbico assumir-se bissexual é um dano de proporção inimaginável. Muitos praticantes do homo-erotismo não se assumem como gays e lésbicas, fato que não acontece no movimento das transgêneros ou negros, por uma razão óbvia: homossexuais são invisíveis. Vem daí a grande discussão dos gays estereotipados e dos que não aparentam serem gays. Os gays afeminados são visíveis, enquanto os outros não. No fundo, é justo representar o gay como afeminado, pois eles carregam a bandeira e estão mais vulneráveis ao preconceito, por outro lado, cria uma rejeição daqueles que não são afeminados, por falta de identificação com o modelo que os representa. Assumir a sua sexualidade é assumir todo o preconceito, estigmas e medos que ser diferente pode trazer.

 

Na Grécia antiga, ou no Império Romano, o bissexual era o status sexual mais elevado para os homens. Já dizia Freud que todos somos potencialmente bissexuais. O relatório Kinsey, estudo sobre sexualidade realizado nos EUA pós-Segunda Guerra, disse que menos de 30% dos entrevistados não possuía desejos ou práticas bissexuais. Por isso, ser bissexual é mais belo, pois, no final das contas, em uma sociedade heterossexista, afirma que não somos tão diferentes e repele em 50% o medo de ser rejeitado. Bom para os bissexuais que receberam uma aliada importante para as suas causas.

 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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