Cinema: Irma Vap

Exatamente dez anos depois de ter lançado Carlota Joaquina – Princesa do Brazil, marco da retomada do cinema brasileiro, Carla Camurati encerrava, no primeiro semestre do ano passado, as filmagens de seu quarto longa-metragem como diretora, Irma Vap – O Retorno. Carla associou-se a Marco Nanini e Ney Latorraca para revivificar, a partir de um roteiro original, irreverente e permeado de homenagens e citações, o maior fenômeno da História do Teatro no Brasil: O Mistério de Irma Vap, do autor norte-americano Charles Ludlam (1946-1987). Realizado pela Copacabana Filmes e pela Pequena Central de Produções, com distribuição da Downtown Filmes e co-produção da Globo Filmes, EBA, Europa Filmes e Lereby o filme tem estréia nacional marcada para 07 de abril, meses antes de se completarem redondas duas décadas da estréia da peça pela excepcional dupla de atores.


 


Para Marco Nanini e Ney Latorraca, as filmagens representaram a oportunidade de revisitar uma época prazerosa de suas carreiras e perenizar, de forma inusitada e surpreendente, um sucesso que superou todas as expectativas. Com direção de Marília Pêra, a peça O Mistério de Irma Vap estreou no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, em novembro de 1986, para cumprir uma temporada de 11 anos, percorrendo as principais cidades do país e atraindo 3 milhões de espectadores. Um fenômeno que acabaria por entrar no Guinnes World Book of Records, como a peça que ficou mais tempo em cartaz, com o mesmo elenco, no mundo em todos os tempos.


 


Escrita, encenada e estrelada originalmente em 1984 por Charles Ludlam, o fundador da Companhia Teatral do Ridículo (Ridiculous Theatrical Company) – que fez história e consolidou um gênero na Nova Iorque dos anos 70 e 80 do século passado – , um dos trunfos da peça estava no fato de dois atores se revezarem em oito papéis masculinos e femininos, sendo obrigados, no mais das vezes, a trocar de roupa em questão de segundos. Uma graça que, evidentemente, só funciona no “tempo real” do palco. Outro aspecto que fez com que esta e outras comédias de Ludlam estabelecessem uma empatia imediata com a platéia, consistia em parodiar de maneira escancarada histórias de enorme popularidade no teatro, no cinema ou na literatura. No caso de Irma Vap, um clássico do cinema de suspense: Rebecca, A Mulher Inesquecível (Rebecca, 1940), de Alfred Hitchcock.


 


Na impossibilidade de lançar mão do primeiro recurso (o troca-troca vertiginoso de figurinos), ao criar o roteiro de Irma Vap – O Retorno, Carla Camurati, Melanie Dimantas e Adriana Falcão não hesitaram se apropriar do segundo, criando para um dos núcleos de personagens, uma história inspirada em outro clássico do suspense em 24 quadros por segundo: o genial O que terá acontecido com Baby Jane?(What ever hapenned with Baby Jane?), de Robert Aldrich, marcado por uma das mais soberbas interpretações de Bette Davis no cinema, na pele da personagem-título. O maior desafio do roteiro, no entanto, era criar oportunidades para que Marco Nanini e Ney Latorraca oferecessem desempenhos impagáveis como no teatro. E, para isso, a nova história preservou uma das características centrais da peça, a idéia do “duplo”. Cada um dos protagonistas interpreta dois papéis: Marco Nanini faz os irmãos Tony e Cleide Albuquerque, e Ney Latorraca é Darci Lopes e sua mãe, Odete.


 


Fundindo realidade e ficção, Irma Vap – O Retorno narra a tresloucada história da remontagem de O Mistério de Irma Vap por Otávio Gonçalves (Marcos Caruso), um dos produtores da montagem original no Brasil, e Luiz Alberto, o Lula (Leandro Hassum), filho de seu parceiro na


 


 


 


 


 


 


empreitada, que, atolado em dívidas, acaba de morrer, fulminado por um enfarte. A primeira dificuldade encontrada pela dupla é que Tony Albuquerque (Marco Nanini), um dos atores da montagem original, está ‘temporariamente’ paralítico e, manipulado pela irmã Cleide (Marco Nanini), vive confinado no segundo andar da casa onde ambos foram criados pelos pais. Como no filme de Aldrich, a paralisia de Tony é fruto de um acidente de carro, supostamente provocado por Cleide, uma ex-menina prodígio (a ‘Pequena Grande Cantora’), que, eclipsada pelo sucesso do irmão, acabou por se tornar uma usuária compulsiva de uísque e ‘Dormilog’, um poderoso narcótico. Com isto, Otávio e Lula ficam impedidos de realizar a remontagem de Irma Vap com o elenco original e optam por convidar Darci Lopes (Ney Latorraca), agora um ator decadente que faz shows em boates undergound, para assumir a direção da peça com dois jovens comediantes – Leonardo Aguiar (Thiago Fragoso) e Henrique D’Ávila (Fernando Caruso). Mas, para atingir esse objetivo, os produtores têm um obstáculo e tanto pela frente: lidar com a descontrolada e intratável Cleide, que não permite que ninguém se aproxime do irmão, detentor legal dos direitos da peça. Com o reservatório de bebidas e narcóticos zerado, Cleide decide vender os direitos de Irma Vap sem comunicar nada a Tony, falsifica sua assinatura no contrato e o corta seu último ponto de contato com o mundo externo: o telefone. E assim, sem que os antigos companheiros de Tony percebam de imediato o embuste, a peça pode, finalmente, entrar em fase de ensaios e ser encenada. Não sem antes acontecer muita confusão.


 


O complexo processo de finalização de Irma Vap – O Retorno teve início enquanto as filmagens ainda estavam em curso. Como a história exige muitos efeitos especiais, principalmente nas cenas em que os personagens vividos pelos mesmos atores contracenam entre si, os truques começaram a ser trabalhados desde cedo nos laboratórios da TeleImage. Afinal, o pilar de sustentação do filme é a combinação do que o cinema tem de mágico com o talento de dois dos maiores atores brasileiros.


 


Irma Vap, o filme resulta, aliás, em uma derramada (e hilariante) homenagem ao ator, especialmente o comediante. Logo na cena abertura, atores consagrados, como Marieta Severo, Diogo Vilela, Paulo Betti e Louise Cardoso, encarnando seus ‘personagens’ na vida real, em participações pra lá de afetivas, desfiam em frente ao caixão do produtor frases emblemáticas de peças-símbolo dos mais variados gêneros teatrais. Se não bastasse, o filme conta ainda com grandes comediantes em papéis praticamente simbólicos, como Arlete Sales e Francisco Milani (participações especiais), Guida Vianna, Miguel Magno, Analu Prestes e Flávia Guedes.


 


Irma Vap, o filme, tem direção de fotografia de Lauro Escorel (Toda nudez será castigada, Bye Bye Brasil, Brincando nos campos do senhor), direção de arte de Marcos Flaksman (O que é isso, companheiro?, O xangô de Baker Street), figurinos de Cao Albuquerque (O auto da Compadecida, Abril despedaçado), montagem de Ricardo Mehedeff e Pedro Amorin, trilha sonora de Guto Graça Melo e produção executiva de Bianca Costa e Fernando Libonati. Por opção da diretora, o cenário e os figurinos de O Mistério de Irma Vap, a peça dentro do filme, são assinados por profissionais que não integram a equipe de filmagem: Muti Randolph e  Marilia Britto.


 


 


 


Elenco


 


Marco Nanini (Tony e Cleide Albuquerque)


 


Ney Latorraca (Darci e Odete Lopes)


 


Thiago Fragoso (Leonardo Aguiar)


 


Marcos Caruso (Otávio Gonçalves)


 


Fernando Caruso (Henrique D’Ávila)


 


Leandro Hassum (Luiz Alberto, Lula)


 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa