Em uma destas poucas excursões pela cidade, a cada dia nos trancamos mais na proteção dos nossos lares e dos shoppings centers, presenciei uma cena pavorosa. Um senhor, pai de família, agredia um desses marmanjos que pedem dinheiro ali na região da Boca Maldita. Estava aborrecido com a insistência do rapaz a pedir dinheiro, pela perseguição que já durava algumas voltas.
Depois de agredir o rapaz, berrar sobre a situação, tornava a ameaçar partir para cima do rapaz como um touro enfurecido. O rapaz, fugindo, ainda tropeça no pé de um homem que tentou derruba-lo. Eu e mais dois amigos gays, na barraquinha das baianas, presenciávamos a cena. Em seguida, a guarda municipal aparece, quadro homens, e a mulher que estava acompanhando o homem alterado diz que o rapaz tentou puxar a sua bolsa, exagero.
Eu fiquei ali, chocado. Em pleno domingo as pessoas se estressando. Comentei rapidamente com meus amigos que eu havia antes comprado quatro churrasquinhos para umas crianças que pediam algo para comer. Continuei ali pensando por que eu tinha que contar do meu gesto ‘nobre’ e imaginado a vida daquele rapaz que pelo julgar da sociedade queria dinheiro para drogas.
Eu tive uma educação cristã. Graças às freiras salesianas acho que sou mais sensível que as outras pessoas. Pelo menos aprendi melhor essa parte das lições. Não consegui depois me conformar como que aquele homem agrediu um semelhante, mesmo com todo o saco cheio, isso jamais poderia ser admitido. Não me perdoei por ter ficado calado. Deveria ter mandado os policiais prenderem aquele senhor. Ele deve ser do mesmo tipo que se acha no direito de agredir um homossexual. Pois se acha mais ser humano que o outro. E o moço que colocou o pé para o outro cair… acho que tem uma passagem na bíblia que diz que alguém colocou o pé para Jesus cair. Se não tem, deve ter acontecido. Mas eu não sou tão fervoroso assim. O que mais me chocou é que o rapz que colocou o pé era negro. Não acreditei quando vi. Ele deveria entender de preconceito.
Fico indignado com a nossa postura de ignorar os semelhantes e o estrago que nós mesmos criamos. A pobreza é o resultado do acúmulo das nossas riquezas. A pobreza é fruto da exploração das classes. Marxismo à parte, alguém se ferrou (não me refiro a quem trabalha muito para pagar as contas) para que nós possamos andar de carro zero e ter apartamentos decorados pela Tok Stok. Se você não compra esta idéia, pense no planeta e nos minerais, água, petróleo, como um bem de todos… nós compramos e usamos – usurpamos – muito além da nossa cota.
Não estou defendendo o socialismo, mas temos que admitir que essa teoria cumpriu o seu papel de minimizar os estragos do capitalismo. Ou pelo menos em nos dar a consciência desse efeito. Não quero que as pessoas distribuam seu ordenado por aí. Gostaria de pedir mais respeito aos que não tiveram a sorte e o discernimento para construir uma vida confortável, gostaria de pedir mais tato com os diferentes.
Tenho certeza que o homem que oferece empréstimos não receberia a tal bofetada por ser insistente, mesmo usando das mesmas técnicas de persuasão do pedinte. Cada um deve fazer a sua parte. E não me refiro as boas ações de todos os dias, mas já seria um começo. A fome tem pressa, nunca deixe de alimentar alguém, um dia pode ser você, ou um filho seu, por mais dinheiro que você tenha.
Não devemos ficar calados. Não me perdoei por não ter dito tudo isso lá, naquele momento. Talvez por vergonha, me calei. Não devemos ter vergonha de defender os indefesos, não devemos ter vergonha de expressar aquilo que acreditamos. Gostaria que tudo isso fosse um conto, mas aconteceu.