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Um SMS para recordar

Redação Lado A 26 de Novembro, 2007 21h58m

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Havia muito trabalho na lanchonete fast food, onde Eduardo insistentemente lutava para manter as mesas limpas. O telefone vibrava muito em seu bolso e ele relutava em atender. Jogou alguns pratos na pia e decidiu ver porque o aparelho incomodava tanto. Havia uma mensagem de um número nunca visto antes.


[“Oi, tudo bem?”]


Tentou vasculhar na memória, alguma informação, alguma lembrança. Não conseguia recordar daquele número. O coração começou a bater descompassado. Será que alguém especial lembrou-se de sua existência? E imaginar que seu namorado nem havia percebido seu novo piercing na língua. Outra mensagem chegou enquanto seus pensamentos sucumbiam em espanto.


[“Estou curioso para te encontrar”]


Eduardo ficou paralisado olhando para o visor, sem saber como responder.


Ele sempre foi muito fiel, apesar da não reciprocidade de seu ato. O desconhecido era muito insistente. Uma nova mensagem chegou poucos minutos depois.


[“???”]


Eu não tenho esse direito, pensou. Tentou imaginar quem poderia ser, algum amigo brincando com seus sentimentos ou talvez alguém encontrara seu telefone em um website de relacionamentos. Lembrou da besteira que fizera. Havia deixado seu número exposto na internet. Decidiu responder.


[“Quem é você? Eu tenho compromisso”]


Não, não posso, o André não merece isso! Na verdade até merece! Pensou em mandar outra mensagem mandando aquele desconhecido que desafiava seus princípios esquecer seu número, mas não conseguiu. E se fosse alguém especial, um cara sério, querendo conhecê-lo melhor. Todas essas idéias embaralhavam-se em sua cabeça. Notou o aparelho vibrar novamente.


[“Mas isso importa?”]


Suas ilusões se desfizeram. Não podia ser especial, alguém que pouco se importava com traição ou mesmo em se apresentar. Continuava anônimo e misterioso. Mas talvez o seu novo admirador soubesse de sua situação difícil com o namorado. Não lembrava de ter contado nada sobre seu relacionamento com mais ninguém, além de sua melhor amiga. Era isso. Ela poderia ter passado o número para algum conhecido, pensou. Começou então a idealizar que, com um pouco de ciúmes, poderia reavivar seu namoro. Passou a visualizar a situação. O medo de perdê-lo, faria seu companheiro sentir o quanto realmente o amava e assim poderiam reviver os primeiros tempos de sua paixão. Tomou as rédeas de seus desejos e o respondeu.


[“E onde poderíamos nos ver?”]


Imaginou como ele seria, se gentil, talvez mal educado. Não, mal educado não. Um sentimento nostálgico o tomou ele sentia novamente aquele frio na barriga, aquela curiosidade, parecia reviver os tempos de solteiro quando trocava as primeiras mensagens, com alguém que conhecia em suas noites de balada. Saiu do transe com o vibrar do aparelho.


[“Onde for melhor pra você”]


Realmente deveria ser uma pessoa educada. Suas fantasias começavam a aflorar. Olhou para o relógio e imaginou se poderiam se ver aquela noite ainda.


[“Eu prefiro na Rua XV”]


Demorou um pouco mais para chegar a resposta. Sua ansiedade ficou exposta em
seus atos, chegou a derrubar algumas bandejas. Quando sentiu novamente o telefone no bolso do uniforme, teve ímpetos de largar tudo. Acalmou-se e após despejar tudo no balcão, tirou o celular e verificou o que havia chegado.


[“Tudo bem então. Você pode atender agora ou precisa marcar horário?”]


Uma interrogação enorme surgiu em seu cérebro, não compreendeu mais nada. Eduardo sentiu-se perdido, sem saber como reagir.


[“Como assim?”]


As mensagens começaram a vir mais rápido.


[“Só quero saber se posso ir agora ou se preciso agendar, não sei como você atende seus clientes.”]


[“Clientes?”]


[“Sim, você é prostituta, não é?”]


[“Não!!!!!”]


[“Nossa, foi mal, é que seu número está em um orelhão escrito loira fogosa”]


O atendente de fast food ainda enviou algumas mensagens pedindo o endereço do telefone público, para poder limpar seu número de lá. Não recebeu mais respostas. Sentiu-se mal, um peso abateu seu corpo, pediu ao gerente para ir embora mais cedo. Teve o pedido negado. Seu expediente parecia interminável.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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