Nossa Justiça

Tom, 19 anos, é mais um rapaz que chegou do interior para trabalhar na capital. Não se prostituía por princípio, pois não eram poucos os convites para sair com homens, já que o corpo de menino virando homem, olhos verdes cintilantes e cabeleira loira despertavam a libido de quem cruzava com aquele rapaz de sorriso alvo e sincero. Corpo atlético, bom humor sempre, educação humilde, porém exemplar.

Com o tempo, foi aprendendo algumas lições na fria Curitiba. O que você veste e calça é mais importante que qualquer noção de educação que tenha. Se você não fumar maconha, as pessoas começam a te excluir do círculo. Se você nunca tem dinheiro para rachar o tubão te chamam de chupim. Ninguém quer ser chupim. É o pior nome que podem te dar. Ele fazia questão de ajudar na intera.

Arrumou emprego e conheceu novos amigos, fez contatos, recebeu outras propostas sexuais. Mas não era a sua praia, negou vender seu corpo. Foi às festas raves e experimentou a tal da bala. Bala boa, balada. Tum tum tum… Viu que seu humilde salário não dava para pagar as entradas e nem mesmo o tal brinquedinho que o tirava daquela realidade injusta. As meninas o olhavam mas não se aproximava, era um pé rapado, sem onde cair morto.

Mas os amigos começaram a pedir para ele ir lá à boca comprar uma erva, ou um pó. E ele acabou indo, era perto de casa mesmo, pensou. Seguiu com a vida, até que viu nisso a oportunidade de crescer socialmente. Outros faziam o mesmo, conheceu até filho de gente importante nessa. Aliás, outros vendiam itens roubados por eles mesmos, e isso era menos que roubar. Drogas têm na farmácia e qualquer coisa eu saio limpo, pensou. E sou réu primário, é só não marcar.

Traficante ou aviãozinho? A Justiça não diferencia. Por causa de uma denúncia anônima e uma mensagem de celular, foi preso e condenado a cinco anos de prisão. Desta vez a justiça foi rápida, pensou. Não tinha amigos, quem interviesse, um pai rico para pagar o advogado, um amigo influente para apelar. Nem mesmo o autor da mensagem foi ouvido, nem mesmo quiseram saber se ele era traficante ou estava vendendo para pagar seu vício químico. Não importa: ele vendia para bancar o consumismo do qual era vítima.

O rapaz não é vítima. Fez, e tem que pagar. Se tivesse ficado quieto em casa não teria sido preso. Mas também os playboyzinhos e patricinhas não teriam festado com as drogas que ele ajudou a passar. É tudo uma bola de neve, que sempre acaba do lado mais fraco, mais pobre, menos culpado. O lado mais forte é representado pelos hipócritas que consomem drogas e criam leis que colocam o traficante/atravessador na cadeia. Essa sociedade não presta, concluiu.

Se tivesse o terceiro grau, poderia ter uma cela especial, mas como nem idade para terminar uma faculdade possuía, foi para a cela comum. Passou dias pensando que deveria ter cedido às investidas daquele deputado bicha que queria sair com ele, talvez ele pudesse ajudar numa hora dessas. E para a sua maior surpresa, as propostas de sexo continuaram e viraram ameaças, as drogas eram mais baratas que do lado de fora. Mas ali o traficante não era preso, aliás, ainda usava um uniforme. Agora, Tom estuda uma forma de ficar rico quando sair dali. Pensou em estudar Direito, e ser honesto. Claro, dentro da sua concepção de Justiça que criou.

PS: Ele, ainda, não se deitou com outro homem.

Texto meramente fictício, inspirado em caso que aconteceu com um conhecido (nessas horas ninguém chama de amigo mesmo).

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa