Conferência Nacional GLBT: o movimento gay brasileiro faz história
Em 28 de novembro do ano passado, o gabinete do Presidente Luis Inácio Lula da Silva divulgou o decreto que convocou a primeira conferência oficial da República Federativa do Brasil, e de qualquer outro país, para discutir Direitos Humanos e Políticas Públicas da população homo, bi e trans. Apesar de convocado para maio deste ano, a reunião só será realizada entre os dias 6 e 8 de junho próximos, quando gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (GLBTT) se reunirão em Brasília com representantes do governo e devem traçar as metas para concretizar as reivindicações da população gay brasileira. A data é mais que especial. Trata-se do dia dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, divulgada após a fundação das Organizações das Nações Unidas, ao final da Segunda Guerra Mundial.
As conferências são círculos democráticos estabelecidos no Brasil após a ditadura e o modelo de maior sucesso é o do Sistema Único de Saúde, que já conta com mais de 25 anos de reuniões populares na forma de conferências. O modelo foi instituído em 1937, mas só recebeu o status de controle social com a Constituição de 1988. A Conferência GLBT segue este modelo, o que é bom para a população homossexual, já que as ongs GLBTS estão familiarizadas com esse sistema.
Destas reuniões sairá o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de GLBT, junto com sugestões de políticas públicas para combate da homofobia e garantia da plena cidadania aos GLBT. O programa Brasil sem Homofobia – Programa de combate à violência e à discriminação contra GLBT e de promoção da cidadania homossexual também será avaliado.
A coordenação da Conferência ficou a cargo da Subsecrataria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República e deve mobilizar diversos ministérios. Uma comissão mista, composta de funcionários públicos e membros da sociedade civil (ativistas) foi formada para organizar a Conferência e elaborar estatutos, entre outros documentos necessários para formalizar a Ata da reunião.
Quem irá participar: Os delegados (participantes que votam as propostas) serão definidos em conferências estaduais, cada parte da sociedade será representada, a sociedade civil terá representantes de ONGS e sociedades civis e por parte do poder público estarão representados o Ministério Público Estadual, a Defensoria Pública, universidades públicas, poder executivo, poder legislativo.
AVALIAÇÃO POLÍTICA E ENTRELINHAS DO QUE SERÁ CONFERÊNCIA NACIONAL
A I Conferência Nacional GLBT, em si, deverá ser um grande sucesso em suas propostas e apresentar grandes esperanças para a população gay brasileira. Será um marco na história, que comemora os 40 anos da revolta gay de Stonewall. Será um sucesso de mídia, palanque político em ano eleitoral e deverá resultar em verbas no orçamento para políticas públicas para GLBTs.
Por outro lado, tudo o que será discutido serão na verdade assuntos já dissecados pelos Congressos e Encontros da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Trangêneros (ABGLT), que reúne mais de 200 grupos GLBTs e discute diariamente o que o gay brasileiro precisa, o que todo gay brasileiro está cansado de reclamar. Será relançado tudo o que foi proposto para o Programa Brasil Sem Homofobia, programa este que enfrenta dificuldades de sair do papel.
Este encontro servirá mais uma vez para mostrar os poderes e egos de dentro do próprio movimento e para governos refazerem promessas e compromissos políticos que infelizmente independem dos grupos gays ou de quem irá representar o poder público nestas reuniões. “Não tem orçamento”, “não é constitucional”, “já fazemos isso”, “não depende de nós”, serão as resposta para todas as indagações. É um grande circo político que fica claro quando criam um website fora do sufixo oficial (www.conferencianacionalglbt.com.br) usando o .com.br ao invés do .gov.br. Mesmo que Lula ou os Ministros abram a conferência, serão seus suplentes que ficarão por lá até o fim, geralmente do terceiro ou quarto escalão, os políticos também costumam sumir após a saída da imprensa. As conferências são cansativas e há mesas discutindo propostas ao mesmo tempo, é preciso muita articulação, que o movimente possui, mas que cansa.
A Conferência se mostra desnecessária quando analisamos que as propostas do movimento já estão discutidas, apresentadas e estão no papel, na forma de um plano de ação chamado Brasil sem Homofobia, que falha na prática. Será um marco mesmo assim. Pode ser uma tentativa do governo em convencer seus aliados políticos, parte da base aliada do governo é a base evangélica, da necessidade de melhor avaliação da problemática enfrentada por essa população que é marginalizada pelo próprio Estado.
Dentro do próprio movimento há quem seja contra a Conferência, em razão a este mesmo ponto, de que ele anula tudo o que já foi feito pelo Movimento Gay, e convoca uma reunião para rediscutir prioridades. Há também aqueles que temem que a pauta vire a caça por verbas, ao invés das reais necessidades da população. Política se faz no dia-a-dia e, infelizmente, a população gay, assim como todo brasileiro, abriu mão de exercer a sua cidadania e depende de grupos para terem suas vozes ouvidas. As paradas, que deveriam ser atos políticos, passaram a ser grandes momentos de descontração, ao invés de protesto. A Conferência será um momento de se mostrar força, cooptar novos aliados, mas a grande luta será travada no Congresso Nacional, o mesmo que votará o orçamento que viabilizará as propostas obtidas, o mesmo que barra há mais de 12 anos o projeto de Parceria Civil, e outras pautas como a lei que criminalizaria a violência contra o homossexual. O inimigo é aquele que insiste em dizer que nossas reivindicações são anticonstitucionais, que não nos vê pois somos invisíveis ao poder, pois a maioria insiste em se esconder, ainda.
Em uma avaliação geral, nos campos do Executivo e do Judiciário o Brasil Sem Homofobia tem jeito, está caminhando e demanda tempo. A conferência deve influenciar nestas esferas de forma política, agilizando, mas não muito, todo o processo. Já no Legislativo, seria preciso um tratamento de choque, que a Conferência será incapaz de criar porque não terá apoio massivo da opinião pública, não ganhará a simpatia da população em geral. Aliás, a Conferência começará em uma sexta-feira e irá terminar no domingo, dias em que a maioria dos congressistas estará bem longe de Brasília.